CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ

Sessão: 158.2.54.O Hora: 15:45 Fase: GE
Orador: DR. ROSINHA, PT-PR Data: 11/06/2012

O SR. DR. ROSINHA (PT-PR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, em 2007, quando Paulo de Tarso Vannuchi era o Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da República, iniciou-se oficialmente no seio do nosso Governo um debate sobre a memória e a verdade. Esse tema passou a ocupar a agenda intestina de política do Governo, até que, em 2009, com o lançamento do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, ganhou espaço público. E ganhou espaço público com bastante controvérsia, assim como o Plano Nacional todo.

Mas aqui quero debruçar-me sobre o eixo direito à memória e à verdade. A Comissão Nacional da Verdade, que já foi instalada, mas que originou também o debate, tem de cumprir o estabelecido na nossa Constituição, como tem também o objetivo de colocar luz sobre a memória e a verdade, sobre os fatos ocorridos nas duas últimas ditaduras: a do Estado Novo e a de 1964 a 1985. Chamo a atenção para o fato de que até 2010 tinham sido formadas 39 Comissões da Verdade no mundo, com distintos nomes, mas todas com a mesma finalidade: o direito à memória e à verdade histórica.

A primeira Comissão da Verdade foi a de Uganda, em 1974.

Baseei parte do meu pronunciamento na cartilha preparada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo. No início dessa cartilha, afirma-se: "As comissões da verdade são mecanismos oficiais de apuração de abusos e violações dos direitos humanos e vêm sendo amplamente utilizadas no mundo como uma forma de esclarecer o passado histórico. Seu funcionamento prioriza escutar as vítimas de arbitrariedades cometidas, ao mesmo tempo em que dá lugar a que se conheça também o padrão dos abusos havidos através da versão dos perpetradores dessas violências ou da revelação de arquivos ainda desconhecidos."

Segundo essa cartilha, "o primeiro objetivo de uma comissão da verdade é: descobrir, esclarecer e reconhecer abusos do passado, dando voz às vítimas". Isso significa que a comissão da verdade deve estabelecer um registro apurado do passado histórico, através do processo testemunhal das vítimas.

Continua, ainda, essa cartilha da Comissão da Verdade, no Brasil, dizendo que "os objetivos adicionais são: combater a impunidade". Ou seja, "revelar as causas, as consequências, o modus operandi e as motivações do regime que cometeu os atos de violência e repressão, identificando aqueles que foram os perpetradores dos abusos cometidos. Com isso, além de desvendar as responsabilidades no passado, ajuda na definição de uma nova política pública de transparência e de combate à impunidade, na relação entre o poder político, militar ou policial e a população em geral".

Continua a cartilha: "restaurar a dignidade e facilitar o direito das vítimas à verdade.

É fato notório que algumas vítimas do período de repressão política continuam falando das humilhações, violências e/ou torturas sofridas com temor e muitas vezes vergonha.

A mídia, por sua vez, ao silenciar sobre esses abusos durante muito tempo, só contribuiu para que a política "deste assunto não se fala" fosse propagada. Mediante os testemunhos na Comissão da Verdade, a dignidade das pessoas é restabelecida e sua história passa a ser parte do conhecimento e reconhecimento geral sobre o período.

Acentuar a responsabilidade do Estado e recomendar reformas do aparato institucional.

Este é um ponto que também deve se tocado. Porque eu não tenho somente que fazer um levantamento histórico da memória, como tenho também que restaurar e preparar o futuro. Se eu quero conhecer o passado é para que ele não se repita. E esse é outro objetivo dessa nossa Comissão.

Também deve, de acordo com a cartilha: "Contribuir para a Justiça e a reparação".

O Sr. Amauri Teixeira - Antes de V.Exa. continuar com seu pronunciamento, permite-me um aparte, Deputado Dr. Rosinha.

O SR. DR. ROSINHA - Sim, Deputado Amauri Teixeira.

O Sr. Amauri Teixeira - Primeiro, quero parabenizá-lo. Sempre que V.Exa. vai falar, permaneço em plenário, porque sei que V.Exa. aborda temas de grande importância para o País. Deputado Dr. Rosinha, coincidentemente, eu estava no Aeroporto de Salvador, hoje, e encontrei Carlos Marighella Filho, o filho de Carlos Marighella, que estava indo a São Paulo, para ser auscultado, para ser ouvido pela Comissão da Verdade. Hoje, algumas famílias estão sendo ouvidas, para se restaurar essa verdade. E é evidente que alguns - V.Exa. leu a cartilha e comentou - insistem em que a Comissão da Verdade tem que ouvir as vítimas e os algozes. Ora, não faz sentido isto: eles impuseram a censura, na época em que estavam no regime, e já produziram as suas versões no documento do Estado, produziram as suas versões, usando o aparato da mídia, que, na época estava sob censura. Então, gostaria de fazer este registro. Ontem, nós conversamos também em Itapiranga, coincidentemente, com um dos anistiados pela Comissão de Anistia, que faz volante nos Estados: Mourinha, um petroquímico da Bahia e que hoje está em Itapiranga, no interior, quase que exilado, porque foi impedido de trabalhar pela ditadura; e, quando voltou ao mercado, já estava com idade avançada. Mas também foi anistiado, recuperando essa injustiça. Parabéns a V.Exa. por abordar um tema tão importante para este País!

O SR. DR. ROSINHA - Agradeço a intervenção do Deputado Amauri Teixeira e incorporo seu aparte ao meu pronunciamento.

Chamo atenção, Deputado Amauri Teixeira, para o fato de que, neste final de semana, o Procurador do Estado e membro do Comitê Paulista Memória, Verdade e Justiça, Marcio Sotelo Felippe, escreveu um artigo e o publicou no Viomundo, cujo título é: "Folha parece ter entrado mesmo na batalha dos dois lados". Folha aqui é a Folha de S.Paulo, na qual ele comenta artigos.

Ele diz que o conceito de crimes contra a humanidade é, ao comentar os artigos da Folha, aproximadamente, como está definido pelo Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional: são condutas praticadas pelo Estado que visam eliminar ou impor graves danos a grupos de pessoas, etnias, minorias e opositores políticos, praticadas de modo intenso e sistemático.

Portanto, aquela argumentação de que têm de ser ouvidos os dois lados não é verdadeira, até pela própria definição do Estatuto de Roma sobre o que é um crime de lesa-humanidade.

Ainda continua o Procurador Márcio Sotelo. Ele continua e escreve: "O conceito também admite, em vez de Estado, organização. Seria o caso - comum na África, por exemplo - de facções ou exércitos que não controlam aparelho do Estado ou não são reconhecidos como tal, mas que equivalem ao Estado pelo potencial ofensivo que detêm."

Esse também não é o caso dessas vítimas da ditadura militar brasileira, tanto no Estado Novo como no outro.

Continuo ainda citando o Dr. Márcio Sotelo:

"Claro que, colocado como foco da comissão crimes contra a humanidade, somente resta como objeto de apuração a conduta do Estado na ditadura. Havia uma diretriz do Estado de aniquilar, utilizar tortura, praticar violações, liberdade aos seus agentes para estuprar, etc. Isso é crime contra a humanidade: conduta do Estado voltada contra parte de sua população, com o dolo de aniquilar seres humanos. Com o dolo de torturar. Com o dolo de impor graves sofrimentos. De modo intenso ou sistemático, mas com potencial ofensivo."

Ou seja, essas observações do Dr. Márcio Sotelo Felippe são importantes para dizer a que veio a Comissão da Verdade. Ele afirma que o paradigma de Auschwitz - como categoria, como conceito - reproduziu-se aqui na ditadura militar fascista: "um Estado com seu formidável potencial ofensivo elege como diretriz aniquilar ou impor grave sofrimento a um grupo ou coletividade".

Enquanto os do outro grupo, a Esquerda, os que faziam a resistência à ditadura a faziam como "direito de resistência - categoria jurídica e étnica em que se enquadra a luta armada contra a ditadura". E diz o Procurador que esses não podem, de modo algum, ser comparados "aos crimes contra a humanidade praticados pela ditadura. Não são os mesmos conceitos teóricos, jurídicos e morais".

Isso é importante que se diga diante do argumento de que a Comissão da Verdade é para ouvir todos os lados. Não, ela não vem com esse conceito, até porque a ditadura conseguiu produzir a verdade dela. E é essa a verdade que está sendo questionada. O que se busca é uma outra verdade.

Esperamos que também se possa, nesse processo de avanço, deixar bastante claro que os casos que hoje alguns querem fazer com que sejam investigados são de pessoas que foram vítimas da ditadura, que foram presas e punidas pela ditadura, pela verdade ditatorial, que foram exiladas, torturadas, mortas - algumas desaparecidas.

Portanto, essas foram as vítimas. E a verdade imposta hoje na consciência popular é a verdade da ditadura. Portanto, a Comissão da Verdade histórica vem justamente para repor no devido lugar a verdade.

Por isso é importante que a Comissão da Verdade continue no sentido de contribuir para a Justiça e a reparação.

Volto à cartilha:

"Embora a questão do processamento civil ou penal dos perpetradores das violências e abusos cometidos não seja um dos objetivos fundamentais das 39 Comissões da Verdade já implementadas, sabe-se que o relatório final das comissões, em muitos países, foi usado como instrumento pela Justiça para desencadear as ações civis e/ou penais contra os perpetradores".

Não é esse o objetivo. Isso depende da legalidade e da constitucionalidade de cada país. Ela pode ter esse uso, mas não é esse o processo.

A nossa Comissão da Verdade, como bem lembra a cartilha preparada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo, também tem o objetivo de "reduzir conflitos e promover a reconciliação e a paz".

Novamente abro aspas:

"Um dos objetivos que têm causado muita discussão é justamente o da reconciliação e do estabelecimento da paz. Embora seja um objetivo louvável e um corolário dos que promovem os Direitos Humanos como valor intrínseco à democracia, deve-se reconhecer que, para as vítimas, promover a reconciliação e a paz só pode ser possível com a Justiça e com o reconhecimento oficial das responsabilidades de indivíduos que, a mando do Estado, violaram os direitos mais elementares, prendendo arbitrariamente, torturando e assassinando opositores do regime, muitos deles até hoje desaparecidos".

Faço uma observação: a reconciliação da paz só é possível se se conhecer a verdade. Porque ninguém reconcilia sem ter a verdade. E a verdade é a Comissão que vai buscar. Pode ou não haver reconciliação, dependendo das famílias e daqueles que vão em busca da verdade. Então, esta é uma questão fundamental. Não há reconciliação sem se saber onde está a verdade. A Comissão, pois, tem esse objetivo. E é esse objetivo que deixou claro a Presidenta Dilma Rousseff, no dia 16 de maio, quando instalou a Comissão.

Disse a Presidenta Dilma:

"Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de rescrever a história de uma forma diferente do que como aconteceu. Nos move a necessidade imperiosa de conhecer a verdade em sua plenitude, sem ocultamento."

Justamente, o ocultamento dos fatos e da história é o que querem os conservadores, os fascistas, aqueles que, direta ou indiretamente, atuaram na ditadura, de maneira individual ou coletiva. Esses são os querem o ocultamento da história.

A Presidenta Dilma ainda continuou:

"O Brasil merece a verdade; as novas gerações merecem a verdade; e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia"

(...)

É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e mulheres livres que não têm medo de escrevê-la".

Pois essa discussão da história depende dos 7 integrantes da Comissão da Verdade, com seus 2 anos para apresentar um relatório. E temos neles a esperança depositada por milhões de brasileiros, a esperança de se rescrever parte da nossa história.

No dia da instalação da Comissão, a Presidenta Dilma afirmou: "Ao convidar os 7 brasileiros que aqui estão e que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais ou por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos de reconhecida competência, sensatos e ponderados".

No dia da instalação da Comissão houve também, quero aqui lembrar, o pronunciamento de Amerigo Incalcaterra, representante regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Ele leu, naquela ocasião, a carta de apoio da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Sra. Navi Pillay, à instalação da Comissão. Pillay afirmou na carta: A instalação da Comissão é um passo necessário e muito aguardado no processo de prestação de contas que irá ajudar toda a sociedade brasileira a entender melhor o seu passado.

Nesse dia muito importante, a Presidenta Dilma deu posse aos integrantes da Comissão Nacional da Verdade. E esses integrantes da Comissão - 7 membros - terão a responsabilidade de, em 2 anos, elaborar um relatório. E quero dizer que cada um deles terá direito a 2 sucessores, o que totalizará 21 pessoas trabalhando na Comissão. Isso é muito importante.

Também colaborarão com essa Comissão vários militantes ou várias comissões da verdade criadas Brasil afora.

No dia da posse, o Sr. José Carlos Dias, Ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, discursou em nome dos demais conselheiros. Disse ele: "A instalação desta Comissão significa passo relevante para a consolidação da sociedade democrática brasileira, virando página dolorosa de nossa história, em que os direitos públicos foram suprimidos [...] quando se ousava se opor a quem detinha o poder."

Eu acho que esses integrantes da Comissão, todos eles, têm uma responsabilidade extremamente importante, pois terão o passado para analisar - e sem dúvida nenhuma contribuirão com o nosso futuro.

Chamo atenção ainda para a Lei da Anistia, que é muito debatida nesse processo da Comissão da Verdade.

Desde a Lei de Anistia, de 1979, setores de direita e setores minoritários, principalmente os chamados "oficiais de pijama" das Forças Armadas, não aceitam os avanços democráticos em nosso País nem tampouco qualquer iniciativa de investigação dos crimes cometidos, individualmente ou pelo Estado, durante a ditadura.

Digo que esses são setores minoritários porque hoje as Forças Armadas são predominantemente democráticas na sua grande maioria, se não quase toda ela. Tanto é que aceitam os resultados eleitorais, aceitam o comando civil. Mas há aqueles grupos, muitos pequenos, de militares que estão fora do comando, que estão hoje de pijama, que questionam e dizem que estão amparados pela Lei de Anistia.

A Lei de Anistia não ampara crimes de tortura, não ampara crimes de sequestro; a Lei de Anistia não ampara os crimes cometidos pelo Estado, ou em nome do Estado, que são crimes de lesa-humanidade.

Portanto, a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528, de 2011, terá, primeiramente, o papel importante de estabelecer o foco de seu trabalho, foco que deve ser baseado nos crimes considerados contra a humanidade.

Concedo mais um aparte ao Deputado Amauri Teixeira.

O Sr. Amauri Teixeira - É só para lembrar, Deputado Dr. Rosinha, que a Presidenta Dilma formou a Comissão da Verdade não como uma comissão de governo, mas como uma comissão de Estado, com pessoas que integraram o Governo Fernando Henrique, com pessoas que integraram outros governos, com perfis e matriz ideológica distintos do da Presidenta Dilma. Então, ela soube escolher uma Comissão da Verdade com um caráter de comissão de Estado e não de comissão de governo.

O SR. DR. ROSINHA - Concluo, Sr. Presidente, dizendo que o povo brasileiro espera que a Comissão da Verdade consiga avançar além daquilo que já foi produzido pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia.

Esperamos também que ela possa esclarecer as gravíssimas violações de direitos humanos que se abateram sobre lideranças camponesas, trabalhadores rurais e populações indígenas, que sofreram deslocamentos forçados, quando não foram pura e simplesmente massacradas. Exemplo emblemático é o da etnia Waimiri Atroari, dizimada por se opor à construção da Rodovia Transamazônica, em plena ditadura militar.

Esperamos que a apuração da verdade alcance até o envolvimento de alguns setores empresariais no financiamento do aparato repressivo.

Queremos uma comissão independente e ágil, uma comissão que consiga, como afirmou a Presidenta Dilma, sem revanchismo ou ódio, reescrever a história de forma diferente do que contam, "uma comissão que não abriga ressentimento, ódio nem perdão. Ela só é contrária ao esquecimento".

Queremos que o relatório produzido, assim como está definido na cartilha preparada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, permita à sociedade o conhecimento dos detalhes do regime que oprimiu e violou, assim como apresente recomendações que visem aprimorar as instituições do Estado, notadamente aquelas que lidam com a segurança pública, e contribuir para uma política definitiva de não repetição.

A Comissão Nacional da Verdade não interessa somente aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos ou aos sobreviventes dos cárceres e torturas; interessa a todo o povo brasileiro. Fará bem ao País conhecer sua história recente, e isso fortalecerá a nossa jovem democracia.

Esperamos que o resultado a ser produzido nos próximos 2 anos de trabalho da Comissão da Verdade possa contribuir para a construção de uma cultura de paz, de repúdio à violência e à tortura ainda vigentes em algumas delegacias policiais.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça! É isso que queremos, e esperamos, da Comissão da Verdade. (Palmas.)


PRONUNCIAMENTO ENCAMINHADO PELO ORADOR

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, segundo a cartilha preparada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, de São Paulo, "as Comissões da Verdade são mecanismos oficiais de apuração de abusos e violações dos Direitos Humanos e vêm sendo amplamente utilizadas no mundo como uma forma de esclarecer o passado histórico. Seu funcionamento prioriza escutar as vítimas de arbitrariedades cometidas, ao mesmo tempo em que dá lugar a que se conheça também o padrão dos abusos havidos, através da versão dos perpetradores dessas violências ou da revelação de arquivos ainda desconhecidos".

A primeira Comissão da Verdade que se conhece foi a que estabeleceu o Governo de Uganda, em 1974. Até 2010, 39 comissões se formaram nos 4 Continentes.

Objetivos da Comissão da Verdade.

Segundo a cartilha, "o primeiro objetivo de uma comissão da verdade é descobrir, esclarecer e reconhecer abusos do passado, dando voz às vítimas". Isso significa que a Comissão deve estabelecer um registro apurado do passado histórico, através do processo testemunhal das vítimas.

Os objetivos adicionais são:

1. Combater a impunidade.

"Revelar as causas, as consequências, o modus operandi e as motivações do regime que cometeu os atos de violência e repressão, identificando aqueles que foram os perpetradores dos abusos cometidos. Com isso, além de desvendar as responsabilidades no passado, ajuda na definição de uma nova política pública de transparência e de combate à impunidade, na relação entre o poder político, militar ou policial, e a população em geral".

2. Restaurar a dignidade e facilitar o direito das vítimas à verdade.

"É fato notório que algumas vítimas do período de repressão política continuam falando das humilhações, violências e/ou torturas sofridas com temor e muitas vezes vergonha.

A mídia, por sua vez, ao silenciar sobre esses abusos durante muito tempo, só contribuiu para que a política 'deste assunto não se fala' fosse propagada.

Mediante os testemunhos na Comissão da Verdade, a dignidade das pessoas é restabelecida e sua história passa a ser parte do conhecimento e reconhecimento geral sobre o período".

3. Acentuar a responsabilidade do Estado e recomendar reformas do aparato institucional.

"O reconhecimento público e oficial de abusos cometidos, através do relatório final da Comissão da Verdade, não somente serve para que o Estado assuma sua responsabilidade, como também ajuda na questão vital da implementação de um dos fundamentos da Justiça de Transição, que é a de reformar as instâncias institucionais que tratam da Justiça e da Segurança Pública".

4. Contribuir para a justiça e a reparação.

"Embora a questão do processamento civil ou penal dos perpetradores das violências e abusos cometidos não seja um dos objetivos fundamentais das 39 Comissões da Verdade já implementadas, sabe-se que o relatório final das Comissões, em muitos países, foi usado como instrumento pela Justiça para desencadear ações civis e/ou penais contra os perpetradores".

5. Reduzir conflitos e promover a reconciliação e a paz.

"Um dos objetivos que têm causado muita discussão é justamente o da reconciliação e estabelecimento da paz. Embora seja um objetivo louvável e um corolário dos que promovem os Direitos Humanos como valor intrínseco à Democracia, deve-se reconhecer que, para as vítimas, promover a reconciliação e a paz só pode ser possível com a Justiça e com o reconhecimento oficial das responsabilidades de indivíduos que, a mando do Estado, violaram os direitos mais elementares, prendendo arbitrariamente, torturando e assassinando opositores do regime, muitos deles até hoje desaparecidos".

No dia 16 de maio, a Presidente Dilma Rousseff instalou a Comissão Nacional da Verdade. Ao instalá-la, Dilma declarou: "Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu". (...) Nos move a necessidade imperiosa de conhecer a verdade em sua plenitude, sem ocultamento".

Justamente, é o ocultamento dos fatos e da história o que querem os conservadores, os fascistas e aqueles que direta ou indiretamente atuaram na ditadura.

Continuou Dilma: "O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia" (...) É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e mulheres livres que não têm medo de escrevê-la".

São 7 os integrantes da Comissão da Verdade, que terão 2 anos para apresentar o relatório. Sobre eles está a esperança de milhões de brasileiros. A esperança de reescrever parte da nossa história.

No dia da instalação da Comissão, a Presidenta Dilma afirmou: "Ao convidar os sete brasileiros que aqui estão que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais ou por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos de reconhecida competência, sensatos e ponderados".

No dia da instalação da Comissão houve também o pronunciamento de Amerigo Incalcaterra, representante regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Ele leu a carta da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, de apoio à instalação da Comissão. Pillay afirmou na carta que a "instalação da comissão é um passo necessário e muito aguardado no processo de prestação de contas que irá ajudar toda sociedade brasileira a entender melhor seu passado".

Nesse dia a Presidenta Dilma deu posse aos integrantes da Comissão Nacional da Verdade: Gilson Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); José Carlos Dias, advogado e ex-Ministro da Justiça; Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada; Cláudio Fonteles, ex-Procurador-Geral da República; Paulo Sérgio Pinheiro, sociólogo; Maria Rita Kehl, psicanalista; e José Paulo Cavalcanti Filho, advogado.

Está previsto também na lei que instituiu a Comissão Nacional da Verdade que cada integrante terá direito a 2 assessores, o que totaliza 21 pessoas.

A Presidente deu posse e declarou: (...) "eles são capazes de entender a dimensão do trabalho que vão executar com toda a liberdade, sem qualquer interferência do Governo, mas com todo o apoio de que necessitarem".

O advogado José Carlos Dias, Ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, discursou em nome dos demais Conselheiros: "A instalação desta comissão significa passo relevante para a consolidação da sociedade democrática brasileira, virando página dolorosa de nossa história, em que os direitos públicos foram suprimidos (...) quando se ousava se opor a quem detinha o poder".

Disse também que "este é um momento que objetiva a conciliação nacional sem caráter de revanchismo ou apedrejamento. É preciso revelar a história para mostrar o que dela foi escondido".

Desde a Lei de Anistia, de 1979, setores de direita e setores minoritários, principalmente "os oficiais de pijama" das Forças Armadas não aceitam os avanços democráticos no nosso País nem tampouco qualquer iniciativa de investigação dos crimes cometidos individualmente ou pelo Estado durante a ditadura.

Diante da Comissão Nacional da Verdade alguns tentam dizer que ela tem que apurar os crimes cometidos pelos 2 lados, ou seja, os crimes do Estado e os daqueles que resistiram à ditadura. Pelo enorme lapso de tempo que a Lei nº 12.528/11, que cria a Comissão Nacional da Verdade, colocou como objeto de apuração (1946 a 1988), impõe-se a necessidade de se estabelecerem critérios e focos ao que entendo sejam aqueles considerados crimes contra a humanidade.

Escreve Marcio Sotelo Felippe, Procurador do Estado e membro do Comitê Paulista Memória, Verdade e Justiça, no seu artigo "Folha parece ter entrado mesmo na batalha dos "dois lados" (Viomundo) que "conceito de crime contra a Humanidade é aproximadamente como definido pelo Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional, como condutas praticadas pelo Estado que visem a eliminar ou impor graves danos a grupos de pessoas (etnias, minorias, opositores políticos, etc.), praticadas de modo intenso ou sistemático".

Escreve que o "conceito também admite, em vez de Estado, 'organização'. Seria o caso - comum na África, por exemplo - de facções ou exércitos que não controlam o aparelho do Estado ou não são reconhecidos como tal, mas que equivalem ao Estado pelo potencial ofensivo que detêm".

Claro que, colocado como foco da Comissão os crimes contra a humanidade, somente resta como objeto de apuração a conduta do Estado na ditadura: pois havia uma diretriz do Estado de aniquilar, utilizar tortura, praticar violações, dar liberdade a seus agentes para estuprar, etc. Isso é crime contra a Humanidade: conduta do Estado voltada contra parte de sua população, com o dolo de aniquilar seres humanos. Com o dolo de torturar, com o dolo de impor graves sofrimentos. E de modo intenso ou sistemático, mas com potencial ofensivo.

Estes conceitos e observações deixam claro o que deve a Comissão Nacional da Verdade buscar.

Marcio Sotelo Felippe afirma que o "paradigma Auschwitz" - como categoria, como conceito - reproduziu-se aqui, na ditadura militar fascista: um Estado, com o seu formidável potencial ofensivo, elege como diretriz aniquilar ou impor grave sofrimento a um grupo ou coletividade". Enquanto o outro grupo, a esquerda, os que faziam a resistência à ditadura, o faziam como "direito de resistência - categoria jurídica e ética em que se enquadra a luta armada contra a ditadura. E esses não podem, de modo algum, ser comparados aos crimes contra a Humanidade praticados pela ditadura. "Não são os mesmos os conceitos teóricos, jurídicos e morais".

Nesses casos, não precisamos de uma Comissão da Verdade. Os responsáveis foram presos, torturados, julgados por tribunais de exceção, e cumpriram pena. Acrescento: alguns foram expulsos do país, outros foram exilados. Centenas foram assassinados, ou seja, condenados à morte, mesmo que no Brasil não vigore a pena de morte. E ainda precisam, mais uma vez, ser perseguidos para que se possa alcançar seus algozes torturadores, que estão de pijama, usufruindo polpudas aposentadorias?!

Esperamos que a CNV consiga avançar para além do que já foi produzido pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia.

Esperamos também que possa esclarecer as gravíssimas violações de direitos humanos que se abateram sobre lideranças camponesas, trabalhadores rurais e populações indígenas, que sofreram deslocamentos forçados, isso quando não foram pura e simplesmente massacradas. Exemplo emblemático é da etnia Waimiri Atroari, dizimada por se opor à construção da Rodovia Transamazônica, em plena ditadura militar.

Esperamos que a apuração da verdade alcance até o envolvimento de alguns setores empresariais no financiamento do aparato repressivo.

Queremos uma comissão independente e ágil. Uma comissão que consiga, como afirmou a Presidenta Dilma, sem revanchismo ou ódio, reescrever a história de uma forma diferente do que contam. "Uma comissão que não abrigue ressentimento, ódio, nem perdão. Ela só é o contrário do esquecimento".

Queremos que o relatório produzido, assim como está definido na cartilha preparada pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, "permita à sociedade o conhecimento dos detalhes do regime que oprimiu e violou", assim como apresente "recomendações que visam aprimorar as instituições do Estado, notadamente aquelas que lidam com a segurança pública, e contribuir para uma política definitiva de não repetição".

À Comissão Nacional da Verdade não interessa somente aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos ou aos sobreviventes dos cárceres e torturas; interessa a todo o povo brasileiro. Fará bem ao País conhecer sua história recente, e isso fortalecerá a nossa jovem democracia.

Esperamos que o resultado a ser produzido nos próximos 2 anos de trabalho da CNV possa contribuir para a construção de uma cultura de paz, de repúdio à violência e à tortura ainda vigentes em algumas delegacias policiais.

Para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça!


ARTIGO ENCAMINHADO PELO ORADOR