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Estou superendividado. E agora?

Estou superendividado. E agora?

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O malabarismo para efetuar o pagamento de empréstimos e financiamentos e os custos com as demandas de casa são, muitas vezes, os desafios mais presentes na vida da maioria dos brasileiros. Para quem está desempregado ou com renda insuficiente isso se transforma em um pesadelo. Com a pandemia do novo coronavírus, surge também o superendividamento, já que muitas atividades ficaram paralisadas por mais de 60 dias e agora que reacendem uma possibilidade de retomada.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação do brasileiro passou de 11,2% para 12,6%, terminado em abril com 12,8 milhões de desempregados. Um acréscimo de 898 mil pessoas a mais à procura de trabalho. Esse cenário aumenta as dificuldades para efetuar o pagamento de débitos, tornando mais próxima a realidade do superendividamento.

A definição do que é superendividamento vem do Código de Consumo da França, de 1993, como explica a advogada, escritora, pós-doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professora titular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cláudia Lima Marques. “Ele é definido como a impossibilidade do consumidor de boa-fé fazer frente ao conjunto de suas dívidas já vencidas e que irão vencer. Sem prejudicar o mínimo existencial. Aí que está o ponto”, explica.

Mínimo existencial é o conjunto básico de direitos fundamentais que assegura a cada pessoa uma vida digna, com saúde, alimentação e educação. As dívidas não podem exceder a sobrevivência dos indivíduos. “Quem deve, que é de boa-fé, quer pagar. Esse é mais um exemplo de como as pessoas arriscam suas vidas com medo e receio do endividamento, dos altos juros. Existe uma boa parte da população que quer honrar o pagamento dos seus débitos e reorganizá-los, mas que precisa ter as vias de como, de fato, realizar isso. E o PL 3515/2015 vem nessa perspectiva, também: de viabilizar a luz no fim do túnel, para quem está superendividado e quer se livrar dessas dívidas”, explica a defensora pública, titular do Nudecon e presidente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado (Adpec), Amélia Rocha. Ela refere-se ao Projeto de Lei, em tramitação da Câmara dos Deputados, que quer ajudar na prevenção e no tratamento do superendividamento.WhatsApp Image 2020-06-19 at 12.13.50

 

Sem trabalhar desde o início da pandemia, a professora Ana Elizabeth Lucania, 39, acumula contas atrasadas do período e uma redução salarial de 30%. Em maio, procurou o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Ceará para renegociar uma das despesas pendentes. “Tenho parcela do carro para pagar e entrei em contato com o banco no mês de abril para tentar adiar as parcelas durante esse período, já que não teria como cumprir. Tentei pela via administrativa, mas não tive nenhum retorno.Eu que nunca fui de atrasar nenhum pagamento, fiquei preocupada e acabei usando a única reserva que tinha para cumprir com o pagamento de abril. Só que chegou o mês seguinte e eu não tinha mesmo como pagar”, relata.

A professora buscou o Nudecon para entrar com ação de revisão contratual, solicitando a suspensão temporária do pagamento das parcelas. “Fui para internet e procurei o contato da Defensoria Pública. Remotamente, recebi toda orientação necessária sobre as documentações. A partir daí, reuni tudo e enviei por e-mail e em menos de 15 dias tudo foi encaminhado para conseguir a suspensão do pagamento das parcelas enquanto perdurar a pandemia”, pontua.

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva aponta que 91 milhões de brasileiros – o equivalente a 58% da população adulta do País – deixaram de pagar pelo menos uma das contas referentes ao consumo de março. Em comparação, no mês anterior, antes da quarentena, eram 59 milhões (37%) com contas atrasadas, resultando em salto de 54% no período.

Com pouco mais de três meses de isolamento social, o educador físico Márcio Demétrio Alves, 36, também sofreu os impactos no orçamento. “Fui totalmente prejudicado pelo efeito da pandemia. Fui pego de surpresa, porque nós víamos sobre o vírus na TV, mas achávamos bem distante. Desde o dia 18 de março, com o fechamento do comércio, fiquei sem ter como trabalhar. Eu ainda tinha uma atividade secundária que seria como músico que também foi diretamente impactada”, conta. O endividamento foi em decorrência de parcelas do carro que trocou no final de 2019, tentou negociar e não teve êxito. “Eles me disseram que, como eu não havia pago 10 parcelas ainda, não teria direito a uma eventual prorrogação de pagamentos. O que eles poderiam fazer era tirar os juros. Mas como eu poderia querer que tirassem os juros se eu não tenho como pagar nem as parcelas?”, questiona.

Nesse cenário, Márcio recorreu a atividades paralelas para conseguir colocar algum dinheiro em casa. “Hoje eu estou entregando pizzas, de bicicleta, aqui no bairro, para comprar o leite dos meus filhos, colocar o alimento em casa. As contas básicas eu também deixei de pagar, porque o que eu estava ganhando na entrega só dá pra colocar a comida em casa”, lamenta. O rapaz procurou o Nudecon para realizar a revisional do contrato feito com o banco para obtenção do carro.

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A Defensoria Pública do Ceará atua na defesa do cidadão em situação de vulnerabilidade nas relações de consumo, por meio do Núcleo de Defesa do Consumidor, tanto na seara individual quanto na coletiva. De acordo com a supervisora e defensora pública Rebecca Machado, os casos de superendividamento aumentaram devido à pandemia. “O Nudecon registrou um aumento na demanda em relação aos superendividados. Os principais casos foram relacionados às dívidas com os bancos e com o cartão de crédito, que possuem taxas de juros altas e chegam à mais de 800% ao ano”, pondera a defensora.

“Normalmente, o consumidor, quando chega à Defensoria, já tentou outros acordos sem sucesso. Caso o consumidor tenha sido impactado pelos efeitos negativos ocorridos na economia em razão da pandemia da Covid-19, entendemos que cabe uma tentativa de negociação acerca da forma de pagamento, no intuito de ajustar as obrigações das partes para a nova realidade. Caso a negociação extrajudicial reste frustrada, fazemos uma análise do caso concreto para definir quais as medidas podem ser adotadas para a busca da solução do problema”, destaca Rebecca Machado.

Desde o início do ano, o Nudecon registrou um total de 775 atividades que envolvem casos de revisional de contratos, revisional de cláusulas, consignação em pagamento, orientação jurídica, entre outras demandas. No mesmo período no ano passado, o Nudecon realizou 501 atividades, ou seja, houve um aumento de 54,69% em relação ao mesmo período. Desde o início do regime de quarentena, vigente desde o dia 21 de março, o Núcleo recebeu 282 demandas.

Projeto de Lei 3515/2015 – O Projeto de Lei 3515 de 2015 reúne propostas para diminuir os impactos econômicos na renda das famílias brasileiras, entre elas, disciplina a publicidade e divulgação de créditos, determina quais informações contratuais sejam claras para melhor entendimento do consumidor, como taxas de juros e riscos; avalia a concessão de crédito a partir da capacidade de pagamento; renegocia dívidas, antes da inadimplência, além viabilizar um ambiente propício para a redução de juros. No último dia 12 de junho, os deputados Fábio Trad (PSD/MS), Alessandro Solon (PSB/RJ) e Jorge Solla (PT) apresentaram requerimentos para reinserção do PL na pauta da Câmara Federal.

“O PL prevê uma conciliação em bloco com todos os credores, onde o consumidor irá realizar um plano de pagamento para efetuar esses débitos. Não é perdão de dívida, é uma organização e planejamento para efetuar esses pagamentos. Se a pessoa não mantém o mínimo existencial, no primeiro mês ela pode pagar, no segundo, não, porque precisa colocar comida na mesa. Esse modelo de reeducação vai primar pelo pagamento, sem adquirir novos créditos, de forma organizada e que mantenha a sobrevivência do consumidor de boa-fé que irá se comprometer a pagar”, explica Cláudia Lima Marques.

A juíza de direito no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e doutora em direito privado na UFRGS, Clarissa Costa de Lima, explica que “muitas pessoas estão com o mínimo existencial prejudicado, porque acabaram comprometendo muito da sua renda. Estamos vivendo em um contexto de mercado de crédito muito facilitado e por vezes, há abuso na concessão desse crédito por parte das instituições financeiras. O PL 3515 é importante no âmbito da prevenção porque ele reforça os deveres de informação e aconselhamento, crédito responsável que ficam a cargo daquele profissional que concede o crédito”.

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Um risco à sobrevivência – Fez parte da narrativa de Fortaleza, após instauração da primeira fase de normalização do comércio por parte do Governo do Estado no último dia 08, longas filas formadas pela população em shoppings e lojas do centro da cidade. A foto acima é um exemplo de como viralizou esse ato. Diferente do que constatam, isso foi em decorrência da obrigatoriedade do pagamento de cachês, boletos e parcelas feito de forma presencial e somente assim em algumas lojas da Capital.

Falar sobre mínimo existencial é falar de sobrevivência. “A autoestima do devedor é afetada por, possivelmente, todos os malefícios que advêm do superendividamento. Afeta família, filhos, bem-estar, relacionamento dos pais. Pode afetar, ainda, na saúde, aumento de doenças como depressão, ansiedade e até mesmo de suicídio”, alerta a juíza vice-presidente social da Escola Superior de Magistratura (Ajuris), doutora e mestre pela UFRGS e diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Karen Rick Danilevicz Bertoncello.

“Acho importante destacar o impacto psicológico que essa situação toda me acarretou, me rendeu um Transtorno de Ansiedade Generalizada”, diz o assistido da Defensoria, Márcio Demétrio Alves.

Clarissa Costa de Lima avalia o cenário pós-pandemia. “Com a pandemia, infelizmente, a expectativa é que o cenário de desemprego piore. Já temos mais de um milhão de pessoas desempregadas, oito milhões de contratos de trabalho suspensos, com salários reduzidos. A estimativa é que 68% dos brasileiros não irão conseguir cumprir os pagamentos pós-pandemia”, alerta.

O que fazer? O superendividado é aquele cuja renda está tão comprometida, que perdeu a capacidade de pagar suas dívidas, a ponto de pôr em risco sua subsistência, ou seja, de quitar contas básicas como alimentação e moradia. As especialistas no tema, ouvidas pela matéria, orientam que a primeira coisa a se fazer é relacionar todos os gastos.

“Colocar os gastos e contas no papel as dívidas ajudam a entender o que é fundamental: o consumidor deve saber quanto e para quem deve”, orienta Rebecca Machado. Daí, buscar todos os devedores e tentar recomposições. “O momento é de solidariedade e cooperação entre consumidor e fornecedor para a tentativa de manutenção dos contratos, os quais poderão ser mantidos e executados sob uma nova ótica, tendo em vista que a pandemia é fato novo, imprevisível no momento da contratação”, destaca.

Documentos necessários para buscar ajuda da Defensoria:

1) Identidade
2) CPF
3) Comprovante de endereço
4) Comprovação do endividamento
5) Contratos de empréstimos
6) Comprovantes de pagamento
7) Comprovante da renda
8) Comprovantede dos gastos essenciais

*Durante o atendimento poderão ser solicitados outros documentos necessários para o ajuizamento da ação.

Em Fortaleza
Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Ceará
Celular: (85) 99409-3023
E-mail: nudecon@defensoria.ce.def.br

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