9 788563 524614
ISBN 978-85-63524-61-4
Escrever é , em si, tanto um exercı́cio de liberdade quanto um processo
libertador. Ao escrever nos permitimos criar nosso pró prio conhecimento e contagiar
os outros com nossas ideias. Nã o estamos mais submetidos a ideias alheias, aı́ está a
liberdade. Da mesma forma, nossos crıt́icos internos, o tempo que nos enclausura,
nossa insegurança, sã o todos carcereiros da nossa imaginaçã o. Escrever é , portanto,
tomar-lhe as chaves e libertar a criatividade. Aı́ está a libertaçã o. Por outro lado,
escrever é um risco. E desnudar-se diante do leitor, deixar ali à mostra suas ideias mais
ın
́ timas. E nã o falamos de uma nudez fugidia, uma olhadela furtiva. Escrever é irmar
um compromisso com suas ideias. Sim, porque maculado o papel com a tinta na prensa,
suas ideias estã o ali eternizadas para quem se dispuser a ler. Tamanho compromisso
com as pró prias ideias nã o é tarefa simples. E necessá ria boa dose de segurança e
ousadia. Foi este o exercıćio que cada um dos autores dos capıt́ulos desse livro se
propô s, assumir responsabilidade por suas pró prias ideias e colocá -las no papel. Foi
també m esse o nosso intuito como organizadores do livro, participar desse processo
libertador. Nã o buscamos apenas libertar quem já escreveu, como os autores de cada
capıt́ulo, nossa meta vai alé m. Querıámos estimular que nosso pú blico-alvo, uma
categoria cuja liberdade é tã o tolhida, o professor, se liberte por meio da escrita
també m.
Realização
Os organizadores.
PROGRAMA
NOVOS TALENTOS
PROGRAMAS
NOVOS TALENTOS
Organizadores:
Ana de Medeiros Arnt
Cecília França
Eduardo Bessa
Divulgação Científica
e Redação para Professores
Copyright © dos organizadores
ORGANIZADORES:
Ana de Medeiros Arnt
Cecıĺia França
Eduardo Bessa
CAPA
Hudson Freire
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Rogé rio Alves Feitosa
REVISÃO
Joci Rosa
IMPRESSÃO
Grá fica e Editora Sanches Ltda.
E-MAIL DA EDITORA
editoraideias@gmail.com
001.31
D6189
Walter Clayton de Oliveira CRB 1/2049
̃́Divulgaçao cientıfica para professores.
̃́ ivulgaçao cientıfica para professores / E
D
́ duardo Bessa; Cecılia
França; Ana de Medeiros Arnt (Org.). - T
́ angara da Serra: Ideias, 2015
181 p.
ISBN 978-85-63524-61-4
Inclui bibliografia
̃́ . Divulgaçao cientıfica. 2. Produçao de texto. 3. Formaçao docente.
1
Í. Tıtulo.
(65)3326.9816
“Escrever é fácil: se começa com uma letra
maiúscula e se termina com um ponto final.
No meio se colocam as ideias.”
Pablo Neruda
Para a minha irmã intelectual,
Lavínia Schwantes (A.A.).
Aos meus pais, ao meu esposo, às minhas filhas, sempre
companheiros, por todo amor que temos... e
a todos que, como nós, sonham e trabalham
incansavelmente para a edificação de um mundo radicalmente
diferente deste que temos (C.F.).
Para os escritores da minha família,
Marina, Mário e José Renato (E.B.).
SUMÁRIO
Apresentaçã o .......................................................................................................11
PARTE 1: PUXANDO PAPO
O QUE E DIVULGAÇAO CIENTIFICA? .........................................................15
Eduardo Bessa
A IMPORTANCIA DA DIVULGAÇAO CIENTIFICA...................................19
Rafael Bento da Silva Soares
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE .....................29
Cecıĺia de Campos França
SER PROFESSOR, LEITOR E ESCRITOR: POSSIBILITAR OUTROS
MODOS DE OLHAR E AGIR NA SOCIEDADE ...........................................47
Ana de Medeiros Arnt
PARTE 2: FERRAMENTAS PARA USAR E SUBVERTER
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES ............................................57
Eduardo Bessa
A DOR E A DELICIA DE SER JORNALISTA DE CIENCIA .....................67
Reinaldo José Lopes
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA, EM
UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS ..........................79
Mauro F. Rebelo
COMO, POR QUE E ONDE CRIAR UM BLOG?...........................................97
Atila Iamarino
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?...105
Mauro F. Rebelo
SUMÁRIO
PARTE 3: E AÍ, QUE BICHO DEU?
LITERATURA NA ESCOLA: ALGUMAS POSSIBILIDADES NA
EDUCAÇAO INFANTIL....................................................................................131
Jane Ferreira Senra e Silva
E POSSIVEL APRENDER A TRATAR A INFORMAÇAO NA
EDUCAÇAO INFANTIL?..................................................................................145
Luciani Gallo
PROJETO MUSICALIZAÇAO NA ESCOLA ................................................151
Maria Angela Fabrini Gaspar
O ACUMULO DE LIXO NO PLANETA ........................................................159
Maria Elizabete e Silva
Joselaine Oliveira Santos
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL
ANA NERI – JUINA MT...................................................................................165
Demerval Pires Gaspar
Colaboradores ................................................................................................177
NECTAR ...............................................................................................................181
APRESENTAÇÃO
Durante as nossas experiê ncias junto a professores de
ensino fundamental e mé dio, nos deparamos frequentemente
com relatos sobre a dificuldade em escrever. Isso nos surpreendeu em parte, porque nó s trê s adoramos escrever, fazemos
disso uma prá tica frequente em nossas profissõ es e acreditá vamos que fosse um há bito comum a todo professor. Foi com a
intençã o de restaurar e reafirmar esse gosto pela escrita que
iniciamos um curso pelo Programa Novos Talentos, da CAPES,
e que resultou nesta publicaçã o.
Na primeira parte do livro, apresentamos uma problematizaçã o teó rica a partir de nossas experiê ncias como docentes, formadores de professores no campo das Ciê ncias e divulgadores de Ciê ncias. Discutimos o que é divulgaçã o cientıf́ica,
por que nos preocuparmos em escrever sempre e qual o papel
do professor na produçã o de textos.
Na segunda parte, continuamos com conhecimentos
bastante prá ticos. Ali, indicamos formas de escrever com
maior eficiê ncia, com mais criatividade, e damos sugestõ es de
como divulgar os textos produzidos.
Na ú ltima parte, trazemos o resultado do trabalho dos
professores que frequentaram nosso curso. Eles apresentam
algumas ricas experiê ncias que tiveram em sala de aula, colocando em prá tica aquilo que aprenderam no curso e permitindo-se escrever.
Adorarıámos poder ter com cada leitor a oportunidade
que tivemos de sentar e conversar por horas a fio. Você s, leitores, nos contariam muito do que já fizeram, nos falariam de
seus medos. Nó s, autores, compartilharıámos os nossos e contarıámos um pouco do que sabemos sobre redaçã o e ciê ncias.
Na impossibilidade disso, este livro visa a resgatar parcialmente essa oportunidade.
APRESENTAÇÃO
Procuramos, nos textos aqui apresentados, estreitar o
nosso diá logo e contagiá -los com o prazer que sentimos em
poder deixar nossa palavra, nosso olhar, nosso entendimento
registrado como forma de provocar um debate, uma discussã o,
uma discordâ ncia ou, quem sabe, até uma concordâ ncia com
nossos pontos de vista. De qualquer forma, o importante é preservar este canal de relacionamento e interlocuçã o, pois temos
clareza, parafraseando Leonardo Boff, de que “todo ponto de
vista é somente a vista de um ponto”. Com isso, reconhecemos
a importâ ncia que esta publicaçã o tem em nossa trajetó ria
como pesquisadores, cientistas, educadores e pessoas, pela
valiosa oportunidade de levar nossos textos a lugares longın
́ quos e inimaginá veis para nó s.
1
PARTE 1:
PUXANDO PAPO
O QUE É DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA?
Eduardo Bessa
Divulgar vem do latim divulgo e tem a partıćula “vulgar”
em sua constituiçã o, que se refere à quilo que é comum, trivial.
“Vulgo” tem a mesma origem de volks em alemã o, o folk do
nosso folclore. Apesar de “vulgar” ter assumido conotaçã o
pejorativa, divulgar significa tornar de domı́nio pú blico.
Assim, nã o há princıp
́ io mais nobre à queles que constroem o
conhecimento do que torná -lo de domın
́ io pú blico, papel a que
se presta a divulgaçã o cientıf́ica.
Existem muitas definiçõ es de divulgaçã o cientı́fica,
todas elas vá lidas e cheias de defensores. Cada autor de capıt́ulo dará a sua definiçã o, mas achei por bem dar uma definiçã o
aqui no inıćio do livro, de maneira que todos saibam a que veio
esse volume. A definiçã o dada acima foi bastante ampla:
qualquer tentativa de tornar a ciê ncia acessıv́el ao pú blico
leigo seria divulgaçã o. Mas há quem excetue daı́ o ensino
escolar de Ciê ncias. Outros retiram o jornalismo cientıf́ico
mais formal.
Ao mesmo passo que a ciê ncia progride, sua permeabilidade na sociedade també m vem aumentando. Os inegá veis
progressos alcançados no ú ltimo sé culo em ritmo exponencial
tê m passado a integrar o dia-a-dia de cada ser humano, o que
levou nosso tempo a ser conhecido como “a era da informaçã o”.
E bem verdade que predomina, para a populaçã o, o acesso aos
produtos da ciê ncia, suas tecnologias. Contudo, o conhecimento cientıf́ico é hoje, també m, bem pú blico e se dispõ e a ser
acessıv́el a todos por meio de diversas formas. O importante é
16
O QUE E DIVULGAÇAO CIENTIFICA?
que, se a ciê ncia ainda nã o é acessıv́el a todos, isso nã o decorre
da natureza intangıv́el desse empreendimento, mas da ineficiê ncia dos que a tentam popularizar.
Contudo, ter acesso a informaçõ es nã o é suficiente, é
preciso ir alé m. Para falar sobre o que é divulgaçã o cientıf́ica,
vou evocar outro conceito controverso: a pirâ mide DIKW.
Profissionais da á rea de teoria da informaçã o e de gestã o do
conhecimento há anos vê m discutindo e modificando esse
conceito sem chegar a um consenso, mas tentarei defini-lo
aqui. A pirâ mide DIKW é uma hierarquia que sugere a seguinte
ordenaçã o: dados (D), informaçã o (I), conhecimento (K, de
knowledge na sigla em inglê s) e sabedoria (W, de wisdom na
sigla em inglê s). Dados sã o a base da hierarquia. Dados agrupados ordenadamente em torno de um tema comum compõ em a
informaçã o. Adicionando-se significado a isso, temos o conhecimento. Por fim, se usamos esse conhecimento para tomar
decisõ es mais acertadas, o transformamos em sabedoria.
Capaz de ajudar a
tomar decisõ es vira...
Dotada de valor vira...
Agrupado em torno
de um mesmo
assunto vira...
O objetivo da divulgaçã o cientıf́ica deve transcender
um conjunto de dados enciclopé dicos. Mesmo que esse conjunto de dados seja interessante para o leitor, ater-se apenas a
eles é subaproveitar o que a divulgaçã o cientıf́ica pode ter a
Eduardo Bessa
17
contribuir. A boa divulgaçã o cientı́fica deveria aspirar à s
tomadas de decisã o pautadas na informaçã o e prover o leitor
de dados organizados e dotados de valor que lhes permitiriam
viver melhor.
A divulgaçã o cientıf́ica é feita via qualquer meio de
comunicaçã o em massa. Toda aquela divulgaçã o feita por meio
de canais jornalıśticos é conhecida como jornalismo cientıf́ico.
Aı́ incluem-se a televisã o, revistas e jornais, sites noticiosos e
rá dios. Alé m disso, espaços de educaçã o nã o formal, como
parques e museus, livros e blogs, sã o canais frequentes de
divulgaçã o cientıf́ica. Uma campanha na Inglaterra visava a
divulgar o pensamento crıt́ico por meio de cartazes nas traseiras dos famosos ô nibus de dois andares. De fato, tentar listar
todas as formas possıv́eis de divulgar a ciê ncia é tarefa á rdua e
infinita.
E O PROFESSOR COM ISSO?
Ningué m duvida que a rotina de trabalho do professor
já é atribulada o suficiente. Uma alta carga horá ria, frequentemente em colé gios diferentes, para completar o orçamento.
Trabalho levado para casa, seja preparando aulas ou corrigindo avaliaçõ es. Isso sem falar nas atribuiçõ es burocrá ticas da
categoria. Entã o por que assumir mais uma tarefa?
Como vimos, divulgar ciê ncia é torná -la de domın
́ io
pú blico. Assim, ensinar ciê ncias pode ser considerada a forma
mais corriqueira de divulgaçã o cientı́fica a que a grande
maioria das pessoas terá acesso. O professor de disciplinas
cientıf́icas nada mais é do que um divulgador que objetiva
familiarizar seus alunos com a ciê ncia, dar significado a ela na
vida de cada um e permitir que os alunos se pautem nos conhecimentos dessa natureza para tomar suas decisõ es. Mas há
alguns empecilhos à efetiva atuaçã o do professor na condiçã o
de divulgador.
18
O QUE E DIVULGAÇAO CIENTIFICA?
Na educaçã o bá sica, é notá vel a dependê ncia que o
professor tem do livro didá tico. Tais livros sã o uma ferramenta
eficiente na delimitaçã o da ementa como auxıĺio na organizaçã o dos assuntos e como base para o professor. No entanto, na
maioria das vezes, o professor acaba transformando sua
maté ria numa transmutaçã o do livro didá tico. Em parte, isso
decorre da insegurança do docente, em parte, da falta de
tempo.
Em todo caso, é importante que o professor se autorize
a produzir o seu pró prio material didá tico sempre que possı-́
vel. Muito se tem falado sobre as deficiê ncias dos livros didá ticos, seu distanciamento da realidade do aluno, seu texto
hermé tico. Mas talvez essas deficiê ncias nã o fossem tã o
notá veis caso houvesse menos dependê ncia deste por parte do
professor. Assim, ter noçõ es de divulgaçã o cientıf́ica, habilidade linguıśtica e familiaridade com veıćulos de divulgaçã o sã o
saberes interessantes para os professores.
Mesmo que o professor, tı́mido, ainda nã o queira
começar escrevendo seu material, algum esforço deveria ser
feito no sentido de apresentar aos estudantes os veıćulos de
divulgaçã o cientıf́ica. Existe divulgaçã o de boa qualidade em
revistas, blogs, programas de televisã o, museus, etc. Sã o
inú meras opçõ es nos mais diversos formatos e para todos os
paladares.
Assim, o professor ofereceria autonomia ao estudante
para buscar aquilo que lhe interessa, aumentando o leque de
experiê ncias culturais a que eles estã o expostos. Ao mesmo
tempo, essa fase pode ser o inıćio do processo de acú mulo de
vivê ncias que futuramente enriquecerã o as iniciativas pró prias do professor. As quais sugiro, enfaticamente, que comecem
o quanto antes, já que escrever se aprende escrevendo.
A IMPORTÂNCIA DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
Rafael Bento da Silva Soares
Falar da importâ ncia da divulgaçã o cientıf́ica é falar da
importâ ncia que a pró pria ciê ncia tem em uma sociedade.
Durante grande parte do tempo, nã o nos demos conta de como
os conhecimentos cientıf́icos sã o extremamente necessá rios,
ou de como, muitas vezes, nossas vidas dependem disso. Neste
capıt́ulo, trataremos nã o só da importâ ncia da ciê ncia, mas
també m de como a divulgaçã o cientıf́ica pode auxiliar no
entendimento e na aplicaçã o de conceitos cientıf́icos pelas
pessoas que ainda estã o em perıo
́ do de aprendizagem formal
na escola e pelos que já saıŕam dela.
O conceito de divulgaçã o assumido por este capıt́ulo nã o
engloba a educaçã o formal escolar. Trata-se aqui de textos
jornalıśticos, textos de opiniã o, museus, exposiçõ es, livros,
documentá rios, sites, blogs e tudo mais que nã o é obrigató rio
na escola, mas que poderia e deveria ser estimulado por ela.
Para quantificar a importâ ncia da ciê ncia, sempre vamos
ter que considerar em que contexto ou de qual sociedade
estamos falando. Isso porque as pessoas vã o precisar de
conhecimento na medida em que esse conhecimento interferir
no seu dia-a-dia. Para ilustrar, podemos usar um exemplo
extremo: em uma tribo nô made das savanas africanas, saber
como funciona a eletricidade nã o tem a mesma importâ ncia
que para a maioria da populaçã o, que segue o padrã o ocidental
de vida que mais conhecemos, em que a eletricidade está tã o
presente e da qual dependemos tanto.
20
A IMPORTANCIA DA DIVULGAÇAO CIENTIFICA
Sendo assim, podemos perguntar: qual é o valor do
conhecimento cientıf́ico na nossa sociedade brasileira?
Podemos dividir a importâ ncia da ciê ncia em duas á reas:
uma mais prá tica e aplicada – que interfere diretamente no
dia-a-dia das pessoas e que é muito influenciada pelos avanços
tecnoló gicos disponıv́eis no cotidiano – e outra que é a socioeconô mica – em que o progresso cientıf́ico-tecnoló gico faz
parte de um organismo maior e interage com poderes polıt́icos, econô micos e culturais, sendo ele mesmo um poder nessa
relaçã o.
Vamos discutir cada uma dessas á reas mais a fundo e
mostrar como a divulgaçã o cientıf́ica pode auxiliar aumentando o acesso a esse conhecimento cientıf́ico tã o necessá rio.
CIENCIA PARA O COTIDIANO
Aconteceu, certa vez, que um rapaz estava limpando a
caixa de gordura de sua casa com soda cá ustica e acabou
deixando cair um pouco dessa soda no braço. Imediatamente,
foi lavar o braço com á gua, o que acabou por deixar a queimadura pior. Ele nã o sabia ou nã o se lembrava, mas jogar á gua em
uma base forte, como é a soda cá ustica, gera uma reaçã o
exoté rmica que libera calor e acaba queimando mais ainda a
pele. Essa maté ria de á cidos e bases da Quım
́ ica faz parte do
currıćulo escolar, ou seja, essa pessoa passou por essa aula no
seu tempo de colé gio, mas, muitas vezes, os alunos nã o lembram ou nã o percebem a ligaçã o e a importâ ncia que isso tem
na sua vida fora da escola. Se essa pessoa tivesse lembrado das
suas aulas de Quım
́ ica, saberia que a melhor forma de lavar
uma base é com algo levemente á cido, como o vinagre, que
acaba por neutralizar a base forte. O mesmo ocorre ao contrá rio: quando se entra em contato com um á cido forte, o correto
é se lavar com uma base leve, como um pouco de bicarbonato
de só dio.
Rafael Bento da Silva Soares
21
Nesse mesmo sentido, saber minimamente como funciona a eletricidade permite que uma pessoa nã o faça reparos
elé tricos com as mã os molhadas de á gua, e conhecer a Teoria
da Evoluçã o pode convencer uma pessoa a nã o interromper
um tratamento com antibió tico, evitando selecionar bacté rias
resistentes ao tratamento.
Pode-se perceber, com esses exemplos, a importâ ncia de
alguns conhecimentos que já estã o diretamente ligados ao
nosso cotidiano. Esta presença no dia-a-dia depende de como
a sociedade assimila os produtos gerados pela ciê ncia na
forma de tecnologia, que pode ser consumida pelas pessoas,
sendo, nesses exemplos, a soda cá ustica, o fornecimento de
eletricidade e o medicamento.
Esses produtos da ciê ncia, transformados em tecnologia,
estã o em toda a parte de nossa cultura, e saber como funcionam permite que os utilizemos da melhor maneira possıv́el,
nã o só para a nossa proteçã o, como nos exemplos anteriores,
mas també m como uma forma de ascensã o social. Existe uma
correlaçã o entre nıv́el de conhecimento cientıf́ico e classe
social, em que pessoas com mais conhecimento cientıf́ico tê m
melhor condiçã o socioeconô mica.
CIENCIA PARA A CIDADANIA
Pouco tempo antes da Segunda Guerra Mundial, a
influê ncia do conhecimento cientıf́ico-tecnoló gico na vida do
cidadã o comum ainda era muito restrita, mas foi no pó s-guerra
que essa presença foi tomando corpo na sociedade, com
avanços muito significativos, graças à rá pida transferê ncia de
resultados de pesquisas cientıf́icas para á reas como a medicina – em que podemos citar a descoberta dos antibió ticos – e a
tecnologia – com a invençã o do radar e de materiais sinté ticos,
por exemplo. Esses desenvolvimentos tiveram um grande
22
A IMPORTANCIA DA DIVULGAÇAO CIENTIFICA
impacto mundial, fazendo com que a ciê ncia assumisse seu
papel no cotidiano das pessoas, nos jornais e nas conversas
informais. Claro que o contın
́ uo aumento do nıv́el educacional
que vinha acontecendo no mundo ajudou na popularizaçã o de
todos os conhecimentos, inclusive do cientıf́ico.
Até esse ponto, havia uma confiança plena que fazia com
que a sociedade pouco interferisse no processo de geraçã o
desse conhecimento, afinal, a ciê ncia era vista sempre como
sinô nimo de avanço e progresso. Mas, como toda empreitada
humana, a ciê ncia começou a mostrar suas falhas e seu lado
perverso. O impacto ambiental causado pelo desenvolvimento, o esgotamento de recursos naturais e questõ es é ticas
importantes també m começaram a despontar, até que o
sım
́ bolo maior de como empregar o conhecimento cientıf́ico
em algo perigoso mostrou-se de forma radical: as bombas de
Hiroshima e Nagasaki.
Fica clara, para a sociedade, neste momento, a necessidade de controlar o processo cientı́fico para prevenir seus
impactos negativos. E o primeiro passo para esse controle é
entender o processo. Por isso, nã o foi coincidê ncia que neste
pó s-guerra é que começaram a surgir iniciativas mais sistemá ticas de popularizaçã o da ciê ncia e tecnologia.
Um exemplo de tema polê mico atual envolvendo esse
controle da pesquisa cientıf́ica pela sociedade é o caso das
cé lulas-tronco humanas embrioná rias, que teve sua constitucionalidade posta à prova em votaçã o no Supremo Tribunal
Federal em 2008. Parte da sociedade estava do lado dos cientistas, que queriam autorizaçã o para usar embriõ es congelados, gerados para fertilizaçã o in vitro, mas que nã o iriam mais
ser utilizados pelos doadores, para pesquisas na á rea de
regeneraçã o de tecidos. Apesar dos grandes benefıćios futuros
dessas pesquisas para a saú de, muitos setores da sociedade
levantaram-se contra essa té cnica, apontando questõ es é ticas
e religiosas. Por causa dessa movimentaçã o da sociedade, o
Rafael Bento da Silva Soares
23
caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal, que acabou
votando a favor das pesquisas com as cé lulas-tronco embrioná rias. Esse caso deixou claro para todos, inclusive para os
cientistas, que a decisã o de como a pesquisa deve ser feita no
Brasil passa pelo crivo de toda a sociedade brasileira, afinal, os
ministros do Supremo sã o cientificamente leigos, como todos
os cidadã os nã o cientistas que ou apoiaram, ou foram contra a
decisã o.
Outros temas importantes em questã o atualmente e que
interferem diretamente na vida do cidadã o sã o as questõ es
ambientais, como o aquecimento global, a sustentabilidade e a
economia verde. Em casos como esses, fica evidente que, hoje
em dia, para exercer a sua cidadania de forma completa, as
pessoas precisam de uma base de conhecimento cientıf́ico
para ter uma opiniã o minimamente embasada sobre assuntos
importantes e influenciar no processo decisó rio desses temas,
sendo que esse cidadã o pode atuar como um formador de
opiniã o, um tomador de decisã o ou simplesmente como um
eleitor. Alé m disso, o pró prio cientista tem que ter em mente
que ele també m é um agente social e deve levar em conta o seu
impacto na sociedade e assumir o seu papel nessas decisõ es.
FINANCIAMENTO PUBLICO DA CIENCIA
Outro fato interessante e que todo cidadã o tem que ter
em mente sobre a pesquisa cientıf́ica é que a maior parte dela é
financiada pelos governos, com dinheiro pú blico, ou seja,
dinheiro do pró prio cidadã o. Esse fato só reafirma o direito
que a sociedade tem de discutir sobre a aplicaçã o dos resultados gerados pelo conhecimento atual e definir os rumos das
pesquisas futuras. Mas se as pessoas nã o souberem o mın
́ imo
sobre ciê ncia, como poderã o exigir prestaçã o de contas ou
saber se os investimentos feitos sã o importantes ou nã o?
24
A IMPORTANCIA DA DIVULGAÇAO CIENTIFICA
IMPORTANCIA DA DIVULGAÇAO CIENTIFICA
Uma das caracterıśticas mais marcantes da ciê ncia é que
ela está sempre inovando, inventando algo ou derrubando
antigos conceitos e substituindo-os por outros mais adequados. Sabendo disso, como definir uma grade curricular para
ensinar algo que está sempre mudando? Como manter materiais didá ticos atualizados com essas mudanças? Como adicionar mais maté rias para serem ensinadas nas escolas quando o
tempo existente já nã o é suficiente para ensinar o que já faz
parte do curso?
Talvez a resposta para todas essas perguntas seja a
divulgaçã o cientıf́ica.
A velocidade com que a ciê ncia avança é cada vez maior, e
se nã o bastasse a quantidade de informaçã o crescer tã o
rapidamente, a complexidade das informaçõ es també m
acompanha esse ritmo. Ou seja, temos cada vez mais informaçã o e cada vez mais complexa. Assim se torna impossıv́el
acompanhar todas as frentes de pesquisa, até mesmo dentro
de uma pequena subá rea. Quando o assunto é fıśica quâ ntica,
até dentro da pró pria ciê ncia, um pesquisador da á rea de
Biologia Molecular é tã o leigo quanto um bancá rio.
Sendo assim, a escola sempre estará defasada com
relaçã o à ciê ncia de ponta, e isso nã o chega a ser um demé rito
por si só , já que a façanha é inatingıv́el, mas ela deve estar
atenta e aberta para outras formas de informaçã o e educaçã o
nã o formal que podemos chamar de divulgaçã o cientıf́ica.
Pelo fato de essa divulgaçã o ser feita fora dos muros da
escola, ela tem um papel importante na complementaçã o do
conteú do, justamente abordando temas ainda nã o incluıd
́ os
no currıćulo escolar, e pode servir tanto ao professor quanto ao
aluno.
Rafael Bento da Silva Soares
25
O professor pode aproveitar o material de divulgaçã o
para se atualizar em temas que nã o foram trabalhados ou que
simplesmente ainda nã o existiam na é poca de sua formaçã o.
Uma vez que a ciê ncia avança tã o rapidamente, mesmo os
profissionais de ensino mais engajados e que frequentam
cursos de atualizaçã o podem se deparar com assuntos apresentados na mıd
́ ia e que sã o de interesse dos alunos, mas nã o
sã o de seu conhecimento pelo fato de serem (assuntos) muito
novos.
Certa vez, um professor disse que ficava muito ansioso à s
segundas-feiras, porque era quando, quase sempre, era questionado pelos alunos sobre um assunto cientıf́ico abordado pelo
programa de televisã o “Fantá stico”, apresentado aos domingos pela Rede Globo, e, muitas vezes, ele nã o tinha conhecimento um pouco mais aprofundado para discutir com esses
alunos. Um exemplo foi a gripe suın
́ a, ou influenza AH1N1, que
foi muito abordada pela mıd
́ ia, mas pouco explicada, deixando
a populaçã o muito instigada, mas sem ter onde se informar de
maneira mais aprofundada. Na é poca, a fonte em portuguê s
mais completa sobre esse era um blog de divulgaçã o cientıf́ica.
Assim, talvez a melhor forma que a escola tenha para
incorporar temas atuais em sua rotina seja nã o sobrecarregando a grade horá ria com mais maté rias a cada vez que surge um
novo tema, mas sim ter um pequeno espaço fixo e aberto para
que se discuta sobre essas á reas novas e se utilize de material
de divulgaçã o cientıf́ica para embasar as discussõ es.
Esse é um dos papé is da divulgaçã o cientıf́ica: deixar
informaçõ es atualizadas sempre disponıv́eis e em linguagem
acessıv́el para quem esteja procurando sobre determinado
conteú do.
Outro papel fundamental da divulgaçã o é ser atraente. A
funçã o citada anteriormente é mais passiva, pois é apenas
disponibilizada para quem a procura. Ser atraente, no entanto,
vem de outra necessidade: gerar o interesse em assuntos
26
A IMPORTANCIA DA DIVULGAÇAO CIENTIFICA
importantes em uma populaçã o que ainda nã o é engajada na
busca pelo conhecimento cientıf́ico.
O que ilustra essa situaçã o no Brasil é o fato de as pessoas
declararem que se interessam muito por assuntos relacionados à s ciê ncias, como saú de e medicina, ou tecnologia, mais até
do que se interessam por esportes ou celebridades. Mas o que
vemos quando analisamos o trá fego de acessos na internet,
nã o confirma essas declaraçõ es, afinal, sites de esporte e
celebridades sã o muito mais acessados do que sites com
informaçõ es de saú de e tecnologia.
Isso quer dizer que o brasileiro sabe que precisa de
informaçã o sobre medicina e tecnologia e sabe que isso é
importante, mas, por algum motivo, outros assuntos lhe
chamam mais a atençã o. E papel do divulgador tornar a ciê ncia
atraente para que as pessoas possam realmente agir da forma
como declaram que gostariam.
Nessa funçã o de atrair as pessoas, os museus, os projetos
audiovisuais e os sites interativos sã o os que mais tê m apelo,
sendo que sã o os que mais se aproximam do entretenimento,
oferecendo conhecimento embutido em uma experiê ncia
prazerosa. Assim, a pessoa que buscava apenas prazer, de
forma informal e nã o intencional, acaba aprendendo.
Ainda nã o se sabe qual a real importâ ncia da divulgaçã o
cientıf́ica na formaçã o de um cidadã o. Existem pesquisas que
afirmam que a base para o conhecimento cientıf́ico é estabelecida durante os primeiros anos de escola, mas outros estudos
mostram que a divulgaçã o cientıf́ica tem sua importâ ncia
porque a escola falha em dar uma sustentaçã o de longo prazo,
sendo que essa sustentaçã o seria ainda parte integrante da
educaçã o do indivıd
́ uo.
Mesmo que a divulgaçã o cientıf́ica perca da educaçã o
formal no embasamento cientıf́ico de uma pessoa, as suas
vá rias funçõ es na formaçã o de cidadã os conscientes da grande
Rafael Bento da Silva Soares
27
influê ncia da ciê ncia na sociedade já sã o legitimadoras de sua
existê ncia e també m justificam um grande investimento
polıt́ico e econô mico a seu favor.
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E O TRABALHO
DOCENTE
Cecília de Campos França
Divulgar o que é produzido em ciê ncia é condiçã o
necessá ria a todo e qualquer cientista, independentemente da
á rea em que atua. E compromisso social e polıt́ico. No entanto,
há muitas e variadas formas disso ser feito. Um texto de jornal,
de revista especializada, de revista para crianças, um filme,
uma mú sica, uma crô nica, um texto teatral, um site, um blog,
um programa de TV, uma notıćia de rá dio podem divulgar
resultados de pesquisas. A matriz cientıf́ica a qual se filia o
pesquisador/escritor també m irá sugerir formas de relaçã o
entre leitor e autor. A linguagem utilizada será importante
para analisar significados e sentidos produzidos no texto e sua
inserçã o em um contexto complexo de premissas que delinearã o a direçã o interpretativa sugerida pelo seu autor.
Há basicamente dois contextos de divulgaçã o cientıf́ica:
um que se dirige a especialistas na á rea e outro que contempla
as demais pessoas, o pú blico em geral. E possıv́el diferenciarmos, mais precisamente, o pú blico, o leitor de um texto de
divulgaçã o dessa natureza. Os leitores pretendidos para o
texto que produzimos podem ser: crianças, adolescentes,
professores com mesma graduaçã o que o cientista, sociedade
em geral e assim sucessivamente. E importante lembrar que
um cientista/especialista em determinada á rea coloca-se
como leigo para uma outra á rea do conhecimento. Portanto, a
linguagem a ser utilizada em um texto que se pretende divul-
30
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
gar deve estar de acordo com o leitor que se pretende atingir.
Nosso entendimento sobre divulgaçã o cientı́fica está de
acordo com Silva (2006), quando diz que:
Parece que o termo divulgaçã o cientıf́ica, longe de
designar um tipo especıf́ico de texto, está relacionado
à forma como o conhecimento cientıf́ico é produzido,
como ele é formulado e como ele circula numa
sociedade como a nossa (p. 53).
Sendo assim, é tarefa complexa responder à indagaçã o:
quais sã o as caracterıśticas de um texto de divulgaçã o cientıf́ica? Pois essa suposta resposta deve contemplar os diferentes
modos de se fazer ciê ncia, as diferentes premissas que ele
contempla, qual a posiçã o em que o autor coloca a ciê ncia,
como ele vê o leitor e quais as relaçõ es sinalizadas no texto
entre o autor e o leitor. Se temos claro que a ciê ncia nos oferece
respostas provisó rias para nossas questõ es, o texto que
divulgará as formulaçõ es ú ltimas de uma dada ciê ncia terá
essa marca.
Na sociedade atual, ocidental, capitalista, vemos a
valorizaçã o da ciê ncia e da tecnologia. Essa constataçã o
també m pode ser verificada mediante a aná lise dos editais das
agê ncias de fomento, os quais priorizam á reas produtoras de
conhecimento que possibilitam a produçã o e o desenvolvimento de produtos que atendam aos interesses da polıt́ica e da
economia. O que a sociedade espera é que tanto a ciê ncia como
a tecnologia possam trazer maior bem-estar social, e o que
devemos deixar claro é que nã o se trata de uma relaçã o sempre
observá vel. Muito já foi produzido pelas ciê ncias, no entanto,
existe uma assimetria entre o que acumulamos de conhecimento, as possibilidades que a ciê ncia abriu para o mundo
contemporâ neo, o acesso a esses bens e produtos e o chamado
bem-estar social, que prevê condiçõ es dignas de existê ncia
para todos.
Cecília de Campos França
31
Divulgar a produçã o cientıf́ica é uma açã o que busca
informar a sociedade em geral sobre as pesquisas e os conhecimentos produzidos nas diversas ciê ncias. As ferramentas que
a era da informaçã o nos oferece e o alcance da mıd
́ ia podem ser
aliados importantes para se realizar esse objetivo. O que
presenciamos, muitas vezes, é que, nas maté rias veiculadas
pela mıd
́ ia, é frequente os profissionais darem ê nfase para
alguns pontos que vã o na direçã o de interesses, valores,
concepçõ es de um grupo de poder, formando o que podemos
denominar de comunicaçã o tendenciosa de informaçã o, com
fins claramente polıt́icos.
A divulgaçã o cientıf́ica é parte do processo de produçã o
do conhecimento e nã o pode ser dissociada desse. Ao discutir a
questã o da linguagem e do conhecimento, da produçã o e
circulaçã o da ciê ncia, Guimarã es (2009) enfatiza que o modo
como a ciê ncia circula em uma dada sociedade é fortemente
orientado pela polıt́ica cientıf́ica, que é um aspecto das polıt́icas pú blicas, e se constitui por conflitos constantes entre
Estado, de um lado, e, de outro, a sociedade e a mıd
́ ia, que
estabelecem uma relaçã o de aliança e tensã o.
Na leitura de um texto, é possıv́el identificarmos afiliaçõ es teó ricas, pressupostos subentendidos e ideias explıćitas
que nos dã o pistas de que lugar o cientista/autor de um artigo
fala.
Quando a divulgaçã o de um texto cientıf́ico é feita por
um jornalista ou outra pessoa que nã o o pró prio cientista ou
especialista no assunto, precisamos redobrar a nossa atençã o
para a leitura, pois as informaçõ es podem trazer dados interpretativos daquele que divulga e nã o estar em correspondê ncia com o que se produziu de fato em determinada á rea de
conhecimento.
Há uma dimensã o é tica no processo de divulgaçã o
cientı́fica, pois ao fazermos circular ideias e divulgarmos
resultados de pesquisa, movimentamos diversos pontos de
32
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
vista, relaçõ es, valores, teorias que podem trazer impactos
para o social e para a cultura, ferindo ou criando rupturas que a
descoberta do novo promove. Debater livremente ideias e
colocá -las em situaçã o de confronto é importante como
exercı́cio de reflexã o sobre o que estamos pesquisando e
divulgando.
Importante salientar que, para Candotti (2002)
é desafio dos nossos tempos preservar a capacidade de
financiamento pú blico para esse exame crıt́ico e para
garantir a existê ncia de foros permanentes habilitados
a orientar e balizar os caminhos das pesquisas e seus
usos. A questã o da clonagem de seres vivos e do
patenteamento do sequenciamento gené tico sã o casos
exemplares ainda nã o resolvidos (p.17).
Este cuidado deve estar contemplado nas açõ es do
Estado, bem como nas dos cientistas que nã o podem se eximir
de quaisquer responsabilidades advindas de seu trabalho.
Entendemos, como Candotti (2002), que
sã o as instituiçõ es pú blicas – universidades, institutos,
etc. – as ú nicas que tê m a possibilidade de resistir à s
pressõ es dos interesses econô micos ou corporativos.
Deixar essa responsabilidade aos indivıd
́ uos, mesmo
que sejam cientistas respeitá veis, seria abandonar a
possibilidade de preservar entre nossos ideais o de
construir um mundo mais justo e igualitá rio. Por mais
que as pressõ es hoje sejam contrá rias, o papel do
Estado e seus institutos na definiçã o, no controle e na
execuçã o da polıt́ica da ciê ncia é fundamental. Caberá
a nó s, cientistas e cidadã os, zelar pelo funcionamento
democrá tico desses institutos, bem como informar e
promover a discussã o dessas polıt́icas com dados e
reflexõ es que o bom-senso recomendar (p. 18).
Cecília de Campos França
33
Feitas essas consideraçõ es iniciais, fica explıćito que o
contexto em que as ciê ncias estã o inseridas determina como
essas serã o tratadas pelas polıt́icas pú blicas e pelos interesses
que as financiam.
NOVOS TALENTOS
No Projeto Novos Talentos, estã o previstas açõ es de
estudo em grupo, pesquisa e atividades de extensã o. Sob a
temá tica Divulgaçã o Cientı́fica, organizamos cursos nas
cidades de Nova Olım
́ pia e Tangará da Serra, em 2011, ambas
pertencentes ao Estado de Mato Grosso, a fim de, simultaneamente, trocar experiê ncias e conhecimentos acerca dessa
temá tica e oportunizar aos professores da rede pú blica a
divulgaçã o dos trabalhos que realizam no cotidiano de sua
profissã o. Novos Talentos1 é o que este trabalho busca evidenciar. Dentre um universo grande de profissionais anô nimos,
comprometidos com a sua profissã o, nosso grupo de pesquisadores visa a abrir canais de divulgaçã o de trabalhos realizados
por essas pessoas para a sociedade em geral.
Iniciamos nossas atividades propondo questionamentos como: O que pode ser denominado de ciê ncia? O que vem a
ser ciê ncia? Existe somente um ú nico modo de fazer cientıf́ico?
Quais as implicaçõ es entre diferentes modos de pensar e
construir conhecimentos cientıf́icos? As ciê ncias estã o distantes das pessoas em sua cotidianidade? E possıv́el identificarmos produtos dela em nosso dia-a-dia? Qual a importâ ncia,
para as pessoas, de conhecer os modos de pensar, os pressupostos e as respostas provisó rias que as ciê ncias nos oferecem? As diferentes modalidades de ciê ncias constroem produ1
Novos Talentos é o nome dado pela CAPES no edital de ampla concorrê ncia para a realizaçã o deste trabalho de pesquisa e extensã o.
34
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
tos vendá veis na sociedade? Quando dizemos – Esse é um texto
de divulgação científica –, sabemos quais sã o as suas caracterıśticas e quais relaçõ es ele suscita entre leitor e pesquisador/escritor? Quais ideias estã o explıćitas, pressupostas e
subentendidas em um texto de divulgaçã o cientıf́ica?
Depois de ampla discussã o sobre as ciê ncias e seus
diferentes modos de realizaçã o, outras questõ es serviram
como eixo central para conhecer um pouco o trabalho dos
profissionais que participaram conosco dos cursos ministrados. Sã o elas, a saber: como se utilizar das informaçõ es dos
textos de divulgaçã o de resultados cientıf́icos já produzidos e
publicados, em sala de aula? O que está posto nos livros didá ticos é visto como verdade provisó ria tıp
́ ica da ciê ncia, ou
verdade incontestá vel? O que precisa ser feito para contestar
um possıv
́ el resultado, hipó tese ou pressuposto de uma
afirmaçã o? Quais sã o as possibilidades que o professor tem
para conduzir, em sala de aula, processos de problematizaçã o
de respostas oferecidas pela ciê ncia em que ele se graduou?
Muitas foram as respostas dadas para esses questionamentos que procuraremos sistematizar aqui. O livro didá tico
foi apontado como um recurso interessante para a organizaçã o do trabalho docente. No entanto, houve certa unanimidade
em afirmar que, para a realizaçã o de atividades de qualidade, é
necessá rio investir em outros recursos. Um dos argumentos
levantados foi o de que o livro didá tico traz certa facilidade e
organizaçã o ao trabalho do professor, que está visivelmente
precarizado em suas condiçõ es estruturais, econô micas,
polıt́icas e sociais. No entanto, nã o abrange, via de regra, as
especificidades regionais e locais. Um risco apontado em
relaçã o ao livro didá tico foi o de construir acomodaçã o ao
docente e paralisar novas buscas de informaçã o, enfraquecendo o processo de problematizaçã o da realidade da comunidade em que se insere a escola. Esse risco está diretamente
vinculado a uma concepçã o de que a ciê ncia produz verdades e
que essas respostas estã o acima de questionamentos. Se a
Cecília de Campos França
35
concepçã o do professor é essa, ele traz as respostas construı-́
das pela ciê ncia como sendo a ú nica ou a melhor possibilidade
de entendimento de certa questã o ou fato. O docente nã o põ e à
prova as verdades cientıf́icas, nã o as questiona e nã o menciona, ainda que brevemente, a histó ria da ciê ncia que evidencia
suas construçõ es como provisó rias e seu valor para explicar
certos fenô menos e nã o outros.
O processo de problematizar em sala de aula inicia-se
com a habilidade em fazer perguntas sobre as questõ es que se
pretende estudar. Para formular uma pergunta, a pessoa
necessita ter noçõ es a respeito do assunto, observar os princı-́
pios que regem a razã o, tais como: lógica, a não contradição, o
terceiro excluído, identidade2. Alé m disso, ler, ouvir, considerar
e dialogar com pessoas de diferentes á reas de conhecimento
para abrir novas possibilidades de pesquisa, dando inıćio ao
processo de questionamento de ideias, de pressupostos, de
princı́pios, permitindo levantar hipó teses que subsidiem
estudos e pesquisas que possam elucidar as questõ es propostas. A esse processo chamamos de problematizaçã o.
Os professores que participaram conosco dos cursos
oferecidos vinham de á reas de conhecimento diversas. Essa
condiçã o resultou em discussõ es muito interessantes acerca
das temá ticas propostas.
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E TRABALHO DOCENTE
Fizemos um levantamento, junto aos professores que
participaram dos cursos oferecidos pelo Projeto Novos
Talentos, a respeito do há bito de escrever e da experiê ncia de
2
Para ler mais sobre os princıp
́ ios da Razã o, recomendo a leitura da obra
“Convite à Filosofia”, de Marilena Chauı,́ e o “Dicioná rio de Filosofia”, de
Nicola Abbagnano. Leituras de filosofia nos auxiliam a compreender tanto
as pertinê ncias como as contradiçõ es de um determinado conhecimento.
36
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
publicar alguma atividade de pesquisa ou trabalho pedagó gico
que realizaram no exercıćio da profissã o. Identificamos que
muitos dos docentes com os quais trabalhamos sequer haviam
pensado nessa possibilidade. Alguns deles questionaram se
suas atividades poderiam ser consideradas como cientıf́icas e
outros nã o se autorizavam a pensar ou mesmo divulgar o seu
trabalho docente como produçã o cientıf́ica. Isso nos chamou
atençã o, pois ouvimos em nossos encontros muitas e interessantes histó rias sobre a conduçã o de suas atividades pedagó gicas no exercıćio da profissã o.
Um professor dos anos iniciais, formado em pedagogia,
nos relatou que elaborou um projeto junto aos alunos do
ensino fundamental para a recuperaçã o de um rio que corta a
cidade em que mora. Muitas de suas aulas foram destinadas à
plantaçã o de espé cies nas margens do rio com o objetivo de
evitar deslizamentos. Depois de alguns meses de trabalho,
puderam presenciar a recuperaçã o das condiçõ es do rio e
foram alvo da mıd
́ ia local. O professor expressou sua felicidade
e empolgaçã o com o trabalho realizado e foi por nó s encorajado a descrever essa experiê ncia e divulgá -la para inspirar
outros colegas no mesmo sentido, poré m, infelizmente, isso
nã o aconteceu.
Os professores participantes do curso que ministramos
sobre Divulgaçã o Cientıf́ica, nas cidades de Nova Olım
́ pia e
Tangará da Serra, ambas pertencentes ao Estado de Mato
Grosso, foram estimulados a responder, em formato texto,
perguntas norteadoras sobre as atividades que desenvolveram em suas escolas e que dizia respeito à ciê ncia e à divulgaçã o dos resultados obtidos.
Na sistematizaçã o destas respostas, organizamos os
seguintes motivos apresentados por eles: nã o desenvolveram
o há bito de escrever; apresentavam dificuldades quanto à
escrita; faltavam conhecimentos sobre como escrever um
artigo ou texto cientıf́ico; tinham jornadas extensas de traba-
Cecília de Campos França
37
lho, faltava tempo no dia-a-dia para outras atividades; percebiam a precarizaçã o do trabalho docente; sentiam exaustã o apó s
as atividades profissionais; estavam desmotivados; desinteressados; muitas vezes se acomodavam; ministravam aulas de
muitas e diferentes disciplinas, o que requeria muito esforço
do profissional; gostavam de leitura, mas nã o de escrever;
desenvolveram o há bito de falar, poré m, nã o de escrever;
percebiam a fala como uma habilidade mais fá cil do que a de
escrita; nã o pensaram em registrar por escrito alguma prá tica
como professor; desconheciam essa habilidade acadê mica;
nã o gostavam de escrever.
A seguir, trazemos citaçõ es das falas dos professores,
como primeira atividade do curso de divulgaçã o cientıf́ica,
com o objetivo de referendar a nossa sistematizaçã o:
— Não tenho o hábito de escrever (L. M. S.).
— Penso que há resistência, falta de interesse, desmotiva-
ção ou por não saber como se faz... por parte de meus colegas de
trabalho (L. M. S.).
— Trabalho com todas as matérias e a isso chamo de se
virar nos trinta. É muito trabalho e pouco tempo (E. S. S.).
— Não tenho o hábito de escrever. Por esse motivo, nunca
tentei publicar sequer uma notícia, imagine um artigo (E. S. S.).
— Apesar de ter participado de muitos eventos, não
passava em minha mente como se dá o processo de escrita de
divulgação desses trabalhos (E. S. S.).
— Não vejo em nenhum de meus amigos o interesse em
publicar as atividades que realizamos na escola (E. S. S.).
— Gosto de ler, mas nunca publiquei, embora sonhe com
isso (E. S. A.).
— Sou leitora atuante, mas escrevo pouco (R. R. O.).
— Acho que nossos colegas de trabalho estão um tanto
acomodados e cansados, nem sei como definir, ou desestimula-
38
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
dos, pois não é fácil ser professor da educação básica (M. E. S.).
— Não tenho o hábito de escrever, mas já publiquei como
2ª e 3ª autora (D. S. A. G.).
— Não conheço muitos professores que escrevem. A única
vez foi no ano passado [...] quando os professores divulgaram
práticas publicando na revista da escola (D. S. A. G.).
De acordo com o exposto nas falas dos professores,
podemos observar que a maioria deles nã o tem o há bito de
escrever. Essa condiçã o de ficarem somente na oralidade e nã o
se proporem a registrar suas experiê ncias e reflexõ es foi
construıd
́ a ao longo do processo formal de ensino fundamental e mé dio, que, durante muito tempo, priorizou elementos de
gramá tica em detrimento da produçã o e interpretaçã o textuais. Essa conduta está alicerçada em certa concepçã o educacional em que o professor deté m o conhecimento e o aluno é o
receptá culo deste. Na educaçã o bancá ria3, professores e
alunos constroem relaçã o assimé trica de poder e se posicionam como consumidores de conhecimento, e nã o como produtores deste. As consequê ncias de um processo educacional
autoritá rio sã o nocivas ao desenvolvimento de autonomia de
professores e alunos, criando impedimentos psicoló gicos para
escreverem suas ideias e argumentos.
A condiçã o de precarizaçã o do trabalho docente també m se fez presente em diversas falas, pontuando as horas
excessivas de trabalho, a exaustã o do professor no final do dia,
o trabalho com muitas maté rias, o desâ nimo, o desestım
́ ulo e a
acomodaçã o. Podemos acrescentar a esse quadro a desqualificaçã o recorrente da funçã o de professor por parte das polıt́icas pú blicas e da sociedade em geral, o baixo salá rio, alé m da
dificuldade que esse docente tem para se organizar e buscar
qualificaçã o devido à carga excessiva de trabalho – duas, trê s
3
Educaçã o bancá ria é expressã o cunhada por Paulo Freire e presente em
muitas de suas obras.
Cecília de Campos França
39
escolas para lecionar, a fim de conseguir o mın
́ imo para a sua
subsistê ncia e de sua famıĺia. Quando quer participar de algum
curso ou evento durante a semana, precisa conseguir professor substituto para as suas aulas, para nã o ter as horas de sua
ausê ncia descontadas. Sã o eles, os professores, que pagam
seus substitutos.
O desconhecimento té cnico de como elaborar um artigo
foi um dado bastante presente nas falas dos professores e
contribuiu para que eles nã o se lançassem nessa atividade até
o momento. Nã o se autorizavam a escrever um artigo de
divulgaçã o de suas prá ticas, algumas vezes, por nã o as reconhecerem como ciê ncia, por nã o saber como fazer isso e por
falta de tempo e condiçõ es para tal. A desqualificaçã o que
vivenciam continuamente na sociedade deixa marcas indelé veis na dinâ mica psicoló gica dos professores e, muitas vezes,
aumenta e alimenta o desâ nimo e os sentimentos de solidã o e
tristeza no trabalho.
Nas discussõ es e debates que promovemos, tratamos
de questõ es como: o que significa “errar”; como era, para eles,
assumirem as dificuldades para pensar a prá xis pedagó gica;
como se constituıám as relaçõ es entre eles, professores e
alunos; qual o significado de escrever o que pensamos e
estudamos; quais sã o as possibilidades de entendimento do
conhecimento cientıf́ico; quais fragilidades ou dificuldades
sã o mais frequentes no cotidiano de nossa atuaçã o docente; o
que legitima a autoridade do professor em sala de aula?
Apó s os trabalhos de discussã o e debate no curso de
divulgaçã o, reunimos as seguintes falas:
— Tenho alguma produção de texto para a participação
em evento (J. F. S. S.) .
— Em muitos momentos, a minha prática e a de muitos
colegas de profissão merecem ser registradas com escritas de
relatos de experiências e, por que não, com artigos? (J. F. S. S.).
40
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
— Fiz uma matéria para ser divulgada no jornal local
sobre a data de fundação da cidade de Nova Olímpia (MT), seus
colonizadores e outras informações sobre o município (R. R. O.).
— O professor precisa divulgar constantemente as suas
ações dentro do ambiente escolar (R. R. O.).
— Trabalhos importantes são realizados no espaço
escolar com frequência, porém, não têm visibilidade, pois não
são publicados (J. F. S. S.).
— Divulgar os trabalhos que são realizados dentro da
escola é mostrar à população as ações que acontecem lá e
também mostrar o seu trabalho como professor. A maioria das
ações não é divulgada e fica apenas no âmbito escolar (R. R. O.).
— Vejo muitas possibilidades de divulgação do trabalho
em sala de aula, porém, falta um pouco de incentivo e vontade.
Acaba que entramos num comodismo e deixamos de lado o que
poderia ser divulgado (D. S. A. G.).
— Este curso modificou minha forma de ver e entender a
questão de divulgação científica (D. S. A. G.).
— Vou procurar, daqui para frente, registrar e divulgar
meu trabalho na escola (E. S.).
Apó s discussã o e debate sobre os temas propostos,
observamos uma mudança significativa nas declaraçõ es dos
professores que nos mostraram que estã o abertos para pensar,
aprender e refletir sobre suas condiçõ es de trabalho e possibilidades diante da profissã o. Reconheceram que há movimentos importantes e interessantes nas prá ticas pedagó gicas
exercidas nas escolas e que merecem ser divulgadas para a
sociedade, assim como para os colegas docentes, dando,
portanto, visibilidade ao trabalho que desenvolvem. O reconhecimento da sociedade, em parte, passa pelas informaçõ es
que essa tem dos trabalhos pedagó gicos que, cotidianamente,
sã o realizados nesses espaços de educaçã o formal. Se houver
maior publicidade do que se faz na escola, dos resultados e
Cecília de Campos França
41
transformaçõ es que ela promove, da importâ ncia dessa para a
vida de tantas pessoas, é possıv́el que consigamos maior
cumplicidade das comunidades em relaçã o à educaçã o e à s
condiçõ es em que a instituiçã o se encontra.
Escolas e comunidades devem estar de mã os dadas
como parceiras nesta trajetó ria educacional, mas, para que
isso aconteça, é preciso que haja uma relaçã o mais estreita
entre elas, de forma que cada uma conheça a outra e se disponibilize a trabalhar com objetivo de interferir e transformar o
que se quer diferente. O conhecimento e a cumplicidade sã o
elementos-chave para que se consiga atingir esse objetivo.
Sendo assim, a divulgaçã o cientı́fica cumpre a funçã o de
estreitar vın
́ culos, promover conhecimento e oportunizar o
diá logo entre pessoas. Uma reivindicaçã o dos professores por
melhores condiçõ es de trabalho, se contar com apoio da
comunidade, terá maior força polıt́ica e de mobilizaçã o do
poder pú blico do que se encontrar oposiçã o e resistê ncia do
contexto social em que se insere. Buscar parceiros, construir
cumplicidade é uma via interessante de aumentar o poder
reivindicató rio junto ao poder pú blico.
Problematizar e debater as condiçõ es educacionais
brasileiras com os colegas de profissã o e com as comunidades
abre possibilidades de desenvolvimento crıt́ico em relaçã o à
pauperizaçã o constante a que somos, todos, expostos por essa
ló gica mercantilista de lucro fá cil para alguns e precarizaçã o,
sucateaçã o das condiçõ es de existê ncia, para a maioria.
CONSIDERAÇOES FINAIS
Na era da informaçã o, divulgar o trabalho docente que
obteve excelentes resultados, tanto sob o ponto de vista
pedagó gico como social, é imprescindıv́el como estraté gia de
desconstruçã o das representaçõ es que a sociedade tem
42
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
manifestado em relaçã o à educaçã o pú blica e ao docente, via
de regra, negativas.
A resistê ncia de muitos jovens na escolha desta profissã o, a acomodaçã o de muitos profissionais para se mobilizar
como classe e reivindicar direitos e condiçõ es de trabalho, já é
resultado dessa desqualificaçã o constante que a profissã o vem
sofrendo ao longo dos tempos.
Os resultados positivos que muitas escolas e professores vê m conseguindo, apesar das dificuldades enormes a que
sã o expostos, cotidianamente, precisam ser divulgados, pois
podem contribuir para desmantelar representaçõ es negativas
que circulam constantemente. Quiçá ainda, sensibilizar as
pessoas e o poder pú blico para a urgê ncia e importâ ncia de
maior atençã o para a educaçã o brasileira, alé m de convidar a
sociedade e as comunidades a se posicionarem, de fato, como
aliadas nesse processo tanto educacional como polıt́ico.
Manter a baixa produçã o escrita dos docentes é encarcerá -los à mercê dos discursos polıt́icos tendenciosos que
encontramos por toda parte. Incentivar essa produçã o, oferecendo conhecimento té cnico, espaços de diá logo, troca de
conhecimento e relaçõ es autê nticas, aos moldes freireanos, é
trabalhar nossa capacidade de resistir ao movimento hegemô nico do capital e (re)construir novas possibilidades de ser em
sociedade. A sensibilizaçã o é parte desse processo de politizaçã o, de bem-querer a si mesmo, de ter esperança, de ser firme e
agir de acordo com o que professa a é tica universal que Paulo
Freire nos fala em suas obras, explıćita e implicitamente, tais
como “Pedagogia da autonomia”, “Pedagogia da esperança”,
“Pedagogia do oprimido”, “Açã o cultural para a liberdade”4,
dentre outras.
No tempo em que estivemos junto aos professores no
curso de Divulgaçã o Cientıf́ica, fomos sistematizando algumas
4
Todas as obras de Paulo Freire podem ser baixadas gratuitamente na Web.
Cecília de Campos França
43
ideias que nos ocorreram sobre os significados e sentidos para
o ato de escrever. Em seguida, trouxemos reflexõ es sobre a
temá tica:
Escrever é a açã o de registrar e de assumir um posicionamento. E colocar uma ideia, um argumento, parte de si
mesmo à mostra, tornando-se passıv́el de crıt́icas, avaliaçõ es e
julgamentos.
E desvelar e tornar explıćito o que antes estava resguardado no universo da intimidade, do subjetivo, do invisıv́el. E
disponibilizar-se para o diá logo com outros que, talvez, nem
venhamos a conhecer em condiçã o de encontro olho no olho.
E sinalizar aos outros que se tem algo a dizer a partir de
uma perspectiva, de uma localizaçã o que deve ser considerada. E estar em condiçã o de empoderamento em face aos
espaços de diá logos. E nã o ter medo de reconhecer que se pode
estar em um caminho pouco visitado, ou mesmo, que se está
em uma trilha comum a muitos.
E valorizar sua voz, sua leitura, seu texto e contexto
fazendo desse, algo importante. E exercıćio de autopoiesis5,
compromisso profissional e polıt́ico daqueles que elegeram o
conhecimento e seu processo de produçã o como seu objeto de
estudo, pesquisa e trabalho diá rio.
E oportunizar a (re)leitura de si mesmo e do mundo. E
saber que seu melhor texto ainda está por vir e que a transparê ncia, a generosidade e a humildade sã o caracterıśticas de um
bom escritor.
E ter coragem suficiente para se saber inacabado,
imperfeito e, ainda assim, ousar realizar, registrar, comunicar,
debater e colocar-se em condiçã o de diá logo.
E realizar, simultaneamente, a condiçã o daquele que
ensina e aprende.
Autopoiesis é a açã o de se autocriar, a partir de recursos tornados seus, de
processo de elaboraçã o pessoal e social, para se construir como se quer.
5
44
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
Divulgar o que produzimos é perceber valor em nó s e
em nossa produçã o. E dialogar com outros, reconhecendo a
importâ ncia deles para a construçã o de nossas experiê ncias. E
um convite para estabelecermos relaçõ es em determinada
direçã o, e nã o em outra.
Parafraseando Nietzsche: é ser demasiadamente
humano.
No inıćio do curso, os professores mostraram-se inseguros e pouco confiantes para realizar a atividade de escrita.
Alguns disseram ter dificuldades para escrever, mas que
procuram nã o demonstrar isso para os alunos. No final de
nossos encontros, já era possıv́el notar o nascimento de outra
postura em relaçã o à possibilidade de registro e divulgaçã o de
seu trabalho docente.
Muito ainda há que ser feito para que construamos as
condiçõ es basilares para a formaçã o de pessoas crı́ticas,
leitoras e escritoras. No entanto, com o Projeto Novos Talentos,
as respostas que até o momento obtivemos desse trabalho nos
sinalizam e nos dã o pistas de que ele tem sido fundamental
para a construçã o destas condiçõ es de autonomia, criticidade
e empoderamento dos professores da rede pú blica, com os
quais desenvolvemos as atividades previstas nos cursos
ministrados no ano de 2011.
Um nú mero significativo de professores que estiveram
conosco mostraram-se dispostos a se comprometer com o seu
pró prio desenvolvimento e á vidos pelo conhecimento que
podemos construir juntos. Isso, para nó s, representa a maté ria-prima necessá ria para conseguirmos transformaçã o no
que diz respeito à questã o da escrita e da divulgaçã o cientıf́ica
do trabalho docente.
A possibilidade que o Projeto Novos Talentos abre para
a publicaçã o dos excelentes trabalhos realizados pelos professores da rede pú blica no Estado de Mato Grosso é valiosa para
que nossa esperança de intervençã o e construçã o de maior
Cecília de Campos França
45
qualidade para a escola pú blica vá se consolidando. Em meio a
muitas dificuldades enfrentadas cotidianamente pelos professores, e que devem ser pauta de reivindicaçã o coletiva, eles
criativamente vã o mostrando a todos que qualidade educacional implica, necessariamente, em envolvimento, politizaçã o,
compromisso, vontade e espıŕito de luta constante para que
suas vozes apareçam e sejam consideradas na trama de muitos
discursos e retó ricas ideoló gicos que visam tã o somente
polıt́ica partidá ria e benefıćio privativo de uma minoria social.
Com esses espaços de diá logo e troca, todos nó s, professores e comunidade, somos enriquecidos e fortalecidos nessa
ousada empreitada em busca de melhoria educacional e do tã o
esperado bem-estar social fundamentado por princı́pios
é ticos e pela açã o polıt́ica presentes em nossa prá xis cotidiana.
REFERENCIAS
ABBAGNANO, Nicolas. Dicionário de Filosofia. Sã o Paulo:
Martins Fontes, 1998.
CANDOTTI, Enio. Ciê ncia na educaçã o popular. In:
MASSARANI, Luiza; MOREIRA, Ildeu de Castro; BRITO, Fá tima.
Ciência e Público: caminhos da divulgação científica no Brasil.
Rio de Janeiro: Casa da Ciê ncia – Centro Cultural de Ciê ncia e
Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fó rum
de Ciê ncia e Cultura, 2002. p.15-24.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Sã o Paulo: Atica, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 18ª Ediçã o. Rio de
Janeiro: Paz e Terra , 1988.
46
DIVULGAÇAO CIENTIFICA E O TRABALHO DOCENTE
______. Por uma Pedagogia da Pergunta. 2ª Ediçã o. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 25ª ediçã o. Sã o Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleçã o
Leitura).
______. Pedagogia da Esperança. Sã o Paulo: Paz e Terra, 1992.
______. Ação Cultural para a Liberdade e Outros escritos. 5ª
ediçã o. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. (O Mundo Hoje v. 10).
GUIMARAES, Eduardo. Linguagem e Conhecimento: Produçã o
e Circulaçã o da Ciê ncia. Revista Rua. Campinas. N. 15, vol. 2,
Nov/2009, p. 1-15.
SILVA, Henrique Cé sar da. O que é Divulgaçã o Cientı́fica?
Ciência & Ensino. Vol. 1, n.1, dez/2006, p.53-59.
SER PROFESSOR, LEITOR E ESCRITOR:
POSSIBILITAR OUTROS
MODOS DE OLHAR E AGIR NA SOCIEDADE
Ana de Medeiros Arnt
“Diz quem foi que inventou o analfabeto
E ensinou o alfabeto ao professor”
(Chico Buarque, “Almanaque”)
Para que serve o conhecimento que ensinamos na
escola? O professor apenas transmite conhecimentos produzidos por outros? Podemos produzir algo para nossos alunos?
Quem, afinal, somos nó s para escrever, reescrever, elaborar
algo sobre os conteú dos escolares ou sobre nossas experiê ncias docentes? Ora! Nó s somos... professores!
Ao longo de minha trajetó ria como professora e formadora de professores, percebi, por diversas vezes, o quanto é
difıćil organizar uma aula ou disciplina sozinha. Em especial,
eu sentia a necessidade de trocar experiê ncias com colegas nos
momentos de: decidir quais sã o os conteú dos que devem ser
ensinados; quais sã o as prioridades em cada ano ou semestre
letivo; que abordagens adotar para cada conteú do; quanto
tempo eu deveria dedicar para cada temá tica ou trabalho
desenvolvido; dentre outras questõ es...
Em minha formaçã o como docente – em qualquer
instâ ncia de ensino – sempre considerei que ir a uma sala de
aula ensinar tem um sentido mais amplo do que apenas ler
livros didá ticos (tratado muitas vezes como o “manual prá tico
48
SER PROFESSOR, LEITOR E ESCRITOR: POSSIBILITAR
OUTROS MODOS DE OLHAR E AGIR NA SOCIEDADE
do professor moderno”, ao invé s de “mais um recurso” a ser
utilizado na escola), ou resumir os conteú dos da universidade.
Ser professor é muito mais do que isso. E é sobre esse significado e o “colocar em açã o” esse significado que falarei neste
artigo.
SER PROFESSOR
Nossa profissã o é tida, ao menos nos discursos que
vemos na mıd
́ ia televisiva ou impressa, como uma das mais
importantes para a constituiçã o de um paıś, para o desenvolvimento da cidadania. Mas será que já paramos para pensar
sobre o que é ser professor e o que envolve essa profissã o? No
dicioná rio Houaiss6, o verbete professor tem como significado:
“Aquele cuja profissã o é dar aulas em escola, colé gio ou universidade; indivıd
́ uo muito versado ou perito em (alguma coisa)”.
Somente observando esses significados já teremos
subsı́dios para uma importante discussã o: a do professor
como intelectual (que é muito versado). Isto é , algué m que é
definido como conhecedor de uma á rea e que passa adiante
esse saber. Esse passar adiante, no entanto, nã o se faz de modo
simples e impensado, nã o se relaciona com aquela famosa
expressã o “transmissã o de conhecimentos”, tã o usualmente
falada. Giroux (2001) defende que nó s, professores, somos
mais do que meros transmissores, devemos ser responsá veis e
ter responsabilidade pelo conhecimento ensinado e levado à
escola, devemos estar engajados em uma formaçã o de sujeitos,
de uma sociedade.
Voltando-nos aos significados da palavra professor, em
especial à sua etimologia (estudo da origem das palavras),
6
Retirado de http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=professor&
stype=k
Ana de Medeiros Arnt
49
ainda no dicioná rio Houaiss, encontraremos, do latim: “o que
se dedica a, o que cultiva”; e do radical professum temos:
“manifestar-se, afirmar, assegurar, prometer, protestar, obrigar-se, confessar, mostrar, dar a conhecer, ensinar”.
A partir dessas palavras que vemos no dicioná rio (e
brincando um pouco com elas), defendo que ser professor é
(ou deveria ser) um ato polıt́ico, ou seja, é ser atuante na
sociedade, aquele que se dedica à formaçã o de pessoas. Somos
importantes por sermos formadores, porque buscamos (ou
deverıámos): assegurar conhecimento à s pessoas e protestar
contra o modo como o conhecimento (cientıf́ico e popular) é
tratado nos dias atuais.
Como ensinar sem envolver-se substancialmente com
os conhecimentos que estamos lidando? Como formar pessoas
sem que estejamos entregues completamente à fascinaçã o que
o conhecimento nos proporciona? Como encantar sujeitos (e
em nosso caso, alunos) sem que nos deixemos encantar pela
nossa á rea de formaçã o?
Larrosa (2006) afirma que a ideia de formaçã o relaciona-se com uma teoria da arte, nã o se trata (somente) de aprender
algo. Formar (e formar-se) é uma açã o intencional de interaçã o,
cujo objetivo é modificar, transformar os sujeitos e “isso nã o é
feito por imitaçã o, mas por algo, assim, como ressonâ ncia.
Porque se algué m lê , ou escuta, ou olha com o coraçã o aberto,
aquilo que lê , escuta ou olha ressoa nele” (p. 52). E é esse ressoar
que faz parte da funçã o e da responsabilidade do professor que é
o fazer da docê ncia, o encantamento. E tornar o ato de dar aula
uma parte dessa fascinaçã o que temos por conhecer e por gerar
e proporcionar conhecimento.
Em consonâ ncia com essa ideia, podemos inferir sobre
o significado da palavra “dar”, na expressã o “dar aulas” ou “dar
a conhecer”. Novamente, apoiando-me no dicioná rio, o verbete
dar significa: oferecer como presente ou brinde a. Desse modo,
50
SER PROFESSOR, LEITOR E ESCRITOR: POSSIBILITAR
OUTROS MODOS DE OLHAR E AGIR NA SOCIEDADE
ser professor mostra-se como mais do que ensinar, é um ato de
compartilhar, oferecer (um presente). Mas... ensinar (ou
oferecer) o quê ?
Parece simples a resposta: o conteú do (e o que mais
seria?)! Eis aı,́ na dificuldade dessa pergunta e resposta, que
percebemos a funçã o do professor como intelectual: algué m
que, situado na sociedade, busca modos de açã o nas problemá ticas locais, qualificando o saber cultural com o saber cientıf́ico
– nã o desconsiderando o saber popular, mas partindo das
prá ticas sociais em que está , relacionando a ciê ncia com a
nossa vida, e nã o com conceitos abstratos e distantes de nossa
realidade. Nesse caminho, a resposta nã o é simples...
SER LEITOR E ESCRITOR
Se a resposta nã o é simples, tampouco é impossıv́el...
Mas é procurando respondê -la que deparamos com aquilo
que, neste livro, tentamos apresentar como fundamental no
dia-a-dia docente: a tarefa de escrever. O encantar-se com o
conhecimento é , també m, extravasar(-se) e compartilhar o
conhecido. Oferecer isso, tal como no verbete explorado
anteriormente, como um presente.
Ao falar sobre a liçã o, o ensinar e o aprender, Larrosa
(2006, p. 146) diz que o professor, ao pensar e escrever um
texto para as suas aulas, o faz nã o somente remetendo aos
estudantes, mas convocando-os à leitura. E ao se permitir ler e
escrever, o professor també m convoca à leitura e à escrita,
desligando-se da linearidade dogmá tica dos conteú dos prontos e pré -definidos, que nos aprisionam a um ritmo, nã o
importando o que surge no cotidiano escolar e em todos os
acontecimentos possıv́eis e inerentes do ato de aprender.
Nesse sentido, Larrosa (2002, p. 26) afirma que ensinar a ler:
“Nã o é transmitir um mé todo, um caminho a seguir, um conjunto de regras prá ticas mais ou menos gerais e obrigató rias a
Ana de Medeiros Arnt
51
todos”. Ensinar a ler torna-se, desse modo, ensinar as possibilidades do pensar e as possibilidades de permitir(-se) escrever
o pensado.
Partindo desse pressuposto, a pergunta feita anteriormente “ensinar o quê ?” – que remete a um conjunto de conceitos universais e desvinculados da realidade – perde o sentido.
Talvez fosse mais apropriado interrogar: “Como ensinar e
possibilitar que as pessoas aprendam a agir e a pensar a partir
dos conhecimentos que temos a oferecer?”. Escrever é , nessa
perspectiva, permitir-se aprender e se permitir contaminar
pelo conhecimento e extravasá -lo, intencionalmente. Escrever
é responsabilizar-se pelo aprendizado, o nosso e o dos outros,
é pensar sobre o que deve ser (ou foi) ensinado. Pois a escrita
nã o precisa ser, claro, somente de conteúdos escolares, ou para
nossos alunos. O escrever é sobre nó s, para nó s. Ou seja, nã o se
trata aqui de uma produçã o textual “somente” para ser usada
na escola, mas conseguirmos nos contaminar por uma vontade
de escrever(-nos), produzir um conhecimento sobre nossa
prá tica mostrando para outros, por que nã o? Para Larrosa
(2006), o texto é uma conversa e, por isso,
o aprender pela leitura nã o é a transmissã o do que
existe para saber, do que existe para pensar, do que
existe para responder, do que existe para dizer ou do
que existe para fazer, mas sim a co-(i)mplicaçã o
cú mplice no aprender daqueles que se encontram no
comum. E o comum nã o é outra coisa que aquilo que se
dá a pensar para que seja pensado de muitas maneiras,
aquilo que se dá a perguntar para que seja perguntado
de muitas maneiras e aquilo que se dá a dizer para que
seja dito de muitas maneiras. A leitura nos traz o
comum do aprender, enquanto que esse comum nã o é
senã o o silê ncio ou o espaço em branco de onde se
mostram as diferenças.
Ler com os outros: expor os signos no heterogê neo,
multiplicar suas ressonâ ncias, pluralizar seus sentidos (p. 143).
52
SER PROFESSOR, LEITOR E ESCRITOR: POSSIBILITAR
OUTROS MODOS DE OLHAR E AGIR NA SOCIEDADE
Pode nã o parecer, mas uma das maiores inseguranças
para um professor-escritor, ou (e també m) professor-leitor
(incluindo-me nessas inseguranças e dificuldades), é se dar
conta que esse modo de organizar um pensamento, colocar
“no papel” e compartilhar com nossos alunos é pluralizar
sentidos, tal como coloca Larrosa. Realmente, compartilhar
ideias é difıćil, uma vez que nos expomos. No entanto, també m
corremos o risco de sermos mais compreendidos e de atender
melhor o pú blico com o qual lidamos: os estudantes. Quem
melhor do que um professor para saber o que se passa e quais
as suas dificuldades? E quem seria melhor do que o pró prio
professor para organizar as ideias e expô -las de um modo mais
claro e objetivo, mais compreensıv́el?
Por outro lado, se ler com outros é pluralizar sentidos,
essa també m é uma dificuldade que temos em sala de aula:
possibilitar que existam respostas diferentes... Mas eis aı́ uma
das belezas do aprendizado! Possibilitar a emergência de
conhecimentos, a pluralidade de sentidos nã o é permitir que
algo diferente aconteça em sala de aula. E só aceitar isso como
algo que acontece cotidianamente. Se aprender é dar sentido
ao mundo, significar e ressignificar experiê ncias; oportunizar
pluralidades é , tã o somente, compreender que elas existem e
aprender a valorizá -las també m.
SER PROFESSOR, LEITOR, ESCRITOR
Ao concordarmos com a ideia de que o ensino da leitura
e da escrita está intrinsecamente ligado à noçã o de aprendizado, també m acabamos por nos envolver fortemente com a
formaçã o (nossa, ao ler e ao escrever, e dos outros, ao ler e
permitir/possibilitar que escrevam) capaz de questionar e
produzir os conhecimentos para a (e na) sala de aula, para
alé m dos planejamentos restritos aos livros didá ticos, para
alé m das noçõ es tã o largamente vistas hoje, de senso comum.
Ana de Medeiros Arnt
53
E exatamente nesse ponto que vejo como fundamental
esse aprendizado na leitura e na escrita, um aprendizado que
inclui uma busca à s próprias palavras, daquelas que se tornam
próprias. Palavras lidas e escritas que se articulam com os
saberes cientı́ficos e tornam-se nossas. As possibilidades
geradas ao permitir-se escrever envolve apresentar aos outros
que é possıv́el ler (para ir alé m do lido) e escrever.
REFERENCIAS
GIROUX, Henry. Praticando estudos culturais nas Faculdades
de Educaçã o. In: SILVA, Tomaz Tadeu. (Org.). Alienígenas na
sala de aula. Petró polis: Vozes, 1995. p. 85-103.
LARROSA, Jorge. Nietzsche e a Educação. Belo Horizonte: Ed.
Autê ntica, 2002.
______. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo
Horizonte: Ed. Autê ntica, 2006.
2
PARTE 2:
FERRAMENTAS PARA
USAR E SUBVERTER
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES
Eduardo Bessa
Nã o sei quanto a você s, mas a pá gina em branco me
irrita. Olhar aquela tela imaculada apenas com o cursor pretinho piscando me dá nos nervos e paralisa. Como começar? Vou
contar algumas coisas que funcionam para mim. Quem sabe
sejam ú teis a mais algué m.
Antes de tudo, gosto de preencher os seguintes ingredientes no meu texto:
1) O tema – E o assunto sobre o qual quero escrever e ele
deve apresentar pelo menos alguns dos seguintes ingredientes: apelo (atrair a curiosidade), conflito (falar sobre uma
discordâ ncia), empatia (aproximar o texto do leitor), improbabilidade (ser inesperado), proeminê ncia (afetar muitos
leitores) e utilidade (ser aplicá vel).
2) O objetivo – Refere-se ao que desejo com aquele
texto. Cuidado com objetivos do tipo “informar sobre os tipos
de partıćula subatô mica”, pois, nesse caso, ele só busca informar. Lembram-se da pirâ mide DIKW do primeiro capıt́ulo? O
bom texto deve estar carregado de valor (conhecimento),
pretender mudar comportamentos (sabedoria). E aı́ que está o
objetivo do texto.
3) O pú blico-alvo – Sempre que me disponho a escrever,
penso nisso como um ato transitivo direto e indireto.
Obviamente, escrevemos algo, mas, talvez ainda mais importante, escrevemos para algué m. Todo texto precisa ser pensa-
58
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES
do para uma audiê ncia, mesmo que ela seja desconhecida. O
professor conhece relativamente bem seus alunos, e isso é uma
tremenda vantagem. O divulgador, num sentido mais amplo,
deve ao menos imaginar um. Leitor é personagem fugidio, tem
inú meros outros interesses esperando um deslize do autor
para roubar-lhe a atençã o.
4) O espaço – Saber o espaço que tenho é um bom
norteador, porque me ajuda a priorizar as informaçõ es que
mais ajudarã o a atingir o objetivo. Nã o é preciso encarar isso
como uma camisa de força, pois se pode extrapolar um pouco o
limite que a ediçã o posterior encolhe o texto. Dizem que
Graciliano Ramos gostava tanto de cortar supé rfluos em suas
revisõ es que temia um dia publicar “Vidas secas” em branco.
Tendo os ingredientes, sugiro um teste: desenhar cada
pará grafo, incluindo seus argumentos e assuntos. Assim fica
visıv́el onde temos conteú do demais e onde nos falta. Ajuda a
aprofundar a leitura nos lugares certos. També m fica fá cil
ordenar coerentemente as ideias. Podemos agora escrever
com mais confiança.
QUAL A ESTRUTURA DE UM TEXTO DE DIVULGAÇAO
CIENTIFICA?
Nã o existe fó rmula, o que vale é ser criativo e correto.
Mas se o meu objetivo é incitar você a divulgar a ciê ncia,
preciso dar algumas dicas. Alé m do mais, determinadas
pessoas ficam absolutamente paralisadas pela falta de regras.
Seguem abaixo, portanto, algumas sugestõ es que ficarei muito
feliz em vê -los seguindo ou, vez por outra, quebrando para
tornar o texto mais interessante. Um jornalista tem vá rias
pessoas, entre redatores e editores, cobrando que ele siga as
regras sagradas do estilo jornalı́stico. Leitor, goze dessa
liberdade ao escrever.
Eduardo Bessa
59
O formato clá ssico do texto jornalıśtico é o da pirâ mide
invertida. Logo de cara, o autor apresenta o principal do texto
no chamado lide (veja o capıt́ulo a seguir). Os pará grafos
seguintes irã o trazer informaçõ es cada vez menos centrais.
Claro que nenhuma informaçã o ali deve ser de todo supé rflua,
ou nã o teria razã o para estar no texto pelo bem da concisã o. Na
linguagem á gil da internet já se fala na nova pirâ mide invertida, o texto em T (SQUARISI, 2011). Nele, há uma introduçã o
ampla seguida de pará grafos muito curtos com o aprofundamento do assunto. Observe a seguir um exemplo de texto em
pirâ mide:
Cientistas encontram nova espécie de macaco em
Mato Grosso [Título ou Manchete]
Uma expedição formada por unidades de conservação
da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, no Noroeste
do Mato Grosso, descobriu uma nova espécie de macaco.
[Lide]
O novo primata Callicebus – conhecido como zoguezogue – foi encontrado entre os rios Guariba e Roosevelt
pelo biólogo Júlio Dalponte. Segundo ele, uma "barreira" criada pelos dois rios e seus afluentes pode separar
ao menos três espécies diferentes do mesmo gênero de
macacos. [Informação principal, ou sublide]
"Cada espaço desses tem uma espécie. Então, é difícil
encontrarmos este mesmo macaco em outros lugares,
por exemplo. Daí a importância de conservar essas
áreas", disse o biólogo à BBC Brasil. "Este zogue-zogue,
que encontramos entre as margens direita do rio
Roosevelt e esquerda do rio Guariba, possui um padrão
de coloração de pelo diferente de todas as outras
espécies conhecidas do mesmo gênero naquela região."
Dalponte acrescentou que uma possível segunda nova
espécie de macaco foi avistada perto do rio Guariba,
mas ainda é preciso fotografá-la. [...] [Informações
secundárias]
A descrição completa das características do novo zoguezogue deve levar pelo menos seis meses para ser
60
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES
concluída. Mais um ano pode ser necessário para que
um estudo sobre ele seja aprovado pelos comitês de
publicações científicas especializadas. A descoberta do
animal é um trabalho da organização de proteção
animal WWF Brasil, em parceria com a Secretaria de
Meio Ambiente do Mato Grosso. [Informações acessórias]
Outro formato interessante de texto possui estrutura
de losango. Ele inicia-se com um estudo de caso, entã o se
apresenta o fato que permeia aquele estudo de caso e só daı́ o
texto é refinado. Ele tende a ser mais prolixo do que o texto em
pirâ mide invertida, por isso é menos utilizado, mas tem muito
valor na hora de o leitor se identificar com o texto. Um exemplo
de texto losangular fictıćio poderia ser como o que segue.
Observe que a maté ria nã o é sobre a Ana Paula, mas sobre a
internacionalizaçã o da pesquisa brasileira:
Ana Paula está de malas prontas e passaporte carimbado. Nos próximos seis meses, ela experimentará como é
fazer pesquisa em um laboratório internacional de
ponta. [Estudo de caso]
As diversas agências de financiamento científico
nacional têm procurado atender a uma grande demanda de pesquisadores interessados em colaborar com
laboratórios estrangeiros. Para isso, a Presidente Dilma
Rousseff prometeu 75 mil bolsas de estudo internacionais até 2014. De fato, “colaborações internacionais são
mencionadas como um dos fatores que ainda tornam as
pesquisas brasileiras pouco visíveis na comunidade
internacional”, é o que afirma o diretor da editora
científica Elsevier para a América Latina. [Informações
principais]
Com essa oportunidade, Ana Paula espera completar
seu doutorado em mais um ano e poder se fixar como
professora em uma universidade federal. “É por amar o
meu país que eu estou indo para fora aprender, retornar
e compartilhar o que aprendi”, diz a doutoranda.
[Fechamento]
Eduardo Bessa
61
O texto em perguntas e respostas é a ú ltima possibilidade que apresento. Nele, o escritor simula um diá logo com o seu
leitor. Para compor esse tipo de texto, é necessá ria certa
habilidade de compreender o leitor, que, muitas das vezes, nã o
é conhecido de quem escreve ou é muito heterogê neo. Veja
abaixo um exemplo de texto em perguntas e respostas:
O que você precisa saber sobre a gripe suína
1 - O que é o vírus da gripe e o que quer dizer H1N1:
Existem três tipos de influenza, o vírus que causa a gripe,
o A, o B e o C. O vírus influenza A é o mais variável e que
causa mais estragos todos anos. Ele tem oito pedaços de
RNA (RNA mesmo, não é DNA) dentro de uma cápsula.
Duas proteínas deles são mais importantes para
entendermos. Uma é chamada de Hemaglutinina, fica
do lado de fora do vírus e serve para fazer contato com a
célula. Como ela se liga em células, quando o vírus é
colocado em uma gota de sangue, os glóbulos vermelhos
ficam aglutinados (hemo aglutinina, hemaglutinina). A
outra é a Neuraminidase. Ela quebra os açúcares com os
quais a hemaglutinina se liga para liberar os vírus
recém-formados.
Como a hemaglutinina e a neuraminidase ficam para
fora do vírus, são as proteínas mais reconhecidas por
anticorpos e usadas nos testes de diagnóstico. Por isso as
linhagens de influenza são nomeadas pelas letras HN,
como H1N1, H3N2, de acordo com o tipo de cada uma.
São conhecidos 16 tipos de Hemaglutinina e nove de
Neuraminidase. Só alguns são frequentes em seres
humanos, H1, 2 e 3 e N1 e 2. Todos os outros são encontrados em aves aquáticas, principalmente patos, que
são o reservatório natural do Influenza A. As aves
migratórias misturam os vírus em escala mundial, pois
nelas a gripe não causa sintomas e infecta o sistema
digestivo em vez do respiratório. Quando param em
lagos para comer durante a migração, defecam e a água
fica forrada de influenza. Num lago com água fria, o
vírus chega a durar 30 dias. Os mais perigosos, que
matam mais galinhas e pessoas quando transmitidos,
são os H5 e H7.
62
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES
Retirado de Átila Iamarino, do blog Rainha Vermelha
em 26/04/2009.
Outros tipos de texto sã o bem possıv́eis, mas atençã o à
economia do tempo do leitor, nã o pense que a ú nica coisa que
ele tem a fazer é ler o seu texto. Por outro lado, nã o deixe de
usar a sua criatividade. Conheço excelentes histó rias de ficçã o
cientıf́ica que introduzem conceitos importantes da ciê ncia.
Narrativas e até descriçõ es podem vir bem a calhar dependendo do tema e do objetivo do texto.
SINTOMAS DE UM TEXTO BOM
Vamos falar agora sobre quatro caracterıśticas de um
texto bem escrito. Boa parte, aprendi no livro de Ana Estela de
Souza Pinto (2009), responsá vel pelo treinamento dos jornalistas da Folha de S. Paulo.
1) Unidade – é a existê ncia de um eixo central, o seu
tema, do inıćio ao fim do texto. Num texto uno, o autor nã o se
perde em divagaçõ es e parê nteses longos, fugindo assim da
ideia principal. Ao passo que a literatura fica rica com divagaçõ es (vide os contos dentro de outros contos de “As mil e uma
noites”), o texto de divulgaçã o cientıf́ica deve evitá -las ao
má ximo, sob pena de cansar o leitor.
2) Coerê ncia – significa que o texto tem um inıćio claro,
um meio que desenvolve a mensagem e termina numa conclusã o. Todas as ideias ali estã o na ordem adequada, sem saltos
ló gicos nem repetiçõ es. Os termos té cnicos sã o explicados.
Pense numa ordenaçã o cronoló gica dos fatos, ou numa escala
do mais amplo ao mais detalhado. O texto coerente é facilmente acompanhado pelo leitor, o que leva à compreensã o do
conteú do, ou seja, ajuda a atingir o objetivo da divulgaçã o.
3) Concisã o – é a inclusã o de todos os dados e somente
aqueles necessá rios à sua compreensã o. Nã o sobra nada que
Eduardo Bessa
63
nã o construa a conclusã o do texto. Informaçõ es també m nã o
ficam mal explicadas, deixando o leitor incapaz de seguir a
argumentaçã o do autor e de julgar as suas premissas e conclusõ es. No final, primar pela concisã o també m torna o texto mais
curto e, consequentemente, agradá vel ao leitor.
4) Enfase – é a capacidade de explicitar o seu objetivo,
desde o tıt́ulo até a conclusã o. Sempre que possıv́el, os termos
e frases devem remeter à ideia central que será discutida. Uma
ferramenta ú til de ê nfase pode ser o uso de frases ou pará grafos curtos em que as ideias principais serã o lidas. Frases e
pará grafos curtos també m quebram o ritmo de leitura, chamando atençã o do leitor.
ATENÇAO. FUJA!
Ao divulgar ciê ncia, evite alguns problemas (VIEIRA,
2006). Fuja de informaçõ es erradas. Divulgar ciê ncia é um
compromisso com a acuidade. Lembre-se que a simplicidade
do texto ou o prazer que ele deverá proporcionar ao leitor nã o
sã o conflitantes com a precisã o da informaçã o. De nada adianta popularizar um conhecimento se ele estiver errado. Aliá s,
conhecimento errado nã o deve ser divulgado mesmo! Atençã o
especialmente aos charlatanismos travestidos de ciê ncia. Eles
foram feitos para serem sedutores, mas enganam.
Lembre-se de deixar sempre claro o que é resultado do
trabalho que se pretende divulgar e o que sã o elucubraçõ es do
autor da pesquisa – que a revista cientıf́ica jamais publicaria –
ou, mais ainda, os devaneios do divulgador cientı́ f ico.
Esclareça a quem pertence cada ideia. Numa maté ria sobre um
medicamento, por exemplo, fuja de criar falsas esperanças de
cura.
De maneira mais pontual, fuja dos jargõ es, especialmente sem explicaçã o. Os termos té cnicos podem parecer dar
64
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES
precisã o e seriedade ao texto, mas eles nã o servem para
leitores que os ignoram. Cace os jargõ es e julgue se todos estã o
explicados. Se precisar, procure um colega leigo para apontar
dú vidas. Fó rmulas matemá ticas nada mais sã o do que representaçõ es simbó licas de um jargã o ou conceito. Por isso elas
també m devem ser traduzidas para o leitor.
Troque:
C6H12O6
Forrageamento
̃́Regiao Paleartica
P.V=n.R.T
Por:
Glicose
Busca por alimento
Europa e Asia
̀̃A temperatura aumenta proporcionalmente a pressao
A medida que a divulgaçã o se compromete com a
precisã o, ela deve primar por substituir adjetivos por maiores
detalhes ou dados concretos. Esses dados enriquecerã o seu
texto, demonstrarã o a profundidade da pesquisa realizada e
darã o maior noçã o de proporçõ es ao leitor.
Troque:
A rotina da pesquisadora era exaustiva.
́ planeta Jupiter e muito grande.
O
Existe uma alta biodiversidade.
Por:
A
̀
pesquisadora despertava as 3h da
madrugada, armava as redes para coletar
aves e seguia vistoriando as armadilhas por
6 horas.
́Jupiter e trezentas vezes maior que a Terra.
́Existem 64 especies, considerado muito
pelos especialistas.
Antes de publicar seu texto, busque pleonasmos,
cacofonias e palavras sobrando em geral. Textos mais curtos
serã o mais facilmente lidos. Observe abaixo a transformaçã o
de um pará grafo do inıćio do texto.
Troque:
Os pesquisadores levaram em
̃consideraçao que precisarao repetir de
novo os testes.
Foi entregue um comprimido por cada
́voluntario.
Encontraram o elo perdido...
̂O farmaceutico usou seu filho nos
experimentos.
Por:
Os pesquisadores consideram que
p
̃ recisarao repetir os testes.
Foi entregue um comprimido por
́voluntario.
̂́Cliche! Elimine sem do. Toda semana
́alguem encontra um elo perdido de alguma
coisa.
̂O farmaceutico usou o filho dele nos
experimentos.
Eduardo Bessa
65
Original: De posse dos ingredientes, sugiro ainda um
teste: desenhar cada pará grafo, da introduçã o à conclusã o,
incluindo os argumentos e assuntos que gostaria de incluir em
cada um. Dessa maneira, fica visıv́el onde temos conteú do
demais e onde nos falta mais informaçõ es derivadas da bibliografia. Ajuda a aprofundar mais um pouco a leitura nos lugares
certos. Assim també m fica fá cil ordenar adequadamente as
ideias com coerê ncia. Podemos agora começar a escrever com
mais confiança e segurança. [413 caracteres]
Segunda versão, cortar os excessos: De posse dos
ingredientes, sugiro um teste: cada pará grafo será desenhado
por nó s, incluindo os argumentos e assuntos de cada um. Dessa
maneira, fica visıv́el onde temos conteú do demais e onde nos
falta. Ajuda a aprofundar a leitura nos lugares certos. Assim
també m fica fá cil ordenar adequadamente as ideias com
coerê ncia. Podemos agora começar a escrever com mais
confiança e segurança. [327 caracteres]
Terceira versão, expulsar a ordem indireta: De
posse dos ingredientes, sugiro um teste: desenhar cada pará grafo, incluindo os argumentos e assuntos de cada um. Dessa
maneira, fica visıv́el onde temos conteú do demais e onde nos
falta. Ajuda a aprofundar a leitura nos lugares certos. Assim
també m fica fá cil ordenar adequadamente as ideias com
coerê ncia. Podemos agora começar a escrever com mais
confiança e segurança. [316 caracteres]
Versão final, substituindo palavras e termos: Tendo
os ingredientes, sugiro um teste: desenhar cada pará grafo,
incluindo seus argumentos e assuntos. Assim fica visıv́el onde
temos conteú do demais e onde nos falta. Ajuda a aprofundar a
leitura nos lugares certos. També m fica fá cil ordenar coerente-
66
DICAS DE ESCRITA PARA DIVULGADORES
mente as ideias. Podemos agora escrever com mais confiança.
[264 caracteres]
Nã o deixe de fazer uma revisã o gramatical e ortográ fica. Confira concordâ ncias e regê ncias nominais e verbais.
Corrija a ortografia, os erros de digitaçã o e a acentuaçã o.
Cuidado com corretores ortográ ficos eletrô nicos. Eles nã o
conseguem diferir entre círculo e circulo. Se necessá rio, recorra ao dicioná rio. Troque palavras repetidas por sinô nimos.
Leia todo o texto em voz alta, avaliando a pontuaçã o e a sonoridade do texto. Use conectivos para ligar frases e pará grafos que
deixarã o seu texto mais fluido.
Para concluir, esse capıt́ulo teve por objetivo apresentar algumas das principais ferramentas das quais o autor
iniciante pode lançar mã o para melhorar seus textos. Acredito
que as exercitando, seja na construçã o preliminar, seja ao
longo de repetidas revisõ es, você s poderã o produzir textos
excelentes e levar a ciê ncia a todos.
REFERENCIAS
PINTO, Ana Estela de Souza. Jornalismo Diário: Reflexões,
Recomendações, Dicas e Exercícios. Sã o Paulo: Publifolha, 2009.
SQUARISI, Dad. Manual de redação e estilo para mídias convergentes. Sã o Paulo, Geraçã o Editorial, 2011.
VIEIRA, Cá ssio Leite. Pequeno manual de divulgação científica,
dicas para cientistas e divulgadores de ciência. Rio de Janeiro,
Instituto Ciê ncia Hoje, 2006.
A DOR E A DELÍCIA
DE SER JORNALISTA DE CIÊNCIA
Reinaldo José Lopes
Nã o é sem alguma hesitaçã o, ou trepidaçã o, que sento
na frente do computador para tentar transmitir a um pú blico
formado principalmente por cientistas e professores algo da
experiê ncia de lidar com jornalismo cientıf́ico todos os dias,
escrevendo e editando reportagens para um grande jornal
diá rio há pouco mais de dez anos (sem falar nas muitas reportagens para revistas de grande circulaçã o e nos textos publicados na internet ao longo desse mesmo perıo
́ do).
Eu nã o diria que existe propriamente um abismo entre
o pesquisador e o jornalista, mas os há bitos de pensamento, a
rotina de trabalho e as expectativas desses dois grupos bem
distintos de profissionais sã o bastante diferentes, disso nã o há
dú vida.
Meu objetivo nesse capı́tulo é tentar encolher esta
distâ ncia da maneira mais prá tica possıv́el: mostrando como a
linguagem jornalıśtica normalmente é usada para contar ao
pú blico dos meios de comunicaçã o de massa o que é um
trabalho cientıf́ico e qual é a sua importâ ncia. Nã o é exagero
dizer que as ferramentas que o jornalista de ciê ncia usa estã o à
disposiçã o de qualquer pessoa com bom domın
́ io do pró prio
idioma e conhecimento de algumas poucas estraté gias de
té cnica narrativa. Em ú ltima instâ ncia, portanto, essas ferramentas, normalmente usadas pelos jornalistas, podem se
revelar uma arma poderosa para que o cientista se comunique
de maneira eficaz com o pú blico e també m com jornalistas.
68
A DOR E A DELICIA DE SER JORNALISTA DE CIENCIA
Como as redes sociais e plataformas como blogs deixam
cada vez mais permeá vel (ao menos teoricamente) a fronteira
entre a mıd
́ ia tradicional e o “jornalista-cidadã o”, pode-se
argumentar que cientistas com capacidade comunicadora
tê m, diante de si, a oportunidade de tomar, ao menos em parte,
as ré deas da interaçã o com a sociedade quando se trata de sua
á rea de especialidade. A compreensã o da estrutura do texto
jornalı́stico pode ser um primeiro passo importante para
colocar em prá tica essa atitude.
A SUBJETIVIDADE DA PAUTA
No princı́pio era a pauta, parafraseando os textos
bıb
́ licos. No jargã o jornalıśtico, “pauta” nada mais é do que o
tema que pode ser abordado numa reportagem ou sé rie de
reportagens, o foco de um texto jornalıśtico. A trıáde que
comumente leva à transformaçã o de um assunto em pauta é
formada por atualidade (o tema tem de ser, em alguma medida,
novo e atual), proximidade (o assunto tem de ser pró ximo do
leitor, seja no sentido de acontecer fisicamente perto dele, seja
no de alterar sua vida ou afetá -lo pessoalmente de alguma
maneira) e relevâ ncia (talvez o mais subjetivo dos crité rios, o
qual mede a importâ ncia de determinado assunto e acontecimento, quantas pessoas ele afeta, como ele muda o mundo).
A maioria dos jornalistas (com isso, me refiro aos que
nã o sã o jornalistas cientıf́icos, grupo que é minoria absoluta
no jornalismo em qualquer lugar do mundo) provavelmente
dirá que é fá cil discernir a prioridade de qualquer pauta, do
buraco na rua ao impeachment de um Presidente da Repú blica,
com base neste trio de crité rios, mas que é difıćil aplicá -lo a
muitas pautas envolvendo ciê ncia.
Eu, obviamente, discordo. E perfeitamente possıv́el
fazer jornalismo cientıf́ico levando em conta estes trê s pilares,
Reinaldo José Lopes
69
desde que eles incorporem as nuanças necessá rias que o tema
demanda.
Num nıv́el mais superficial, por exemplo, quando se
pensa em atualidade, nã o há motivo para quebrar a cabeça. A
principal fonte para uma notıćia de ciê ncia é o mais recente
paper publicado numa revista com revisã o por pares e alto
fator de impacto. De fato, posso dizer que esse é o arroz com
feijã o da cobertura cientıf́ica nos principais jornais do mundo,
mas obviamente trata-se de um cardá pio que, embora nutritivo, també m é limitador. Isso ocorre pela simples razã o de que
relativamente poucos artigos cientıf́icos isolados, mesmo os
publicados em revistas de alto impacto, realmente "viram o
jogo" em determinada á rea de pesquisa.
Pode-se argumentar, por isso mesmo, que a atualidade
deve abranger dois outros aspectos complementares. Numa
ponta, o que podemos chamar de grandes tendê ncias, o que
seria quase o equivalente a uma revisã o bibliográ fica em
formato jornalıśtico: uma explosã o de artigos sobre determinado tema num curto perıo
́ do de tempo (isso aconteceu de
2007 a 2009 no caso das cé lebres cé lulas-tronco pluripotentes
reprogramadas, ou iPS, como també m sã o chamadas) certamente demonstra que aquela á rea está ganhando solidez e
importâ ncia. Na outra ponta, trabalhos interessantes apresentados em congressos cientı́ficos també m já passaram por
algum nıv́el de revisã o por pares e merecem alguma atençã o,
embora o filtro seja, obviamente, um tanto menos severo que o
de uma revista cientıf́ica semanal ou mensal.
E, claro, quando se tem o privilé gio de acompanhar o
trabalho de um cientista em campo, seja um etó logo que
observa primatas, ou um paleontó logo que acaba de achar um
trilobita, se a coisa está acontecendo no presente e representa
um novo esforço para recolher e sistematizar dados, o crité rio
da atualidade també m está plenamente satisfeito.
70
A DOR E A DELICIA DE SER JORNALISTA DE CIENCIA
Já o crité rio da proximidade depende, obviamente, da
consciê ncia sobre o pú blico do meio de comunicaçã o para o
qual se está produzindo. Eu sei, por exemplo, que dois terços
dos compradores dos cerca de 300 mil exemplares diá rios da
Folha de S. Paulo moram no Estado de Sã o Paulo e que, de
qualquer maneira, o jornal tem a pretensã o de ser um diá rio de
alcance nacional. Obviamente, portanto, meu pú blico, na
condiçã o de jornalista de Ciê ncia nesse jornal, é , em grande
medida, paulistano e, claro, brasileiro.
E necessá rio, por isso mesmo, levar tais informaçõ es
em conta quando se escolhe quais publicaçõ es cobrir.
Cientistas brasileiros necessariamente merecerã o destaque,
em especial quando a sua pesquisa envolve assuntos que
possam afetar o cotidiano, a economia ou a sociedade de Sã o
Paulo ou do Brasil. Estudos sobre a dinâ mica de transmissã o
da dengue ou sobre o genoma da cana-de-açú car obviamente
terã o precedê ncia diante de pesquisas sobre o metabolismo de
esquilos do Alasca no inverno polar (embora o crité rio da
relevâ ncia possa me levar a inverter essa prioridade, como
veremos a seguir).
O imediatismo, que, muitas vezes, é uma das grandes
pragas do jornalismo, faz com que, para muitas pessoas, a
relevâ ncia das notıćias de ciê ncia nã o seja enxergada. A resposta automá tica de quem edita a primeira pá gina de um
jornal, por exemplo, é que praticamente qualquer assunto da
polıt́ica ou da economia sai ganhando dos temas cientıf́icos na
hora de merecer destaque na capa do diá rio, da revista ou do
site noticioso. As exceçõ es sã o coisas també m ó bvias, como
alguma nova terapia de sucesso estrondoso.
Nã o é por causa deste automatismo, no entanto, que
deverıámos deixar de lado as especificidades do universo da
ciê ncia na hora de decidir o que é relevante. A importâ ncia de
uma notıćia da á rea nã o deve se resumir apenas à aplicaçã o
prá tica de determinada descoberta, mas també m, e talvez
Reinaldo José Lopes
71
principalmente, à potencialidade dessa notıćia como algo que
redefine o conhecimento humano. E nã o apenas o conhecimento, mas o imaginá rio das pessoas, a sua autopercepçã o, a
noçã o que elas possuem sobre o seu pró prio lugar no universo.
Para dar um exemplo mais concreto: como jornalista de
ciê ncia, eu escolheria dar muito mais destaque à descoberta de
que chimpanzé s fabricam ferramentas, tal e qual seus parentes humanos (infelizmente eu nem era nascido ainda quando a
primató loga Jane Goodall fez suas observaçõ es seminais sobre
a tecnologia chimpanzé em Gombe, na Tanzâ nia), do que ao
desenvolvimento de uma nova droga emagrecedora. Mas, é
claro, sempre haveria a possibilidade de que meus chefes
discordassem de mim.
Concordo, em linhas gerais, com uma frase que era
repetida com frequê ncia por Marcelo Leite, que foi meu mentor quando ele era editor de Ciê ncia na Folha de S. Paulo (onde
eu ainda trabalho): a missã o do jornalismo de ciê ncia é tornar
interessante o que é importante, e nã o fazer com que o meramente interessante pareça importante. No entanto, pensando
no papel ao menos parcialmente educativo do jornalismo
cientıf́ico, em seu potencial para fazer com que o pú blico em
geral se interesse por ciê ncia, o meramente interessante pode
ter um papel nem um pouco desprezıv́el: o de levar o leitor a se
maravilhar com o universo e, quem sabe, a partir desse gostinho inicial, ir alé m.
SUA MAJESTADE, O LIDE
E hora de falar da estrutura propriamente dita do texto
jornalıśtico e de como ela pode parecer pouco familiar para
quem se treinou mentalmente para escrever papers, por
exemplo, ou mesmo dissertaçõ es.
72
A DOR E A DELICIA DE SER JORNALISTA DE CIENCIA
Em jornalismo escrito, o lide (do inglê s lede ou lead), se
nã o é tudo, é pelo menos 70% do texto. Esse é o nome que se dá
para o primeiro pará grafo de uma reportagem (à s vezes se
estendendo para o segundo e o terceiro pará grafos, normalmente chamados de sublide).
Talvez a principal diferença entre o texto de um artigo
cientıf́ico, ou de uma redaçã o de vestibular, e uma reportagem
escrita é o fato de o jornalista nã o poder se dar ao luxo de traçar
todo o contexto histó rico de uma á rea antes de apresentar os
resultados novos. O contexto fica para depois – se houver
espaço, o que nem sempre há . O necessá rio é condensar, da
maneira mais memorá vel, breve e chamativa possıv́el, qual é a
novidade da qual o texto tratará .
Tradicionalmente, o lide responde logo de cara à s
perguntas "quem, como, onde, quando, por quê ", que estruturam qualquer notıćia. E claro que, muitas vezes, nã o dá para
responder a todas essas perguntas de uma vez, ou fazê -lo de
forma completa, considerando que o lide també m precisa ser
breve, nã o cansar demais o leitor.
Esse ú ltimo ponto é importante. Creio que deve estar
claro, para muita gente, o fato de que vivemos uma era de
excesso de informaçã o e de completa falta de tempo para
processá -la. Quem deseja falar com um pú blico amplo tem de
estar preparado para disputar a atençã o do leitor, e por isso a
brevidade e a força do lide sã o ferramentas essenciais.
Ademais, considera-se que a correria do cotidiano,
muitas vezes, faz com que os leitores abandonem a leitura de
uma reportagem já no lide, se estiverem sem tempo. Portanto,
o ideal é que ele seja o mais autocontido possıv́el e traga o
má ximo de informaçõ es para que o leitor – forçado a abandonar aquele texto logo no começo (ou que simplesmente nã o
tenha se animado a continuar a leitura por nã o se interessar
pelo tema) – obtenha, ainda assim, um mın
́ imo de conteú do
informativo.
Reinaldo José Lopes
73
Longe de mim soar arrogante ao ponto de dar a impressã o de que eu sou um exım
́ io produtor de lides brilhantes, mas
talvez alguns exemplos que saıŕam do meu teclado recentemente ajudem a tornar um pouco mais concreto o que estou
dizendo.
Exemplo 1:
"A imagem de um tiranossauro de uma tonelada e meia,
recoberto por penugem semelhante à de um pintinho, parece
até campanha para desmoralizar o mais temıv́el dos dinossauros. Mas é a mais pura verdade, dizem cientistas da China e do
Canadá ." (Sobre um membro primitivo do clado dos tiranossauroides que parece ter tido penas.)
Exemplo 2 (incluindo lide e sublide):
"Quem lê uma pesquisa que acaba de ser publicada no
site da revista especializada Journal of Archaeological Science
se sente seriamente tentado a repetir o bordã o do guerreiro
gaulê s Obelix: 'Esses romanos sã o loucos!'. De fato, só um
impé rio nã o muito certo das ideias seria capaz de levar camelos para lugares tã o frios quanto as atuais Greenwich (subú rbio de Londres), Arlon (Bé lgica) ou Windisch (Suıḉa)." (Sobre a
presença de ossos de camelos em sıt́ios arqueoló gicos romanos do Norte da Europa.)
Exemplo 3 (também com lide e sublide)
"Tem gente que vive com um pé no passado, mas um
estranho hominıd
́ eo de 3,4 milhõ es de anos abusava do direito
de ser saudosista. Enquanto outros membros primitivos da
linhagem humana já tinham dominado totalmente a arte de
andar com duas pernas, a criatura ainda tinha um dedã o do pé
que funcionava como polegar, como o dos chimpanzé s e gorilas
de hoje, por exemplo." (Sobre uma possıv́el nova espé cie de
74
A DOR E A DELICIA DE SER JORNALISTA DE CIENCIA
hominıd
́ eo descoberta na Etió pia, contemporâ nea do totalmente bı́pede Australopithecus afarensis, que parece ter
conservado um padrã o de locomoçã o mais primitivo.)
Nã o sei se estes exemplos sã o particularmente felizes
(espero que sejam!), mas eles, ao menos, sã o sobre estudos
publicados recentemente em revistas com revisã o por pares, o
que facilita na hora de checar se eles, de fato, refletem as
pesquisas originais. De qualquer maneira, acho que eles
representam bem como eu acredito que o jornalismo cientıf́ico
deve ser feito para satisfazer, ao mesmo tempo, a necessidade
de precisã o e a de manter o leitor interessado no que tem
diante dos olhos.
Alé m dos pará grafos curtos (bem mais curtos do que os
que compõ em esse capıt́ulo!) e da linguagem á gil, eles també m
possuem doses de um elemento que eu considero essencial: o
humor.
Sejamos honestos: as pessoas tendem a temer o que
nã o entendem. Temas cientıf́icos supostamente sã o "complicados", "difıćeis", "pesados", até para quem tem formaçã o
universitá ria e boa cultura geral em á reas que nã o tê m a ver
com as ciê ncias naturais – poucos advogados se sentiriam à
vontade para explicar como funciona a passagem do DNA para
as proteın
́ as dentro da cé lula, por exemplo.
O humor ajuda a quebrar a primeira barreira de medo e
incompreensã o que cerca um tema. Ajuda, alé m disso, a
mostrar a possibilidade de se divertir com ele, por mais abstruso que pareça – daı́ as referê ncias que fiz aos quadrinhos de
Asterix ou à suposta campanha de desmoralizaçã o de dinossauros. Parece um pouco ridı́culo comparar isso à quelas
propagandas de brinquedos educativos, nas quais o fabricante
(à s vezes um tanto picareta) garante que a criança vai "aprender brincando", mas a analogia nã o é descabida.
Um segundo ponto crucial, que pode ou nã o ser separado da questã o do amor, é o das metá foras, presente na reporta-
Reinaldo José Lopes
75
gem do hominıd
́ eo ao dizer que ele tinha "um pé no passado"
ou que ainda nã o tinha dominado a "arte de andar com duas
pernas". A questã o das metá foras é um tanto controversa
porque, para muita gente, elas sã o excessivamente abertas a
interpretaçõ es errô neas.
Para ficar nos pró prios exemplos que dei, é ó bvio que
ser bıp
́ ede nã o é uma arte. Alguns primatas do Mioceno e do
Plioceno (ainda nem sabemos com certeza quem eram eles)
chegaram a essa adaptaçã o por meio do complicado e nada
intencional processo de variaçã o gené tica aleató ria combinada com a "peneira" (caramba, outra metá fora que aparece sem
ser convidada!) da seleçã o natural. Usar essa linguagem mais
vıv́ida nã o é um convite a deseducar o leitor?
Pode ser, mas trata-se de um risco que precisa ser
corrido, e é , aliá s, um risco que a pró pria ciê ncia corre o tempo
todo em sua nomenclatura especıf́ica, pela pró pria natureza da
linguagem. Nã o é exatamente a mesma coisa que acontece
quando, ao falar de biologia molecular, usamos termos como a
"transcriçã o" e a "traduçã o" da informaçã o contida na molé cula de DNA? Existe uma metá fora por trá s de quase todos os
termos té cnicos supostamente isentos e neutros da ciê ncia.
A questã o, portanto, é escolher a metá fora que combine
clareza de expressã o e vividez com precisã o. Se bem usada, a
estraté gia traz um mundo pouco familiar para mais perto da
experiê ncia normal do leitor e, ao mesmo tempo, evita que ele
tenha uma impressã o errada sobre o que está escrevendo.
Outro exemplo, ainda no domın
́ io quase onipresente do
DNA, foi-me ensinado por meu guru, Marcelo Leite. Ele sempre
fez questã o que evitá ssemos frases como "o gene que comanda/altera/domina" essa ou aquela funçã o do organismo,
porque sabemos que a sequê ncia de determinado gene na
molé cula de DNA é basicamente passiva, dependendo fundamentalmente de toda a maquinaria de fatores de transcriçã o,
splicing alternativo, etc. para ter algum papel na cé lula. E por
76
A DOR E A DELICIA DE SER JORNALISTA DE CIENCIA
isso que tomá vamos todo o cuidado para escrever "o gene que
conté m a receita para a produçã o de determinada proteın
́ a". A
cé lula, claro, nã o é um bolo, mas o gene está mais para receita
do que para cozinheiro, disso nã o há dú vida.
E muito difıćil trazer à tona em todos os detalhes o lado
quantitativo da ciê ncia, até porque pouquıśsima gente se sente
à vontade com equaçõ es diferenciais. O que é perfeitamente
possıv́el, no entanto, é retratar o universo conceitual de praticamente qualquer á rea, desde que o uso judicioso das metá foras auxilie na aproximaçã o entre aquele universo e o cotidiano
do leitor.
ANIMAIS NARRADORES
Um ú ltimo ponto que eu gostaria de enfatizar tem uma
relaçã o interessante com uma á rea da ciê ncia que costuma ser
muito atraente para os jornalistas, em parte por seu potencial
de polê mica, em parte porque ajuda a traçar uma narrativa
irresistı́vel dos comportamentos humanos: a psicologia
evolucionista.
Acho que nã o preciso me estender muito ao explicar
por que essa á rea é tã o fascinante e aparentemente subversiva.
Afinal, a humanidade passou milê nios criando modelos que
fossem capazes de explicar a natureza das pessoas sem, na
maioria dos casos, atinar para o fato ó bvio de que somos
animais, com conexõ es e continuidade com outras formas de
vida. E que os mesmos fatores da seleçã o natural que moldaram os demais seres vivos també m nos moldaram.
Uma das á reas em efervescê ncia na psicologia evolucionista hoje tem a ver com a ideia de que somos "animais narradores" – que o interesse por histó rias, a compulsã o de ouvi-las
e contá -las faz parte da natureza humana e, provavelmente,
nos auxilia a criar modelos ú teis e memorá veis do mundo.
Reinaldo José Lopes
77
Se essa ideia estiver correta, e nã o vejo bons motivos
para que nã o esteja, o jornalismo cientıf́ico só será bem-sucedido se adotar os procedimentos que transformam em
sucesso qualquer outro tipo de narrativa, da arte de contar
histó rias.
O jeito mais simples e mais consagrado de fazer isso é
adotar um modelo de histó ria de detetive, no qual as pistas
deixadas pela natureza servem de combustıv́el para a busca do
cientista-investigador. Mas nã o é necessá rio cair num modelo
tã o banal, nem adotar procedimentos um tanto forçados de
criar suspense ou de resolver as dú vidas da "trama" (até
porque, como sabemos muito bem, o papel da pesquisa quase
sempre é o de levantar mais dú vidas do que as que ela respondeu ao longo do caminho).
Acho mais seguro e proveitoso, mais pró ximo da realidade, tentar retratar cientistas como personagens com vida,
cada um com a sua aparê ncia fıśica peculiar, maneirismos de
roupa e linguagem, desejos, anseios, interesses; abordar a
empolgaçã o da descoberta, mas també m a sobriedade daquele
que sabe nã o ter todas as respostas na mã o, mas, ainda assim,
quer continuar procurando. E o truque, muitas vezes nem um
pouco fá cil, de mostrar como o ceticismo e a admiraçã o, como
dizia Carl Sagan, sã o usados para pintar um retrato em expansã o da realidade que nos cerca.
O QUE VOCÊ PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE
ASSIS
Mauro F. Rebelo
PERDER O MEDO DE ESCREVER
E eu não quero dar pasto à crítica do futuro.
A frase de Machado de Assis, lida em um dos alto-falantes na exposiçã o sobre o autor organizada pelo Museu da
Lın
́ gua Portuguesa em Sã o Paulo, em 2008 (ano do centená rio
da morte do escritor), mostra a preocupaçã o que ele tinha com
a publicaçã o de um escrito. O Museu da Lın
́ gua Portuguesa fica
na Estaçã o da Luz, com fá cil acesso e ingresso barato. E um
programa imperdıv́el quando se está em Sã o Paulo. E como nã o
é muito grande, você ainda pode aproveitar que está por ali e
atravessar a rua para ir à Pinacoteca do Estado. Outro grande
programa.
Na exposiçã o, mais do que seus famosos textos, me
chamaram atençã o as suas observaçõ es sobre o ato de escrever. Algumas impressas nas paredes, no chã o ou em pá ginas de
livros gigantes. Quando se escreve muito como eu escrevo
(blog, artigos, teses, projetos, relató rios, provas, aulas), mas,
principalmente, quando se tem que avaliar o que os outros
escrevem (de novo, blog, artigos, teses de alunos, projetos,
relató rios, provas, aulas), a gente pensa muito sobre o ato de
80
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
escrever. Eu pelo menos penso. Entã o, ao deparar com as
observaçõ es de 100 anos de Machado de Assis, fiquei impressionado como elas eram modernas.
Talvez eu suprima o capı́tulo anterior. Há aı́, nas
ú ltimas linhas, uma frase muito parecida com um
despropó sito. E eu nã o quero dar pasto à crıt́ica do
futuro.
Essa frase tem vindo recorrentemente à memó ria,
porque tenho percebido que o medo da crıt́ica é provavelmente o maior veneno para a criatividade e é a principal razã o para
o “branco” que jovens autores enfrentam ao começar a escrever um trabalho. Na verdade, qualquer autor. Nã o importa se
um é renomado e o outro é um aluno que sempre enfrentou
dificuldades com os rigorosos crité rios dos professores.
Muitos autores acham que seus textos sempre precisam de
mais alguma coisa antes de publicá -los. E nunca publicam. O
medo de um autor de publicar a sua opiniã o em um blog nã o o
impede de publicar seus artigos cientıf́icos, mas lhe causa um
dano mortal: sã o imitaçõ es do que ele acredita que os editores
e revisores querem ler. Nã o quer dar pasto à crıt́ica do futuro,
mas muito menos à crıt́ica do presente.
Apesar de o nú mero de perió dicos ter aumentado
muito nos ú ltimos anos, a dificuldade para publicar um artigo
nã o diminuiu. A ponto dessa dificuldade ser um dos grandes
fatores de estresse para os jovens cientistas brasileiros, como
descreveu De Meis (2003) em “Aumento da competiçã o na
ciê ncia brasileira: ritos de passagem, estresse e esgotamento
nervoso”. Existem cursos e mais cursos sobre como escrever e
vá rias ferramentas tecnoló gicas interessantıśsimas. Mas acho
que nenhum deles tem tocado num ponto fundamental: o
medo de escrever.
Apesar de a internet ter propiciado uma recuperaçã o
da importâ ncia da palavra escrita na comunicaçã o (nos anos
Mauro F. Rebelo
81
80 e 90, vivemos na é gide do vıd
́ eo), o distanciamento dos
nossos jovens tinha sido tã o longo que ainda nã o houve uma
“reconciliaçã o” com a palavra. A palavra escrita, eu descobri no
meu contato com alunos de cursos à distâ ncia, tem uma permanê ncia, uma persistê ncia, maior que a falada. E ela dá medo.
As pessoas tê m medo de escrever! E por isso nã o escrevem,
criando um cıŕculo vicioso difıćil de ser quebrado.
Escrever nã o é talento inato. Nem é uma arte. Escrever é
prá tica! E treino! Nã o é inspiraçã o, é transpiraçã o! Mas até
entã o a gente nã o sabia disso, e a maior parte dos estudantes
ainda nã o sabe disso també m. E comum, por exemplo, vermos
projetos de tese em que o aluno separa os dois ú ltimos meses
para “escrever a tese”. E quando chegam esses dois meses, ele
senta em frente ao computador esperando que a iluminaçã o
divina se manifeste por meio dos seus dedos, enchendo a tela
do computador com caracteres que façam sentido. Como se
fosse psicografia. “Escrever é sobretudo reescrever”, disse o
escritor portuguê s Antô nio Lobo Antunes. Se você nunca
escreveu nada, comece com um blog, comece com textos
pequenos, falando de momentos ou acontecimentos especıf́icos. Escolher sobre o que escrever pode ser um problema
grande e, por isso, vamos falar mais a respeito daqui a pouco. O
importante é que você comece a escrever.
A histó ria mostra que os cientistas sempre erraram. O
livro “Penso, logo me engano”, do francê s Jean Pierre Lenin,
está cheio de gafes cientıf́icas. Mas o “medo da crıt́ica do
futuro” nã o deve impedir cientistas ou alunos de escreverem.
O que eles devem, como Machado fazia, é apurar o trabalho e o
cuidado com a revisã o de seus textos. O medo da crıt́ica do
futuro nunca impediu Machado de publicar nada. Pelo menos
nada do que fosse bom. E o que determina “o que é bom” é o
crité rio que você vai desenvolver com trabalho, escrevendo e
reescrevendo. Sem praticar e errar, você nunca vai aprimorar o
seu crité rio e nunca vai escrever bem.
82
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
Quem deixa de escrever por medo de errar ou por
timidez está perdendo a grande arma do mundo moderno. A
espontaneidade. Quem escreve se mostra. Quem se mostra,
arrisca estar errado. Mas també m, só quem se mostra, mostra
o que sabe. Por isso, a primeira coisa para andar avante em um
texto é excluir o medo de errar como crité rio de qualidade.
SELEÇAO DA INFORMAÇAO
Mas, ou muito me engano, ou acabo de
escrever um capítulo inútil.
As frases de Machado de Assis se aplicam muito bem ao
mundo saturado de informaçã o onde vivemos, em que a
diferença entre um bom texto e um texto ruim, ou um texto fá cil
ou difıćil, está diretamente relacionada à quantidade de texto
produzido por um autor.
Atualmente, a quantidade é um parâ metro de qualidade. Depois que aprendi isso, é difıćil imaginar como algué m
pode nã o percebê -lo. Nada mais me chamou tanta atençã o na
exposiçã o. Faz toda a diferença para escrever um texto cientıf́ico ou acadê mico.
Esta é de “Memó rias pó stumas de Brá s Cubas”:
Mas nã o, nã o alonguemos esse capı́tulo. As
vezes, me esqueço a escrever e a pena vai
comendo papel, com grave prejuıźo meu, que
sou autor! Capı́ t ulos compridos quadram
melhor a leitores pesadõ es, e nó s nã o somos um
pú blico in-fó lio. Mas in-12, pouco texto, larga
margem, tipo elegante, corte dourado e
vinhetas… principalmente vinhetas. Nã o, nã o
alonguemos o capıt́ulo.
Mauro F. Rebelo
83
Mas como podemos saber se o capıt́ulo está bom ou
está longo? Sim, lendo e relendo, escrevendo e reescrevendo.
Mas o que procuramos, ou o que devemos procurar, quando
estamos lendo e relendo, escrevendo e reescrevendo? Estamos
procurando o que é mais relevante. Estamos procurando
estabelecer prioridade e hierarquia. E como podemos identificar?
Outro dia, vi, em um programa de televisã o, um gerente
de Recursos Humanos falando que, atualmente, o que vale é a
inovaçã o. E isso que se vende, é isso que se compra e é isso que
as empresas querem dos seus empregados. Inovaçã o. Mas para
criar algo inovador e importante, é fundamental saber determinar o que é relevante entre o que já existe. Com os computadores aı́ para guardarem e procurarem a informaçã o com uma
eficiê ncia maior do que qualquer ser humano costuma ser
capaz, o diferencial do professor, do cientista e de qualquer
outro profissional está na sua habilidade de determinar a
relevâ ncia da informaçã o.
Selecionar informaçã o é uma das grandes dificuldades
dos escritores també m. Essa dificuldade está intimamente
relacionada com determinar o que é interessante ou importante para o pú blico-alvo, mas també m é importante para que o
autor determine quando tem alguma coisa que valha a pena
ser colocada no papel. Muitas vezes, a dificuldade para começar a escrever está na dificuldade em escolher sobre “o que”
escrever. Vou propor um exercıćio que é , ao mesmo tempo, um
exemplo e uma explicaçã o.
O texto a seguir é um trecho da discussã o entre o professor Coleman Silk e a professora Delphine Roux, personagens
do livro “A marca humana”, de Philip Roth (p. 246–247):
O grau de conhecimento desses alunos é , sacou, tipo
assim, zero. Depois de 40 anos lidando com esse tipo
de aluno – e a senhorita Mitnick é bem tıp
́ ica – posso
lhe afirmar que nada poderia ser pior para eles que
84
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
uma leitura de Eurı́ p edes com uma perspectiva
feminista. Apresentar aos leitores mais ingê nuos uma
leitura feminista de Eurıp
́ edes é uma das melhores
maneiras que se pode imaginar de desligar o raciocı-́
nio deles antes mesmo de ter oportunidade de
começar a demolir o primeiro “tipo assim” deles.
Chego a achar difıćil de acreditar que uma mulher
instruı́da, com uma formaçã o acadê mica francesa
como a sua, seja capaz de acreditar que existe uma
leitura feminista de Eurı́pedes que nã o seja pura
bobagem. Será que você realmente se converteu em
tã o pouco tempo, ou será apenas uma manifestaçã o do
tradicional carreirismo ditado pelo medo das suas
colegas feministas? Porque se for mesmo carreirismo,
por mim, tudo bem. E uma coisa humana, eu compreendo. Agora, se for um compromisso intelectual com
essa idiotice, entã o eu estou pasmo, porque você nã o é
nenhuma idiota. Porque você é uma pessoa instruıd
́ a.
Porque na França ningué m na École Normale levaria
essa bobajada a sé rio. Será possıv́el? Ler duas peças
como “Hipó lito” e “Alceste”, depois ouvir uma semana
de discussõ es em sala de aula sobre cada uma delas, e,
no fim, nã o ter nada a dizer sobre as duas peças alé m
de que sã o “degradantes para as mulheres” – isso nã o é
perspectiva coisa nenhuma, meu Deus. Isso é abobrinha. Abobrinha da Moda.
Agora eu pergunto: qual a informaçã o mais relevante
desse texto? Escolha apenas uma resposta entre as opçõ es
abaixo:
1. O professor Coleman é machista, e a professora
Delphine é feminista.
2. Quando um professor fornece uma interpretaçã o de
um texto, ele direciona a interpretaçã o que o pró prio
aluno pode fazer do texto.
3. O pú blico-alvo de “alunos burros” nã o deve ser tratado
com burrice.
Mauro F. Rebelo
85
4. Nã o há informaçõ es relevantes nesse texto ou nã o
posso identificar informaçõ es relevantes nesse texto
sem haver lido o livro e os clá ssicos gregos.
Vamos analisar as respostas desse questioná rio:
1. O texto diz que ele é contra uma leitura feminista do
texto de Eurıp
́ edes, enquanto sugere que ela é a favor. Sim, há
um tom autoritá rio e irô nico no discurso de Coleman, mas nã o
há elementos suficientes no texto para classificá -los, respectivamente, como machista e feminista. Poré m, mais importante
que isso, é que esse nã o é o nú cleo do discurso e, por isso, nã o
pode ser a informaçã o mais relevante do texto. Quem marcou
essa opçã o fez uma leitura pessoal, que nã o pode ser sustentada pelas informaçõ es contidas no texto.
2. Thomas Kuhn dizia que o “manual” era um dos maiores
inimigos do aprendiz de ciê ncias, porque, ao dar o procedimento final pronto, ele impedia que o aluno passasse pelo
processo da descoberta, que tanto favorece a sua compreensã o
e aprendizagem. Esta é , para mim, a informaçã o mais relevante
do texto: o grande prejuıźo de um professor fornecer para os
alunos um raciocın
́ io já pronto. Para mim, essa é a resposta
correta. Alé m de correta, ela estabelece um mecanismo que
pode ser aplicado em diferentes circunstâ ncias.
3. O mesmo conteú do pode ser ensinado para alunos com
diferentes potenciais, mas, certamente, nã o da mesma forma,
nem com as mesmas estraté gias. Alunos que já sabem “pensar”
por si pró prios podem começar a discussã o de uma peça ou um
autor, por uma de suas releituras. Alunos que ainda nã o sabem
precisam primeiro aprender a ter uma leitura. Dar uma leitura
pronta para esses alunos é auxiliar o “sistema” no processo de
exclusã o educacional e social dessas pessoas. Nã o dar o conteú do dos clá ssicos porque ele é “difıćil” é tratá -las como burras.
Nivelar por baixo. Um bom professor nã o pode fazer nenhuma
das duas coisas. Nunca! Para mim, essa també m é uma infor-
86
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
maçã o nuclear do texto, mas nã o estabelece um mecanismo.
Por isso ela nã o é a opçã o mais relevante.
4. Esse fragmento de texto conté m um discurso rico,
independentemente do contexto em que foi pronunciado. E
verdade que existem textos com lacunas demais, em que é
praticamente impossıv́el identificar o nú cleo conceitual ou as
prioridades do autor, mas, na maior parte das vezes, nã o
precisamos saber o todo para entender uma parte. As colocaçõ es contundentes certamente permitem que preenchamos
algumas lacunas com precisã o. Quem marcou essa opçã o, ou
estava muito desatento, ou tem uma sé ria dificuldade para
estabelecer relevâ ncia.
Acredito que o diferencial de um profissional hoje, em
qualquer carreira, e definitivamente na escola, é a habilidade
de buscar e selecionar informaçã o. O professor, em particular,
será um especialista em relevâ ncia e o que ele ensinará para os
alunos, independentemente da disciplina, é relevâ ncia: a arte
milenar de separar o joio do trigo.
CONHECER O SEU PUBLICO
O melhor drama está no espectador, e não no
palco.
Nas muitas atividades acadê micas que eu participo,
desde a sala de aula até as defesas de teses, dos seminá rios de
laborató rio até as apresentaçõ es em congressos, o desconhecimento, ou, muitas vezes, o descaso do autor com o seu pú blico,
ainda que inconsciente, é a principal razã o para a falta de
atençã o das plateias. Eu poderia esperar que um estudante
estivesse acostumado a escrever para os seus professores, que
um cientista estivesse acostumado a escrever para os seus
pares, mas o que eu observo é que, na maioria das vezes, as
Mauro F. Rebelo
87
pessoas escrevem para si. O resultado é um texto que interessa
apenas a elas e que apenas elas sã o capazes de ler e de entender. O astro de qualquer palestra nã o é o palestrante, é o
pú blico, como disse Machado de Assis nessa brilhante citaçã o.
O astro de qualquer manuscrito nã o é o autor, é o leitor. Isso
precisa estar claro antes do processo de criaçã o começar.
Eu poderia analisar aulas, teses, artigos em revistas.
Mas esses sempre tê m um pú blico obrigató rio, e é pouco
produtivo discutir o valor de um determinado conteú do
nessas situaçõ es. Um artigo, por mais especıf́ico que seja, deve
sempre ter um pú blico, que, por menor que seja, pode justificar aquela informaçã o. Mas quando se trata de divulgaçã o
cientıf́ica, nã o é bem assim. O que determina a importâ ncia e a
relevâ ncia do conteú do é o pró prio interesse do pú blico por
ele.
“Só se escreve para nó s, ou para todo mundo”, me
ensinou, em outra oportunidade, a escritora Sonia Rodrigues.
Enquanto antigamente nó s precisá vamos “imaginar” quem era
o nosso leitor, o “pú blico-alvo”, hoje as ferramentas de internet
permitem um monitoramento constante desse pú blico, nos
ajudando a determinar o alcance do nosso texto. E possıv́el
saber quantos acessos, qual a sua origem, qual a taxa de rejeiçã o, etc.
Os blogueiros de ciê ncia que conheci, até hoje tê m um
pú blico-alvo bem estabelecido: querem escrever para outros
blogueiros.
A opçã o por escrever para os “pares” é mais fá cil. Ser um
blogueiro de qualquer assunto mostra um interesse mın
́ imo
por informaçã o e també m capacidade autoral. Isso faz deles,
provavelmente, leitores com crité rio. Blogueiros de diferentes
assuntos podem nã o saber ciê ncia, mas tê m, acredito, senso
crıt́ico para aprender ciê ncia. Ou, pelo menos, para entender
uma explicaçã o sobre o porquê das coisas. O objetivo do
blogueiro de ciê ncia passa a ser entã o despertar a atençã o do
88
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
blogueiro nã o cientista para coisas que ele acha legais. Por isso
blogueiros de ciê ncia discutem tanto a importâ ncia de um
tıt́ulo controverso, do posicionamento da ciê ncia em uma boa
polê mica. Uma tarefa, diga-se de passagem, difıćil. A ciê ncia,
em um nıv́el bá sico, pode ser muito chata e as tais contrové rsias interessantes, muito difıćeis. Mesmo para os iniciados. E um
belo desafio.
Mas um bom blog de ciê ncias pode ter algo como mil
acessos por dia. Será que esses sã o todos blogueiros? Apesar
da sua opçã o por um pú blico especıf́ico, o pú blico-alvo está
sendo muito maior do que o esperado. Quem é esse pú blico?
No final de 2006, o Ministé rio da Ciê ncia e Tecnologia
preparou uma pesquisa sobre a percepçã o que o brasileiro tem
da C&T. A pesquisa foi feita com mais de 2.000 pessoas em todo
Brasil (a ú ltima pesquisa do gê nero havia sido feita há mais de
vinte anos).
Ela mostra que o brasileiro nã o é “incluıd
́ o” cientificamente. Apenas 4% dos entrevistados já foram alguma vez a um
museu de ciê ncia (e ainda que seja um fato que nã o existem
muitos museus por aı,́ 31% afirmaram nã o terem “tempo para
ir” e 22% simplesmente nã o estavam “interessados”). Mas nã o
termina aı,́ é pior: apenas 28% já visitaram um jardim zooló gico, um jardim botâ nico ou um parque ambiental; só 25% já
foram a uma biblioteca pú blica e apenas 12% já foram a um
museu de arte. Para essas pessoas, a televisã o é o meio mais
usado para conhecer a ciê ncia, mas, mesmo assim, apenas
15% dos entrevistados dizem ver com frequê ncia programas
que tratam do assunto. Os jornais e as revistas vê m em seguida,
com 12% cada, seguidos por, vejam só , a conversa entre amigos, com 11%! A internet fica na quinta posiçã o, com 9%.
Dos estimulados a responder sobre o nıv́el de interesse
que tê m sobre ciê ncia, 41% disseram ter “muito interesse”
(para se ter uma ideia, o interesse em polıt́ica é de apenas
20%) e 60% dos entrevistados acreditam que os cientistas sã o
Mauro F. Rebelo
89
pessoas inteligentes que trabalham pelo bem da humanidade.
E que a ciê ncia traz mais benefıćios que malefıćios à sociedade.
A pesquisa mostra que o interesse por ciê ncia é relativamente bem distribuıd
́ o, mas existem algumas tendê ncias
principais: ele é maior (mas só 5% maior) entre homens do
que mulheres, tanto jovens estudantes como executivos com
alto grau de instruçã o, sendo que o seu principal interesse é a
tecnologia. As mulheres tê m mais interesse em questõ es
relacionadas à saú de e à medicina.
Mas mais da metade dos 2.000 entrevistados disse ter
pouco ou nenhum interesse em ciê ncia e tecnologia. Deles,
37% responderam que a falta de interesse se dá pelo fato de
nã o entenderem do assunto, enquanto 24% disseram simplesmente nã o ter tempo para “isso”. O nosso pú blico-alvo, a
sociedade brasileira, nã o tem percepçã o de quanto a ciê ncia é
importante.
A pesquisa nos mostra que existe um pú blico realmente
interessado em ciê ncia, mas que també m existe um pú blico
muito maior desinteressado. Podemos escrever para o primeiro, mas será que os alcançamos quando escrevemos um artigo
em uma revista especializada, quando escrevemos uma tese,
ou mesmo um texto em um blog? Uma aná lise dos acessos aos
blogs de ciê ncia sugere que nã o, ao menos tirando pelo que
vemos no Scienceblogs Brasil, onde escrevo meu blog “Você
Que E Bió logo”.
Ÿ A massa de leitores de blogs de ciê ncias é de estudantes
em busca de informaçã o para fazerem trabalhos da
escola ou faculdade. Temos vá rios indicativos disso:
Ÿ Em torno de 80% do trá fego dos blogs chega por meio do
Google e de outros mecanismos de busca, usando palavras-chave relacionadas com ciê ncias.
Ÿ Entre as pá ginas mais acessadas de muitos blogs estã o
textos com conteú do didá tico, com assuntos como
90
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
seleçã o natural, leis da termodinâ mica e estrutura do
á tomo.
Ÿ O acesso ao blog flutua durante a semana, com picos à s
quartas-feiras e vales aos sá bados, e durante o ano, com
picos em abril e outubro e quedas em julho, dezembro e
janeiro. O que corrobora o acesso por estudantes.
Ÿ Entre 10% e 15% dos acessos sã o oriundos de links em
outros textos (a comunidade blogueira) e os 5% restantes sã o acessos diretos, nossos poucos leitores fié is que
chegam a saber o nosso endereço.
Os blogueiros chamam a maior parte dos 80% dos
acessos que chegam pelos mecanismos de busca de “paraquedistas”: aqueles internautas que entram na pá gina e ficam
poucos segundos, que sã o trazidos por alguma manchete ou
fotografia e saem sem nem mesmo ler o conteú do do texto.
Vejam que quando um blogueiro se dedica a pensar na
melhor manchete para o seu texto sobre ciê ncia – aquela que
vai ajudá -lo a capturar a atençã o dos outros blogueiros que
estã o na rede – ele está dedicando tempo e energia para atingir
apenas 10% a 15% dos seus leitores. E verdade que escrever
um texto que capture a atençã o de um leitor que nã o quer ler,
nã o está acostumado a ler, nã o estava buscando ler, ou estava
buscando informaçã o por obrigaçã o é muito mais difıćil do que
pensar em uma manchete para um pú blico especializado. Sã o
os chamados “internautas sem crité rio”, que o Luli Radfaher
falou na palestra do “Oi Futuro”, ou os “excluıd
́ os com Orkut”,
como disse a Sonia Rodrigues no projeto “Rio Biografias”.
Uma nova classe de personagens do ambiente virtual,
que sã o os excluı́dos funcionais do sistema educacional,
aquelas pessoas que tê m pouco potencial para desenvolver
sua pró pria opiniã o porque tê m pouca capacidade de identificar elementos em um texto, interpretar em funçã o do que está
Mauro F. Rebelo
91
sendo lido ou nã o dos seus pró prios preconceitos, mas que
agora começam a participar do ambiente virtual só para
circular, consumir.
Essa é , no entanto, a grande massa de pessoas que lê o
que se disponibiliza! A gente nã o precisa chamar esses excluı-́
dos da escola? E seria uma irresponsabilidade, alé m de um
desperdıćio, nã o escrever para eles. Os excluıd
́ os sã o o pú blico
que pode crescer, sã o o pú blico que a gente pode criar. Que
darã o nã o 20 mil, mas 20 milhõ es de acessos por dia! Um dia
(eu espero).
Entã o, para quem você quer escrever? O que eu acho
interessante é que quem escreve para um pú blico mais amplo
també m escreve para um pú blico mais especıf́ico. O segredo
para isso está em escrever nã o pensando em “o que você pode
ensinar para o leitor”, mas sim sobre o que o leitor pode se
perguntar com o que você escreveu para ele. Em outras palavras, o importante nã o é a informaçã o que você dá no seu texto,
mas a pergunta que o leitor faz quando lê o seu texto. Essa é
universal, porque cada um faz a sua, na linguagem que quiser,
na linguagem que entende. Quem faz perguntas aprende
crité rios. Inclui-se. Vira pú blico. Vira leitor.
OS LUGARES DO PENSAMENTO
Depois de selecionar sobre o que você vai falar e para
quem você vai falar, é claro que é importante determinar
“como” você vai falar. Com a escritora Sonia Rodrigues, eu
aprendi sobre os lugares do pensamento, as sete perguntas
que, quando respondidas, ajudam o leitor (ou o signatá rio de
uma mensagem) a compreender a mensagem. O nome moderno para elas é lead ou lide (do inglê s, “conduzir”) e é utilizado
desde a dé cada de 50 nos jornais brasileiros para informar, já
no primeiro pará grafo, tudo o que é importante sobre a notıćia,
92
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
posicionando o leitor com relaçã o a “o que” aconteceu, com
“quem”, “quando”, “onde” , “como” e “por quê ”. Apesar de a
“invençã o” do lead ser atribuı́da ao jornalista americano
Walter Lippmann na dé cada de 1920 – 1930 (leia o texto “Em
busca dos sete lugares de pensamento”, no blog Você Que E
Bió logo), ele foi inventado na Gré cia antiga, há 25 sé culos, e
reformulado pelos romanos algum tempo depois. A resposta a
essas seis perguntas (nã o é erro de contagem, o sé timo lugar
do pensamento é “para quê ”, para que servirá esse conhecimento?) era o que permitiria a comunicaçã o eficiente de um
discurso. Nã o deixe de ler o capıt́ulo sobre o texto jornalıśtico
neste livro e aplique as sete perguntas a todo texto que você
escrever. Você pode preparar um rascunho respondendo
brevemente (em uma frase) a cada pergunta, ou pode reescrever, procurando identificar no texto que você produziu quais
sã o os trechos que respondem a cada pergunta. Se os trechos
que respondem a uma pergunta forem muito mais frequentes
que à outra, entã o você pode precisar fazer cortes em um
ponto e adiçõ es em outro. No final, você verá a melhora no
resultado. O lead certamente ajudará você a comunicar melhor
a sua mensagem.
ESPANTAR A PREGUIÇA
A vida é cheia de obrigações que a gente
cumpre, por mais vontade que tenha de as
infringir deslavadamente.
Quando eu estava no mestrado, em uma cidade fria e
longı́nqua, fiz uma disciplina excelente de microbiologia
marinha. Até hoje, uso o que aprendi nas vá rias aulas de
ecologia e biologia marinha que eu eventualmente ministro
por aı.́
Mauro F. Rebelo
93
Mas tive um problema com o professor que, até hoje (na
minha cabeça), nã o resolvi direito. O problema é que ele me
deu B em um curso que eu achava que merecia A (bom, houve
outros problemas també m, mas isso fica para outra vez – ou
nã o). Como eu disse, eu gostava e entendia do tema. També m
lia os artigos e participava das aulas. Mas isso nã o era suficiente para ele. Ele queria superaçã o! E em vez disso, eu optei por ir
passar o final de semana em Santa Maria na vé spera da avaliaçã o dele. Fui lendo os artigos para a prova na viagem de ô nibus,
mas era noite e eu acabei optando por dormir. Deixei os artigos
na poltrona do ô nibus e nã o estudei nada o final de semana
todo. Peguei o ô nibus de volta no domingo à noite e cheguei em
cima da hora. Fiz uma boa prova, mesmo sem ter estudado
(afinal, eu assistia atentamente a todas as aulas), e quando
recebi o B no final do curso, fui falar com ele para tentar entender o porquê . A resposta foi frustrante:
Mauro, você é muito bom e você sabe que é bom. E por
isso você é preguiçoso. E é por isso que eu te dei B.
Talvez seja importante acrescentar que outro aluno,
que fez uma prova pior que a minha, tirou A. Porque ele se
“superou”.
Hoje eu reconheço que eu era meio preguiçoso mesmo.
Mas també m hoje, que dou meus pró prios cursos e tenho meus
pró prios alunos de pó s-graduaçã o, discordo veementemente
da estraté gia de avaliaçã o dele. Ele quis me dar uma liçã o, que
eu provavelmente precisava, enquanto me avaliava com
relaçã o à disciplina que ele ministrou. Mas nem sempre dois
coelhos podem ser mortos com uma cajadada só . E que a
preguiça é um crité rio difıćil de avaliar de forma acadê mica.
Acredito que um professor possa usar o crité rio que lhe convier para avaliar os alunos. A justiça nã o está no crité rio em si,
mas no conhecimento dos crité rios a priori. Se eu soubesse que
o crité rio era superaçã o, talvez tivesse me comportado de
maneira diferente.
94
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
A preguiça nã o é um problema quando você tem crité rio. Quem tem crité rio forte e valores construıd
́ os com uma
base educacional forte (dentro e fora da escola) nunca deixa de
progredir, mesmo com um pouco de preguiça. Mas o problema
da preguiça é que ela pode corroer os seus crité rios, e aı́ você
afunda.
Hoje, já sei que um aluno muito bom cometendo os
mesmos erros dia apó s dia, em geral, nã o é por dificuldade de
incorporar o modelo: como eu disse, o aluno é brilhante. Aı́ já
sei que o problema é preguiça.
E vencido o medo de escrever (do qual tratamos na
primeira seçã o), a preguiça é a pior inimiga de um texto criativo.
O fıśico Richard Feynman diz que toda boa ideia deve
primeiro passar por um exame intelectual criterioso antes de
ser colocada à prova experimentalmente. Testar hipó teses é
trabalhoso e caro, e justamente por isso nem todas as ideias
devem chegar a esse está gio. Nã o importa se é uma ideia para
um experimento, para um novo aviã o ou para uma obra de arte
– o que inclui um texto.
Uma boa ideia, e portanto original e criativa, nã o deve
refutar princıp
́ ios bá sicos das coisas.
Por exemplo, a segunda lei da termodinâ mica é uma das
leis fundamentais do universo. Ela diz que nã o podemos
reciclar energia. Energia gasta é energia perdida – isso pode
parecer banal, mas tem consequê ncias importantes, como a
passagem do tempo, a expansã o do universo, a vida e a morte.
E també m diz que as coisas precisam de energia para se manter organizadas, e, se nã o gastarmos energia, as coisas se
desorganizam. Os fıśicos do sé culo XIX descobriram as leis da
termodinâ mica enquanto estudavam as má quinas a vapor.
Mais precisamente, enquanto tentavam criar a “má quina
perpé tua”: uma má quina a vapor que funcionasse com o calor
da pró pria exaustã o. Descobriram que nã o era possıv́el, e o que
Mauro F. Rebelo
95
eles descobriram, desde entã o, nunca conseguiram contestar
experimentalmente. Portanto, toda boa ideia para um motor
precisa respeitar a segunda lei da termodinâ mica.
Se um engenheiro aparece com uma ideia excelente
sobre um novo motor a jato, em que a energia de uma turbina
em movimento é utilizada como combustıv́el para movimentar uma outra turbina, por melhor que seja, ela é impraticá vel,
porque contraria uma lei fundamental. Ou o engenheiro
propõ e uma nova abordagem para a lei da transferê ncia de
energia ou o projeto vai ficar engavetado (o que provavelmente acontecerá ).
Quando uma ideia nova nã o respeita leis fundamentais
e preceitos bá sicos, ela nã o é criativa, ela é aná rquica. E a
anarquia, como a falta de energia, leva à desordem. Nã o é uma
colocaçã o polıt́ica, é fıśica.
Uma ideia nova que nã o respeita leis fundamentais e
preceitos bá sicos nã o indica genialidade, indica desconhecimento por parte do autor. Quer inventar algo novo, mas nem se
deu ao trabalho de pesquisar o que já foi inventado, como, em
que circunstâ ncias. Em resumo: nã o fez o dever de casa. Foi
preguiçoso.
Puxando o argumento para outro lado, Picasso foi
muito, muito criativo. Nã o tem a ver com formas, com cores,
com padrõ es, emoçõ es ou abstraçã o. Picasso usou formas que
ningué m nunca usava e foi criativo. Van Gogh usou cores e
pinceladas que ningué m usava e foi muito criativo. Pollock
jogava tintas na tela e foi criativo. Andy Warhol usou latas de
sopa e foi criativo. Por outro lado, vemos algumas obras de arte
que sã o, simplesmente, aná rquicas. Uns panos de estopa aqui,
outros ali, espalhados pelas paredes, pelo chã o, alguns espelhos e... nada que faça com que nos lembremos do nome da
obra ou do seu autor. Foi um trabalho aná rquico. Ali nã o havia
criatividade, só anarquia. Meu ponto é o seguinte: a preguiça
leva à anarquia, e nã o à criatividade. Pegue todos os artistas
96
O QUE VOCE PODE APRENDER SOBRE ESCRITA,
EM UMA TARDE NO MUSEU, COM MACHADO DE ASSIS
que ficaram famosos por criar algo novo, criativo, autê ntico e
você verá uma coisa em comum: todos dominavam com
maestria as té cnicas bá sicas de suas atividades. Ou você acha
que Beethoven compô s a 9ª sinfonia por “sorte”?
A lei da entropia, em um dos seus muitos enunciados,
diz que “uma energia de baixa qualidade realiza menos trabalho que uma energia de alta qualidade”. Uma ideia, para ser
criativa, precisa otimizar o uso da energia. Mas sem utilizar
energia, em um motor, uma pintura, um experimento ou um
texto, dificilmente você preparará algo inovador. Preguiça e
ignorâ ncia nunca resultam em ideias criativas.
COMO, POR QUE E ONDE CRIAR UM BLOG?
Atila Iamarino
UM POUCO DE CONTEUDO PREVIO
Blogs, ou weblogs (como o termo foi originalmente
concebido), sã o uma ferramenta extremamente ú til para a
comunicaçã o na internet, especialmente para o ensino.
Construıd
́ os com uma interface de uso simples e intuitivo, e
sempre exibindo o conteú do mais recente em uma pá gina
central, sã o uma boa maneira de expor material escrito e
multimıd
́ ia. Os textos sã o publicados na forma de posts –
pá ginas fixas exibidas no blog – e com endereço pró prio, que
pode ser referenciado por outras fontes. Geralmente, há um
espaço abaixo dos textos para comentá rios de leitores, que,
embora nã o seja obrigató rio, é parte importante e caracterıśtica dos blogs. Mas, antes de tudo, alguns requisitos.
Um bom entendimento de internet é valioso tanto para
a escrita quanto para a interaçã o com outros blogs e redes
sociais. Portais bem estabelecidos como o Wikipedia (wikipedia.org), Youtube (youtube.com) servem de inspiraçã o nã o só
para textos como para se criar a noçã o de como escrever e
interagir na Web. Entender a maneira de inserir mıd
́ ias, como
imagens e vıd
́ eos, é tã o importante quanto a escrita. Blogs sã o
mais ricos que outras formas de divulgaçã o, como jornais e
revistas, por permitirem a inserçã o e a indicaçã o de conteú do
externo, como links, vıd
́ eos, imagens, slides, sons e outros, que
completam o texto e abrem diversas possibilidades.
98
COMO, POR QUE E ONDE CRIAR UM BLOG?
Usar conteú do externo é recomendá vel, mas é algo que
precisa ser feito com cuidado. O uso de imagens e vıd
́ eos sem
licença de reproduçã o é proibido e pode trazer grande prejuı-́
zo para o autor, mesmo que nã o seja intencional ou nã o tenha
finalidade de lucro. Para se evitar esse tipo de problema, é
recomendá vel utilizar imagens que sejam licenciadas para
uso, como aquelas disponibilizadas sob certas formas de
Creative Commons (CC, creativecommons.org), que permitem
reproduçã o. Fontes como Flickr (www.flickr.com, buscando-se
por imagens com CC) e Wikipedia disponibilizam imagens que
podem ser reproduzidas e sã o preferıv́eis para ilustrar um
texto.
Redes sociais como o Twitter (twitter.com) e Facebook
(facebook.com) ajudam a divulgar o blog e a interagir com
leitores e outros autores. Atualmente, as visitas que antes
eram trazidas apenas por ferramentas de busca agora sã o
trazidas pela indicaçã o de amigos e contatos. O compartilhamento de links nessas redes permite que novos leitores
tenham contato com material que nã o buscariam espontaneamente, e embora seja um ponto de fuga de comentá rios que
antes eram feitos apenas no post, pode trazer discussõ es
produtivas.
COMO ESCREVER?
O tema també m é importante. Blogs de variedades sã o
comuns, mas, salvo poucos casos grandes e bastante atualizados, nã o se diferenciam do monstruoso volume de informaçõ es que a internet oferece. Conteú do especializado, ou pelo
menos reunido em torno de um tema ou linha editorial, ajuda o
blog a criar uma identidade que o leitor pode reconhecer. Dado
o grande nú mero de blogs, um tema central també m pode
ajudar a interaçã o com outros sites e a criaçã o de uma comunidade que se referencia e interage.
Atila Iamarino
99
Um tema que o autor domine e goste aumenta as
chances de o blog ser mantido com frequê ncia e por mais
tempo. Escrever sobre o que se entende serve nã o só para
evitar enganos, mas para acrescentar algo novo e tornar os
textos diferentes de outros sobre o mesmo tema. Traduzir ou
copiar notıćias, alé m de gerar conteú do duplicado e penalizado por buscadores, ainda deixa o blog com textos que poderiam ser lidos em outro lugar. Ainda mais quando ferramentas
sociais permitem o compartilhamento desse tipo de conteú do
sem a necessidade de visitar outros sites.
A linguagem depende do objetivo. Uma linguagem
acessıv́el e imagens ilustrativas sempre ajudam a cativar o
leitor, e textos longos tendem a nã o ser lidos até o final. Posts
curtos com imagens e algumas frases, ou longos, repletos de
comentá rios e fontes, ao final, sã o igualmente relevantes
quando usados para uma determinada finalidade. Tudo
depende do pú blico e do tema que o autor deseja.
O uso de ferramentas de escrita com corretor ortográ fico é essencial. Gramá tica grosseira e errada é uma das formas
mais rá pidas de causar má impressã o no leitor. Revisar o texto
antes de ele ser publicado també m garante que pequenos
erros, que nã o sã o detectados pelo corretor ortográ fico, e o uso
viciado de expressõ es sejam revistos e eliminados.
Independente da linguagem adotada, o autor do blog
precisa se lembrar que a forma de muitos leitores encontrarem
seu site sã o as ferramentas de busca. O uso de tıt́ulos claros,
palavras-chave e etiquetas (tags) relacionadas ao texto ajuda a
torná -lo mais acessıv́el e aumenta as chances de visitantes
seguirem o link. Té cnicas para melhorar buscas (SEO, search
engine optimization) nã o precisam ser entendidas por completo nem seguidas à risca, mas noçõ es sã o bem-vindas e podem
ajudar o site a crescer em visitas.
O uso de multimıd
́ ia pesada, como grandes imagens,
animaçõ es e vıd
́ eos, deve levar em consideraçã o a conexã o do
100
COMO, POR QUE E ONDE CRIAR UM BLOG?
leitor. Sites com muitos recursos podem demorar muito tempo
para serem carregados em computadores com conexã o mais
lenta, ainda mais quando cada vez mais a internet é acessada
em celulares e aparelhos portá teis que dependem de conexã o
limitada em velocidade e trá fego de informaçã o.
Tã o importante quanto o conteú do é a frequê ncia de
atualizaçã o. Escrever um blog pode ser um há bito diá rio ou
mensal, dependendo da disponibilidade e disposiçã o do autor.
Mas atualizaçõ es apenas esporá dicas dificilmente conquistam
leitores fié is, que retornam em busca de mais conteú do. Assim,
ao se planejar o tipo de conteú do e a forma como ele será
tratado, també m é necessá rio pensar no quã o sustentá vel essa
abordagem será ao longo do tempo.
O tempo dedicado é uma questã o delicada, que depende muito do objetivo ao criá -lo. Um blog escrito por lazer
demanda muito menos compromisso do que um com o objetivo comercial, como fonte de renda. Da mesma forma, o tempo
investido na criaçã o dos textos é algo muito variá vel.
Discussõ es longas, com diversas fontes podem facilmente
tomar mais de oito a dez horas de pesquisa e extensas leituras
antes de serem escritos, enquanto posts com relatos ou opiniõ es podem ser escritos em poucos minutos.
POR QUE ESCREVER?
Blogs representam um ó timo canal de comunicaçã o por
aproximarem o leitor e permitirem uma grande interaçã o. Os
comentá rios sã o uma importante forma de troca e discussã o.
Permiti-los e responder a eles ajuda o leitor a se sentir uma
parte importante do que está sendo dito e permite um contato
que nã o é possıv́el em outras formas de mıd
́ ia. Crıt́icas, sugestõ es e opiniõ es transmitidas em comentá rios sã o parte do que
torna os blogs ú nicos.
Atila Iamarino
101
Por outro lado, comentá rios també m podem trazer
graves consequê ncias, especialmente se nã o forem monitorados. Agressõ es e acusaçõ es a terceiros, por mais que nã o
tenham sido escritas pelo autor do blog, podem ser consideradas de responsabilidade dele. E o autor pode ter de responder
juridicamente a isso. Em tempos em que a internet está passando por uma sé rie de reavaliaçõ es sobre segurança e liberdade de opiniã o, é importante monitorar e evitar comentá rios
que, alé m de nã o acrescentarem ao que foi escrito, ainda
podem trazer problemas legais.
A discussã o, a abordagem de temas relevantes e a
conversa com outros autores é o que torna a comunidade de
blogs um meio dinâ mico e envolvente. No caso do ensino, os
blogs podem, inclusive, ser uma ferramenta para estimular os
alunos a escrever e expor o que aprenderam sobre determinado conteú do. Ter um trabalho escolar publicado em um blog,
exposto a comentá rios e divulgaçã o ajuda a valorizar o papel
do professor e motivar o aluno a investir mais tempo e dedicaçã o no que está produzindo, em contraste com um trabalho
que será apenas corrigido pelo professor e devolvido ao aluno.
A conquista dos leitores é algo que depende de vá rios
fatores. Objetivo do blog, tema tratado e tempo sã o determinantes. Blogs educativos com conteú do escolar costumam ser
muito acessados por alunos que querem tirar dú vidas ou que
estejam preparando um trabalho escolar. Sustentabilidade,
saú de e mudanças ambientais sã o temas que estã o sempre em
voga. Poré m, se sã o bastante procurados por leitores, també m
sã o bastante tratados, e um autor que escreva sobre eles tende
a encontrar diversos concorrentes já estabelecidos.
Opiniã o é algo que se pode oferecer de mais original em
blogs. Promover discussõ es sobre temas relevantes, apresentar um ponto de vista iné dito ou inusitado pode ser uma boa
fonte de visitas e de leitores fié is. Polê micas també m costumam ser bastante atraentes, mas podem facilmente polarizar
102
COMO, POR QUE E ONDE CRIAR UM BLOG?
leitores e estigmatizar o autor, restringindo seu alcance.
Novamente, tudo depende do objetivo.
Promover o conteú do em agregadores de links, como o
Ueba (www.ueba.com.br), pode ser outra fonte de acessos. O
sistema dos agregadores é bem simples, basta submeter o link
e uma boa descriçã o, e se o link for escolhido vai para a primeira pá gina do site, que manda as visitas. O fundamental é saber
escolher o tipo de post que vai ser atraente, bem como uma boa
frase ou descriçã o para chamar atençã o. E sempre bom ver
quais sã o os posts mais recomendados para se ter uma noçã o
do que os visitantes mais gostam.
As melhores visitas vê m da interaçã o social. Ler outros
blogs, comentar neles e recomendá -los é uma boa forma de
conhecer vizinhos e receber divulgaçã o. Leitores indicados já
sabem o que vã o encontrar, estã o familiarizados com o formato e sã o mais propensos a ler o conteú do. Visitas vindas de
agregadores e sites de busca tendem a ser mais efê meras e os
internautas costumam ficar menos tempo, enquanto indicaçõ es de blogs similares podem trazer leitores fié is e criar um
senso de comunidade.
Pequenos detalhes, como otimizar os tıt́ulos para que
sejam entendidos por quem nã o vai parar para ler todo o texto,
podem ter grande impacto. Da mesma forma, referenciar
textos antigos em meio a algo novo pode servir para atentar o
leitor a algo que já foi tratado, ou a conteú do que ele nã o
buscaria de outra forma.
ONDE ESCREVER?
Criar um blog nã o precisa ser algo caro ou trabalhoso.
Há diversos serviços de criaçã o e hospedagem grá tis e dois
merecem atençã o especial: o Blogger (blogspot.com) e o
WordPress (wordpress.com). O Blogger, tradicionalmente, é a
Atila Iamarino
103
ferramenta de criaçã o e hospedagem de blogs mais fá cil de
usar. Sua interface é bastante simples e permite que o autor
rapidamente se familiarize. Por outro lado, é mais limitado em
recursos e na possibilidade de modificaçã o visual.
Já o WordPress é uma ferramenta mais completa e rica
em possibilidades, que demanda um pouco mais de tempo
para ser usada por pessoas inexperientes. Ele torna mais fá cil a
migraçã o para uma hospedagem pró pria, paga, depois. Como o
WordPress disponibiliza sua plataforma (WP, wordpress.org)
para sites hospedados por conta pró pria, há uma variedade de
plugins, complementos e ferramentas capazes de interagir
com o WordPress muito maior do que com qualquer outra
plataforma, o que permite aumentar as possibilidades de
como fazer o blog. Há todo tipo de site feito com a plataforma
WP alé m de blogs, de portais institucionais a lojas virtuais,
justamente por sua flexibilidade e grande suporte da comunidade.
A hospedagem pró pria traz algumas vantagens que
podem compensar o preço e o trabalho. O domın
́ io pró prio,
com escolhas entre endereços .org, .com, .com.br, .net e outros,
aumenta as chances de se achar um bom endereço para o blog.
Novamente, tudo depende do objetivo que se quer atingir com
o blog. Se ele for um hobby ou passatempo, um domın
́ io pró prio acaba sendo gasto desnecessá rio. Por outro lado, caso
haja uma finalidade comercial, um domın
́ io pró prio pode ser
imprescindıv́el.
Para sites pequenos, com menos de mil visitas ú nicas
diá rias, há vá rios planos baratos de hospedagem, como
Dreamhost (dreamhost.com) e o Godaddy (godaddy.com), por
menos de R$ 20,00 mensais. Grandes provedores sempre
oferecem instalaçã o automá tica do sistema WP sem precisar
de acesso direto ao servidor, uma grande facilidade para quem
nã o tem familiaridade.
104
COMO, POR QUE E ONDE CRIAR UM BLOG?
Há ferramentas que ajudam na escrita també m.
Programas como o Windows ou o Scribefire (scribefire.com) –
esta é uma ferramenta de navegador e pode ser usada em
qualquer sistema operacional – facilitam muito a escrita e
podem dispensar completamente o uso direto do site da
plataforma que hospeda o blog. També m podem ser ú teis para
os que possuem pouca familiaridade com có digo HTML e
ediçã o de imagens, links e afins.
Ferramentas que monitoram as visitaçõ es, como o
Statcounter (statcounter.com), o Sitemeter (sitemeter.com) e
o Google Analytics (www.google.com/analytics) ajudam a
monitorar que tipo de conteú do é mais acessado, mais lido e
mais buscado. També m podem revelar as maiores fontes de
visitas, buscadores, redes sociais, visitas diretas ou outros
blogs, dando uma noçã o de que meios podem ser mais explorados. Para os mais aficionados em dados e estatıśticas, o Google
Analytics é a ferramenta mais completa e com mais detalhes,
que permite entender desde quais palavras-chave trazem mais
visitas para quais locais, a quais regiõ es do paıś mandam mais
visitas ou qual porçã o dos visitantes é nova ou está retornando.
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇÃO PARA O QUE
VOCÊ DIZ?
Mauro F. Rebelo
Eu tenho uma amiga antropó loga com quem sempre
travei grandes discussõ es sobre ciê ncia. Na é poca das
nossas maiores discussõ es, eu era estudante de
doutorado em Biofıśica na UFRJ e ela, estudante de
mestrado em Medicina Social na UERJ. Ela tinha
começado biologia na Unicamp, mas logo mudou para
a sociologia, especializando-se em antropologia. Faz
muito tempo que nã o a vejo. Ela é inteligentıśsima e
sempre tinha lido um livro novo, assistido a um filme
interessante, e eu aprendia muito, muito com ela. Ela
també m era linda, o que ajudava, apesar de nã o ser
suficiente, para que passá ssemos horas e horas
conversando sobre tantas coisas, tantos assuntos
diferentes. Mas eu, que també m gostava de ler livros e
ver filmes interessantes, també m tinha coisas para
dizer para ela e me surpreendia quando ela se indignava com a minha sugestã o de que determinados
comportamentos da espé cie humana sã o claramente
herdados dos nossos antepassados animais. Eu tinha
mais que uma queda por ela, mas nã o deu certo, mais
de uma vez. Hoje, ela está casada e tem uma filha linda.
Eu nã o sei se ela trabalha na á rea de formaçã o dela, ou
se está ciente dos novos avanços da neurociê ncia, que
tê m tentado unir o comportamento animal e a cultura
dos humanos.
Aposto que você está pensando que foi enganado. Você
viu esse tıt́ulo curioso, esse resumo instigante e... depara, no
primeiro pará grafo, com uma passagem autobiográ fica, quase
106
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
ın
́ tima, sem nenhuma relevâ ncia para o assunto que prometia
ser tratado no artigo. Será ?
A psicologia evolucionista tem mostrado que nada
desperta mais a nossa atençã o do que histó rias sobre a vida
alheia. E, de acordo com a teoria, porque eu contei um pouco da
minha vida eu tive mais a sua atençã o para os aspectos da
discussã o entre “instinto e aprendizado” (nature x nurture) do
que se eu começasse o artigo com uma sın
́ tese das discussõ es
entre Margaret Mead e Derek Freeman.
Se você é professor, tenho certeza que se debateu
diversas vezes em sala de aula com a dificuldade de manter a
atençã o dos seus alunos. Se você nã o é , pode nunca ter notado,
mas nenhuma conversaçã o entre pessoas que se conheçam
bem – sejam elas colegas de trabalho, parentes ou velhos
amigos – se deté m por mais tempo que o necessá rio em tó picos
que estejam relacionados ao comportamento, à s ambiçõ es,
aos motivos, à s falhas de cará ter ou aos casos amorosos dos
membros do grupo. Tanto os presentes quanto (ou principalmente) os ausentes. Em outras palavras, nada desperta mais a
atençã o do que a vida alheia. E por isso que a fofoca é um há bito
universal e as telenovelas sã o a principal forma de entretenimento em todo o mundo.
Este artigo vai mostrar como a evoluçã o pode ter
desenhado o cé rebro humano para prestar mais atençã o à
fofoca e por que você deve usar isso para ensinar seus alunos.
Tanto os alunos presenciais quanto, e principalmente, os
alunos à distâ ncia.
COMPORTAMENTO GENETICO
O grande bió logo Bertrand Jordan (2005, p. 94) diz que:
Afirmar que nosso comportamento social é determinado por essa herança bioló gica (genes do comporta-
Mauro F. Rebelo
107
mento) é absurdo: estamos evidentemente muito
longe do estado de natureza. Sustentar que a cultura, a
fé religiosa ou a virtude dialé tica apagaram todo
vestıǵio desse passado ainda pró ximo é , no mın
́ imo,
tã o absurdo quanto!
“Nossos impulsos reprimidos sã o tã o humanos quanto
as forças que os reprimem.” (SYMONS, 1987, p. 266).
Se você nã o acredita que a evoluçã o seja capaz de
desenvolver instintos e comportamentos que sã o herdá veis de
pais para filhos, nunca teve um(a) namorado(a). Ao longo do
tempo evolutivo, homens e mulheres estiveram submetidos a
diferentes pressõ es seletivas, por conta, principalmente, de
uma caracterıśtica marcante nos mamıf́eros, que é a divisã o
sexual do trabalho. Essa divisã o sempre foi mais marcada nos
humanos, em que os machos caçavam e lutavam disputando
ascensã o na hierarquia social, enquanto as fê meas catavam
frutos, sementes e raıźes, alé m de cuidar dos filhotes.
Pode ser clichê , mas nem por isso é menos fatual. A
neurociê ncia comprovou muitas diferenças nos cé rebros de
homens e mulheres. A visã o de profundidade é mais acentuada
nos homens, enquanto o campo visual é maior nas mulheres.
As habilidades espaciais e matemá ticas dos homens comparadas à s habilidades comunicativas e linguıśticas das mulheres.
E isso influencia o comportamento. Nã o é porque foram
condicionadas que as meninas preferem bonecas e os meninos
preferem carrinhos, as meninas, a cor-de-rosa e os meninos, o
azul. Desde os primeiros dias de vida, as meninas estã o mais
interessadas em sorrir, em comunicar e em pessoas, em
contrapartida, os meninos, em açã o e em coisas. E nó s é que
inventamos brinquedos que se adaptam à s preferê ncias
preestabelecidas de cada sexo (bonecas e bolas de futebol). A
indú stria de brinquedos, que está preocupada com os lucros
de vendas e nã o com as teorias antropoló gicas, sabe muito
bem disso. Mas os professores... insistem em tratar, na escola,
meninos e meninas como iguais.
108
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
Na escola, os meninos sã o inquietos, desatentos, com
uma aprendizagem lenta e difıćil se comparada à s
meninas. Dezenove em cada vinte crianças hiperativas
sã o meninos. Quatro vezes mais meninos do que
meninas sã o dislé xicos e tê m deficiê ncia de aprendizagem. A educaçã o é quase uma conspiraçã o contra as
aptidõ es e inclinaçõ es de um menino. (MCGUINESS E
PRIBRAM, 1979 apud RIDLEY, 1993, p. 257).
Eu, como menino, bato palmas para ela. Para corroborar o relato, lembro-me da personagem Sofia, do filme francê s
homô nimo, uma criança em situaçã o de risco cuja ú nica
disciplina que conseguia se interessar na escola era histó ria
porque “falava de pessoas”.
Os conflitos que deixavam a minha amiga antropó loga
angustiada, e que estã o tã o bem refletidos na citaçã o de
Bertran Jordan, acontecem porque nossa cultura e tecnologia
evoluıŕam mais rá pido do que o nosso cé rebro. Na verdade, do
que nossos instintos. Somos uma mente do Holoceno em um
cé rebro do Pleistoceno. Na escala de tempo geoló gico, o
Holoceno é a é poca (do perıo
́ do Quaterná rio da era Cenozoica)
que se iniciou há cerca de 11,5 mil anos e se estende até o
presente. O Pleistoceno é a é poca anterior, que vai de um
milhã o a cerca de 11,5 mil anos atrá s.
Durante o perıo
́ do Pleistoceno, na Africa, para serem
bons caçadores, os homens desenvolveram habilidades
espaciais, como jogar armas em alvos em movimento, fazer
ferramentas, encontrar o caminho de volta para casa. Já as
mulheres, para encontrar raıźes, cogumelos, bagas e plantas,
precisavam ter uma percepçã o maior e mais detalhada do seu
entorno. Enquanto os homens procuravam coisas mó veis,
distantes e imprevisıv́eis (geralmente carne), as mulheres,
enquanto cuidavam das crianças, buscavam coisas está ticas,
pró ximas e previsıv́eis (normalmente plantas). Apesar da
cultura e tecnologia, de lá para cá , pouca coisa, ou nada,
mudou.
Mauro F. Rebelo
109
Se colocarmos homens e mulheres sentados em uma
sala de espera por trê s minutos e depois pedirmos para descreverem o ambiente, as mulheres se saem de 60 a 70%
melhor do que os homens. Em todas as medidas de memó ria:
de objetos e locais (SILVERMAN E EALS, 1992). Sã o habilidades sociais adquiridas no Pleistoceno e, acreditem em mim,
sã o difıćeis de perder.
Mas existem outras. As mulheres sempre dependeram
mais das suas habilidades sociais para resolver disputas do
que os homens, os quais podiam sempre apelar para a violê ncia. Elas dependiam dessas habilidades para fazer aliados
dentro da tribo, convencer homens a ajudá -las e julgar o
cará ter de potenciais companheiros. Na verdade, a necessidade de julgar o cará ter era tã o grande que seus cé rebros se
tornaram especializados nisso.
A ló gica dos cé rebros diferentes para homens e mulheres é impecá vel, e o corpo de evidê ncias cientıf́icas, enorme.
Mas a diferença em si nã o é o que eu quero colocar. Se existe
uma diferença de preferê ncias e de comportamento entre
homens e mulheres que é inata – gené tica, se preferirem –, as
quais sã o difıćeis de contestar (especialmente à luz da ausê ncia de evidê ncia em contrá rio), entã o podemos concluir, para
fins de continuarmos neste artigo, que comportamentos
podem ser determinados geneticamente. E herdados, nã o só
de pai para filho, mas difundidos por toda uma espé cie.
A verdade é que a cultura raramente combate os instintos, pelo contrá rio, ela os reforça. Se um comportamento é
selecionado geneticamente, entã o nó s nã o temos opçã o:
seremos influenciados por ele e teremos preferê ncia por
aquilo que evolutivamente foi bom para nó s.
110
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
A EVOLUÇAO DO CEREBRO: O QUE E E O QUE NAO E PARA
APRENDER?
O que fez o nosso cé rebro crescer a partir do Pleistoceno? As primeiras ferramentas de pedra, do tipo Oldowan (ou
Olduvai), foram produzidas pelo Homo habilis, há cerca de 2,5
milhõ es de anos na Etió pia, e eram de pedras lascadas. Elas
eram tã o fá ceis de fazer que até mesmo macacos podiam fazê -las. E faziam. Nos anos de 1960, foi descoberta a capacidade
de animais, especialmente os chimpanzé s, fazerem e usarem
ferramentas. E o Homo sapiens perdeu o seu lugar de destaque
como o ú nico construtor de utensıĺios.
Se você tem, como eu, mais de 40 anos, já deve ter
assistido a algum episó dio de “O mundo animal”. Eram os
predecessores dos programas do Discovery Channel e do
National Geographic. Nesses filmes, podı́amos ver leõ es
caçando zebras no Parque Nacional de Serengeti, na Tanzâ nia,
e o que vıámos eram animais há beis em perseguir, espreitar,
emboscar, cooperar e enganar as suas presas, cuidadosamente, como qualquer grupo de seres humanos jamais poderia. E
isso tudo sem precisar també m de grandes cé rebros.
A cultura també m nã o é exclusiva dos humanos.
Qualquer onıv́oro da planı́cie africana precisava aprender
sobre plantas e raıźes. Os babuın
́ os sabiam onde forragear, e
em que momento, e se poderiam comer lacraias e cobras.
Chimpanzé s sã o capazes de procurar a planta em especial
cujas folhas podem curá -los de infecçõ es por vermes. E passam
de geraçã o a geraçã o tradiçõ es sobre como quebrar nozes.
O que essas coisas tê m em comum? Elas podem ser
aprendidas por mera repetiçã o. Sem a necessidade de uma
comunicaçã o complexa.
A natureza nã o era uma adversá ria muito difıćil para
uma mente inteligente. Os desafios apresentados por ferra-
Mauro F. Rebelo
111
mentas de pedra ou tubé rculos sã o previsıv́eis. Geraçã o apó s
geraçã o, lascar um instrumento fora de um bloco de pedra ou
saber onde procurar tubé rculos requeria o mesmo nıv́el de
habilidade. E com a experiê ncia, ficavam mais fá ceis. E um
pouco como aprender a andar de bicicleta: depois que você
aprende, é fá cil, se torna natural e até “inconsciente”. E nenhuma dessas habilidades pode ser atribuı́da apenas a seres
humanos.
Entã o, qual teria sido a força motriz para o aumento do
cé rebro?
As coisas de que nó s somos conscientes sã o, na maior
parte, eventos mentais que concernem açõ es sociais.
Nó s nã o tomamos consciê ncia de como nó s vemos,
andamos, batemos numa bola de tê nis, ou escrevemos
uma palavra. Como uma hierarquia militar, a consciê ncia opera numa polıt́ica de “saiba apenas o que você
precisa saber”. E eu nã o consigo pensar em nenhuma
exceçã o à regra de que nó s tomamos consciê ncia
daquilo que é possıv́el relatar aos outros e somos
inconscientes daquilo que nã o é (BARLOW, 1990 apud
RIDLEY, 1993, p. 330).
A questã o é simples: se algo é muito previsıv́el, entã o
pode se tornar inconsciente. E se é inconsciente, é melhor
termos um instinto, uma á rea no cé rebro já preparada para
responder automaticamente do que termos de processar essa
mesma informaçã o toda vez que ela for necessá ria. E assim é .
Um menino de cidade grande aprende mais rá pido a ter medo
de cobras do que de carros, apesar de os carros representarem,
para ele, um perigo muito maior do que as cobras. Isso porque
seus cé rebros estã o predispostos ao medo de cobras, que
tivemos de temer por mais de milhõ es de anos.
Para Cosmides e Tooby (1992), nosso cé rebro é composto de mó dulos que funcionam como os ó rgã os do nosso
corpo: cada um é responsá vel por uma tarefa relacionada ao
112
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
mundo natural. Existem á reas especializadas, na nossa mente,
para reconhecer rostos, ler emoçõ es, ser generoso com os
filhos, ser atraıd
́ o por alguns membros do sexo oposto, inferir
o humor das pessoas, deduzir significado semâ ntico, adquirir
a gramá tica, interpretar situaçõ es sociais, perceber como deve
ser uma ferramenta para que sirva a um determinado trabalho, calcular os encargos sociais de nossas açõ es, e assim por
diante. Assim como os gatos, assumimos que qualquer objeto
que se mova sozinho é um animal. E ainda que vivamos em um
mundo infestado de má quinas que tenham essa habilidade,
essa é uma coisa que desaprendemos apenas parcialmente e
com dificuldade. Esses sã o apenas alguns exemplos de que
muitos dos instintos em nossas cabeças continuam acreditando que ainda estamos no Pleistoceno, em um mundo sem
carros.
Assim como o medo de cobras, esses instintos sã o
provavelmente tã o bem desenvolvidos nos macacos como nas
pessoas. Se a aprendizagem realmente substitui os instintos
em vez de melhorá -los, entã o passarıámos metade da nossa
vida reaprendendo as coisas que os macacos já nascem sabendo. E verdade, nó s aprendemos muito mais do que os macacos.
Aprendemos matemá tica e vocabulá rio de dezenas de milhares de palavras. Mas isso é porque nó s temos instintos a mais
(para aprender essas coisas), e nã o porque temos instintos a
menos que macacos, morcegos, camundongos...
Para Matt Ridley (1993),
desde Descartes, o estudo da mente tem sido dominado por uma praga dicotô mica de aprendizagem vs.
instinto, natureza vs. criaçã o, genes vs. ambiente, inato
vs. adquirido, natureza humana vs. cultura humana.
Mas o cé rebro é uma má quina complexa e a ideia que
tenha instintos para aprender coisas de uma só vez
acaba com a ideia de que, por ser flexıv́el, o comportamento seja sempre cultural.
Mauro F. Rebelo
113
Nosso cé rebro cresceu para poder armazenar mais
instintos que nos ajudariam a lidar com uma situaçã o muito
mais complicada do que o ambiente: as outras pessoas.
POR QUE NOS SOMOS INTELIGENTES?
Nosso cé rebro é bastante econô mico e funciona com
menos de 22W de potê ncia. Muito menos que o seu chuveiro
elé trico. Mas, ainda assim, ele consome 18% da energia que
gastamos em um dia.
A sé rie de coincidê ncias evolutivas que levou o homem,
e nenhum outro primata, a desenvolver a inteligê ncia está
relacionada à neotenia: a capacidade de os adultos de uma
espé cie se parecerem com os jovens. A neotenia era interessante por diversas razõ es, que nã o cabem discutir aqui, mas
sobre as quais você pode se informar em Ridley (1993), e,
associada à maturidade sexual tardia, resultou em humanos
adultos com um cé rebro excepcionalmente grande para um
primata.
Os filó sofos sempre assumiram que a inteligê ncia e a
consciê ncia eram coisas boas, mas nunca sequer pensaram em
formular a pergunta mais ó bvia de todas: por quê ?
Foi Richard Alexander (1974) que propô s que o elemento-chave no meio ambiente humano que recompensava a
inteligê ncia era a presença de outros seres humanos. Os
humanos competiam com eles mesmos, mais que com qualquer outra espé cie ou condiçã o ambiental. Geraçã o apó s
geraçã o, se a sua linhagem está ficando mais inteligente, a
linhagem do seu vizinho també m está .
Os humanos tornaram-se ecologicamente dominantes
em virtude das suas habilidades té cnicas, e isso fez do
homem (alé m de parasitas) o ú nico inimigo do
114
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
homem. Só os seres humanos poderiam fornecer o
desafio necessá rio para explicar sua pró pria evoluçã o
(ALEXANDER, 1974, apud RIDLEY, 1993, p. 330).
Como Pinker e Bloom (1992 apud RIDLEY, 1993, p.
332) colocaram,
a interaçã o com um organismo de aproximadamente
iguais capacidades mentais, cujos motivos sã o, por
vezes, claramente malé volos, se torna uma pressã o
seletiva e crescente sobre a cogniçã o. E como diz o
ditado anô nimo: “A gazela nã o precisa correr mais que
as leoas. Precisa correr mais que as outras gazelas”.
Ridley (1993, p. 331) afirma que os humanos usam o
seu intelecto principalmente em situaçõ es sociais:
O jogo da trama social, da conspiraçã o e contraconspiraçã o, assim como um jogo de xadrez, nã o pode ser
jogado apenas com base no conhecimento acumulado.
Assim, uma pessoa deve calcular as consequê ncias de
seu comportamento e especular sobre as alternativas
de resposta dos outros. Para isso, ela precisa, primeiro,
de, pelo menos, uma ideia de seus pró prios motivos
para poder supor e adivinhar o que está se passando
na cabeça das outras pessoas, em situaçõ es semelhantes. E prová vel que essa necessidade de autoconhecimento tenha levado ao aumento da percepçã o
consciente. Fique atento ao que acontece com os
outros e como eles respondem, porque pode acontecer
com você també m, ou pode ser ú til algum dia.
Se Cosmides e Tooby (1992), que eu mencionei há
pouco, estã o corretos sobre nó s possuirmos mó dulos mentais
para cada tarefa, para cada instinto, entã o um dos mó dulos que
foram selecionados para aumentar de tamanho com o aumento do cé rebro foi o mó dulo da “teoria da mente”. Aquele que nos
Mauro F. Rebelo
115
permite formar uma opiniã o sobre o pensamento dos outros.
Juntamente com outro mó dulo que nos permitiria expressar
esses pensamentos.
Entã o a resposta para a minha pergunta do inıćio da
seçã o é que o nosso cé rebro do Pleistoceno evoluiu para
responder a duas perguntas: o que eu faria se estivesse no
lugar dele e o que será que ele vai fazer agora?
O MODULO DA LINGUAGEM
A atençã o dirige a cogniçã o para a consciê ncia, onde
ela se torna sujeita à formulaçã o verbal e à concepçã o
do relato ao outro (CROOK, 1991 apud RIDLEY, 1993,
p. 332).
A linguagem é a mais recente das nossas habilidades
mentais. E també m, ou talvez por isso, a mais humana, aquela
que mais nos diferencia dos outros primatas. A linguagem
parece entrar no cé rebro como uma invasã o bá rbara, tomando
o lugar de outras habilidades, lugares que simplesmente
estavam vagos ou ociosos. Veja o texto “Quando o homem
começou a falar?”, no blog “Você Que E Bió logo...”, em
http://scienceblogs.com.br/vqeb/ 2007/05/quando-ohomem-comecou-a-falar.php.
Crianças conseguem inferir regras gramaticais mesmo
sem nenhuma instruçã o, uma tarefa que o mais moderno dos
computadores é incapaz de realizar (sem nenhum conhecimento pré vio). As crianças també m aprendem a falar independentemente do estım
́ ulo que elas recebem para isso. E desde
um ano e meio até os 11 anos de idade, elas tê m grande curiosidade para lın
́ guas e as aprendem com muito mais facilidade
que os adultos. Geralmente, nã o precisam ter a gramá tica das
lın
́ guas que falam e ouvem ensinada, simplesmente a adivinham. Elas constantemente generalizam regras, extrapolando
116
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
e desafiando os exemplos que ouvem (coisas como “a gente
damos”). Crianças aprendem a falar do mesmo jeito que
aprendem a ver: adicionando plasticidade a um cé rebro que
insiste em aplicar regras predeterminadas.
O famoso linguista Noam Chomsky e outros pesquisadores vê m demonstrando que a linguagem, longe de ser um
subproduto de um cé rebro grande, é um dos recursos mais
bem concebidos dele. E um mecanismo com um padrã o muito
especıf́ico que se desenvolve nas crianças mesmo sem que elas
recebam nenhuma instruçã o. Para Pinker e Bloom (1992 apud
RIDLEY, 1993, p. 328),
a linguagem é um projeto instituı́do em circuitos
neurais como uma resposta à evoluçã o. Algumas
estruturas sintá ticas da linguagem sã o como circuitos
de um chip de computador. Um exemplo sã o as oraçõ es
subordinadas, sem as quais é impossıv́el até mesmo
escrever/contar a histó ria mais simples.
Faz uma grande diferença se uma regiã o distante pode
ser alcançada tomando o caminho que está na frente
da á rvore grande ou o caminho em que a grande á rvore
está na frente. Faz uma grande diferença se essa regiã o
tem animais que você pode comer ou animais que
podem comer você .
Outra evidê ncia é que a maior parte dos linguistas
atuais concorda com Chomsky (1995), o qual diz existir uma
“estrutura profunda” que é universal para todas as lın
́ guas e
que é programada no cé rebro e nã o aprendida. Todas as
gramá ticas usam, por exemplo, a ordem das palavras ou a
inflexã o para determinar se um substantivo é um objeto ou um
sujeito. A razã o é que, como todos nó s temos o coraçã o para
bombear sangue e os pulmõ es para respirar, todos temos o
mesmo “ó rgã o da linguagem” no cé rebro.
E por isso podemos até dizer que está nos nossos genes.
Mas, ainda assim, ela pode sofrer toda a plasticidade da apren-
Mauro F. Rebelo
117
dizagem de vocabulá rio. E incrıv́el. A habilidade para aprender
uma linguagem, assim como grande parte das funçõ es do
nosso cé rebro, é um instinto para aprender.
A linguagem é gené tica, no sentido que existem instruçõ es para a montagem de um aparelho de aquisiçã o de linguagem durante a construçã o do corpo humano, mas també m é
cultural, no sentido que o vocabulá rio e a sintaxe de uma lın
́ gua
sã o arbitrariamente aprendidos. E, por fim, sã o desenvolvidos,
já que essa capacidade cresce com o tempo depois do nascimento e se “alimenta” dos exemplos à sua volta.
Talvez o que nos diferencie mais dos animais é que nó s
combinamos instintos e aprendizagem. Todos os nossos
instintos sã o inevitá veis, nenhum é insuperá vel. Somos uma
mistura de ambos. Uma mistura intrın
́ seca e flexıv́el de ambos.
Somos o produto de genes que se desenvolvem e sã o calibrados pela experiê ncia. E a principal delas é falar da vida dos
outros.
Está na revista “Caras”: 2 bilhõ es de noveleiros.
Se o nosso cé rebro do Pleistoceno evoluiu para responder a duas perguntas – o que eu faria se estivesse no lugar dele
e o que será que ele vai fazer agora? –, entã o, nada melhor do
que a fofoca para nos ensinar sobre a vida alheia.
E se você procurar, vai encontrar muita evidê ncia disso.
A fofoca é um há bito humano universal. Independentemente
de paıś, raça, cultura ou religiã o. A revista Caras, um ıćone da
fofoca que trata da vida privada e profissional de celebridades,
é vendida em cinco paıśes e em trê s continentes diferentes. Em
1991, quando foi criada na Argentina, se tornou a nú mero um
em vendas em apenas um trimestre, alcançando as mesmas
marcas um ano depois no Brasil e quatro anos depois em
Portugal. Mas o maior exemplo da afinidade dos seres humanos pela fofoca sã o as novelas. Elas sã o a maior forma de
entretenimento em todo o mundo, para todas as culturas.
118
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
De acordo com a diretoria comercial da Rede Globo, a
maior produtora de novela do Brasil, “a novela faz parte do
cotidiano de 29 milhõ es de pessoas. Poucos programas no
mundo conseguem concentrar tantos espectadores”. De
acordo com a mesma fonte, o Brasil tem 50,5 milhõ es de lares
com TV. Do total de pessoas que utilizam a TV como meio para
entretenimento, distraçã o, informaçã o ou simplesmente como
companhia, 70% assistem à novela. Mas nã o é só no Brasil. De
acordo com Mauro de Alencar, doutor em Teledramaturgia e
autor do livro “A Hollywood Brasileira”, os folhetins movimentam atualmente US$ 70 bilhõ es por ano e alcançam uma
plateia de 2 bilhõ es de pessoas pelo planeta. No Brasil, a novela
de maior sucesso de todos os tempos foi “Roque Santeiro”
(1985 – Globo) com a mais alta audiê ncia na histó ria da TV,
com 67 pontos de Ibope. No Mé xico – o maior produtor de
novelas do mundo –, em 1º lugar está “El Privilé gio de Amar”
(1999 – Televisa), com 34,8 pontos. A telenovela “Da Cor do
Pecado” (2004 – Globo) é a campeã de pú blico, tendo sido
assistida em mais de cem paıśes.
E o que falar do fenô meno “Big Brother” (O grande
irmã o)? O programa foi criado em 1999 pela produtora holandesa Endemol, com nome inspirado no livro “1984”, do escritor
inglê s George Orwell. No livro “1984”, o lıd
́ er de um paıś fictıćio
vigia a populaçã o por meio de câ meras posicionadas em todos
os lugares, chamado de O grande irmã o: Big Brother. O livro foi
um grande sucesso, tendo també m sido transformado em
filme.
O reality show reú ne pessoas anô nimas numa casa onde
os ambientes tê m câ meras e microfones ligados durante as 24
horas do dia, por um perıo
́ do de até cem dias, e se tornou um
sucesso em todo o mundo. Até o ano de 2008, já havia sido
exibido em 51 paıśes, distribuıd
́ os pelos cinco continentes (39
paıśes com versõ es pró prias e 12 paıśes africanos reproduzindo a versã o sul-africana). O grande diferencial dos reality
shows é o uso da tecnologia para permitir a interaçã o do
Mauro F. Rebelo
119
pú blico com os protagonistas por meio do telefone e da internet. Ele ainda perde para as novelas, mas, no futuro, pode se
tornar a forma de entretenimento dominante.
O que há de comum entre todos esses tipos de entretenimento é que todos falam da mesma coisa: a vida dos outros.
Mesmo quando disfarçadas de histó ria ou aventura. Nó s
somos obcecados com as mentes uns dos outros. “A nossa
psicologia intuitiva do bom-senso supera em muito qualquer
psicologia cientı́fica em termos de amplitude e acurá cia”,
escreveu Symons (1987).
Barlow (1987) diz que as grandes mentes literá rias
sã o, quase por definiçã o, grandes leitores de pensamento.
Shakespeare era um psicó logo muito melhor que Freud. E
Jane Austen era uma soció loga muito melhor do que
Durkheim. Se você quiser compreender os motivos humanos,
leia Shakespeare, e nã o Freud. Leia Vinı́cius de Moraes e
Mario Quintana, em vez de Maria Rita Kehl.
Nó s somos inteligentes porque somos psicó logos
inatos. E como somos!
TESTE DE WASON
A linguagem evoluiu principalmente para podermos
manipular uns aos outros, e nã o apenas para transferir informaçã o. Um pá ssaro canta eloquentemente, e por um longo
perıo
́ do de tempo, para convencer uma fê mea a se acasalar
com ele ou para manter um rival afastado de seu territó rio. Se
ele quisesse apenas transmitir informaçõ es, a melodia poderia
ser bem menos elaborada.
A comunicaçã o animal é muito mais parecida com a
propaganda e marketing dos humanos do que com os quadros
de aviso das companhias aé reas. Mesmo a comunicaçã o
mutuamente bené fica, entre mã e e filho, é pura manipulaçã o
120
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
(como toda mã e que já foi acordada no meio da noite por uma
criança aos berros, desesperada apenas por companhia, sabe).
Quando os cientistas começaram a pensar a comunicaçã o
dessa forma, eles olharam para a vida social dos animais sob
uma luz inteiramente nova.
Uma forma de demonstrar esse fato, que pode soar um
tanto quanto chauvinista para algumas pessoas, é por meio de
um teste ló gico chamado “Teste de Wason”. Este exemplo eu
busquei no Wikipedia:
Imagine que temos quatro cartas sobre a mesa. A ú nica
informaçã o que você tem é que as cartas possuem em um dos
lados uma letra e, do outro, um nú mero. As cartas poderiam
ser: A – N – 4 – 7.
Quantas cartas, e quais, você precisaria virar para
confirmar a afirmaçã o: cartas com vogais de um lado possuem
nú meros pares do outro lado?
Antes de eu dar a resposta, vamos tentar de outra
forma: imagine que você é o dono de um bar e a lei nã o permite
que menores de 18 anos consumam á lcool. Quatro homens
que você nã o conhece estã o bebendo em uma mesa quando
entra a fiscalizaçã o. Você se aproxima da mesa e repara em: um
aposentado bebendo cerveja, uma criança bebendo alguma
coisa que você nã o consegue identificar, um homem, cuja idade
você nã o consegue identificar, bebendo cerveja, e um homem,
cuja idade você nã o consegue identificar, bebendo suco de
laranja. Para quantos homens, e quais, você precisa perguntar
o que estã o bebendo e evitar assim uma multa?
A resposta da primeira alternativa é cartas A e 7; e da
segunda alternativa, para o homem de idade desconhecida
bebendo cerveja e para a criança com a bebida desconhecida.
Nã o posso ter certeza, mas, baseado nos estudos que foram
feitos até hoje, apesar de o problema ser exatamente o mesmo,
você deve ter achado muito mais fá cil de compreender, e até
acertado, na segunda alternativa.
Mauro F. Rebelo
121
A razã o pela qual um problema ló gico era mais fá cil de
ser compreendido pelas pessoas quando apresentado com
contexto e histó ria, e nã o apenas como um quebra-cabeças,
sempre foi um desafio para os psicó logos.
Mas Leda Cosmides (1989) e Gerd Gigerenzer
(GIGERENZER E HUG, 1992) parecem ter resolvido o enigma.
Se a regra a ser aplicada nã o é um contrato social, o problema é
difıćil, por mais simples que seja a sua ló gica, mas caso se trate
de um contrato social, entã o é fá cil.
Por meio de uma longa sé rie de experimentos, os
autores provaram que as pessoas simplesmente nã o tratam
esses enigmas como testes ló gicos, mas sim como contratos
sociais. E entã o buscam por trapaceiros (no caso, quem estava
bebendo cerveja contra a lei). A mente humana pode muito
bem nã o ser adequada para a ló gica, mas é muito bem preparada para julgar a imparcialidade de acordos sociais e a sinceridade das interaçõ es sociais. Vivemos em um mundo maquiavé lico e cheio de pessoas desconfiadas.
ONDE ESTA O ALUNO?
Se você é professor, ou aluno, deve ter percebido uma
coisa ultimamente: as salas de aula estã o vazias. Quando o
professor é exigente com assiduidade e pontualidade e faz
chamada, a sala pode até estar cheia, mas as mentes estã o
vazias. E quando ele é muito exigente na prova, os olhos até
ficam grudados no quadro-negro, aquele artefato antigo, ou no
projetor multimıd
́ ia, e os cadernos podem até estar cheios de
anotaçõ es, mas as mentes continuam vazias. De um jeito ou de
outro, as salas de aulas estã o vazias, e isso é um perigo.
Minha hipó tese é que mesmo os professores novos, que
usam ferramentas tecnoló gicas, nã o conseguem chamar
atençã o dos alunos, dispersos em um mundo saturado de
122
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
informaçã o. Você já ouviu aquela pará bola do professor que
adormeceu há 200 anos e, quando acordou, encontrou a
escola... exatamente igual? Pois é , a escola, em termos de
ensino, continua chata.
Esse fenô meno observado, principalmente no ensino
presencial, tem sido desafiado por diversas iniciativas. A
escritora Sonia Rodrigues criou um mé todo e um portal para
ensinar Fıśica para alunos em situaçã o de risco social com base
no modelo narrativo. Em um artigo recente, Rodrigues (2010)
discute por que e como o modelo narrativo pode ajudar o aluno
a escrever melhor. Ou o Projeto Nave (Nú cleo Avançado em
Educaçã o) do Oi Futuro, coordenado por Samara Werner, que
usa videogame, celular e todas aquelas outras coisas que
deixam normalmente os professores em pâ nico, dentro da
sala, em favor da educaçã o. Mas talvez a iniciativa mais abrangente e mais imediata seja a de Cristine Barreto, coordenadora
do Nú cleo de Produçã o do Material Didá tico impresso para
educaçã o a distâ ncia do MEC.
Um professor pode colocar tudo dentro do material
didá tico impresso, mas nã o pode, ele mesmo, ir junto
com o livro. O mais difıćil para o professor é se colocar
dentro do material. Usar uma linguagem mais pessoal,
até afetiva. E isso é o que é mais importante para os
alunos vencerem o obstá culo da distâ ncia fı́sica e
emocional, que tanto ajudam na aprendizagem, diz
Barreto (2007, p. 15).
Conheça o “Almanaque da rede” (www.almanaquedarede. com.br) e o “Sei mais Fıśica” (www.seimaisfisica.com.br),
de Sonia Rodrigues, e o Projeto Nave (www.nave.org.br), do Oi
Futuro, coordenado por Samara Werner.
Mauro F. Rebelo
123
LINGUAGEM PESSOAL E AFETIVA
A principal dificuldade dos docentes para usar uma
linguagem mais pró xima ao aluno é saber o tê nue limite entre
o pró ximo e o ın
́ timo, o claro e o infantilizado, o informal e o
coloquial. No curso de Planejamento e Elaboraçã o de Materiais
Didá ticos impressos para EAD, do Laborató rio de Novas
Tecnologias de Ensino da UFF, Universidade Federal Fluminense, dois exercıćios exemplificam o equilıb
́ rio entre todas
essas alternativas para que o texto resulte, acima de tudo,
objetivo, preciso e coeso. Qual opçã o abaixo você acha que
deveria ser usada, por exemplo, para a definiçã o de á gua?
A) A á gua é uma substâ ncia quım
́ ica formada por duas
molé culas de hidrogê nio e uma de oxigê nio e possuidora de
propriedades fı́sicas peculiares. E uma substâ ncia incolor,
inodora e insıp
́ ida.
B) A á gua é o habitat de colô nias de micro-organismos
que se multiplicam em seu meio, dadas as circunstâ ncias
adequadas à vida desses e de outros ecossistemas que se
interligam à quele.
C) Você já pensou o que dizer se algué m te perguntasse
o que é á gua? Com certeza, você sabe o que é , mas explicar o
seu significado nã o é tã o simples assim, concorda? Certamente, você dirá que nã o tem cheiro, cor ou gosto e todo mundo
gosta de beber. Num dia de calor, nada melhor que um copo
dela gelada.
D) Aı́ galera, a á gua é aquela parada que sai da torneira,
nã o fede nem cheira, nem tem gosto e cor. Lava tudo, menos
lın
́ gua de fofoqueiro.
E) A á gua é um elemento mıt́ico grego que, do ponto de
vista semió tico, por sua caracterıśtica iconográ fica, simboliza
a fecundidade, tendo por funçã o referencial a fluidez.
Antes que você tenha dú vidas, a resposta correta é a C.
124
TI-TI-TI – COMO CHAMAR ATENÇAO PARA O QUE VOCE DIZ?
INCLUINDO O LEITOR NO TEXTO
Neste divertido trecho, Mulkay (1985) escreve um
diá logo fictıćio entre ele e o leitor, no meio do pró prio texto. E
um excelente exemplo de como podemos usar a linguagem
para despertar atençã o e criar proximidade com o aluno:
Eu gostaria que você estivesse aqui comigo no meu
estudo, caro leitor, enquanto eu procuro por palavras
para introduzir esse volume para você . Seria muito
mais fá cil se nó s pudé ssemos falar, porque, falando, eu
poderia responder qualquer questã o que você quisesse perguntar e providenciar uma introduçã o desenhada especificamente para você . Um problema da palavra falada é que ela compromete você irrevogavelmente com uma sequê ncia especıf́ica de palavras, quando
tantos textos sã o sempre possıv́eis e tantos sã o sempre
necessá rios... Infelizmente, eu estou condenado a
depender de uma introduçã o que tenha a forma de um
monó logo... Claro, o monó logo escrito tem algumas
vantagens... Eu poderei deixar bem claro sobre o que
trata este livro. Claro, o monó logo confere certa
autoridade interpretativa ao seu autor. Quanto mais eu
penso sobre isso...
— Mas se você precisa de mim, por que nã o me convida
para o texto?
— Mas quem disse isso?
— Eu disse. Se você quer um diá logo em vez de um
monó logo, por que você nã o convida um potencial
leitor para conversar com ele?
— Mas eu nã o posso fazer isso. Esse é um estudo
acadê mico sé rio, e nã o um conto de fadas!
Os autores de livros começam a perceber e tirar proveito das fofocas para o ensino. Os primeiros, e talvez os principais, foram os professores de histó ria. Talvez porque, como
disse “Sofia”, a histó ria “fala de pessoas”. Fazer fofoca com
Mauro F. Rebelo
125
nú meros deve ser mais difıćil. Primeiro foi Fernando Novaes,
que, em 1997, lançou o primeiro de quatro volumes sobre a
“Histó ria da vida privada no Brasil”, em que eram contadas as
histó rias do cotidiano dos portugueses e brasileiros da
Amé rica portuguesa. No ano seguinte, 1998, à s vé speras das
comemoraçõ es pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil, o
jornalista Eduardo Bueno lançou a Coleçã o “Terra Brasilis”,
com cinco livros sobre Histó ria do Brasil, voltada para leigos.
Os trê s primeiros tıt́ulos “A viagem do descobrimento” (1998);
“Ná ufragos, traficantes e degredados” (1998) e “Capitã es do
Brasil” (1999) venderam, em menos de dez anos, mais de 500
mil exemplares. Finalmente, em 2009, Angela Dutra de
Menezes lançou o livro “O portuguê s que nos pariu”, que faz
uma viagem “Candinha” aos nossos antepassados, conquistando o pú blico e ficando meses na lista dos mais vendidos.
O Brasil possui em torno de 15 milhõ es de jovens fora
do sistema escolar e, se hoje houvesse uma forma de matricular todos esses alunos, nã o terıámos professores suficientes
para formar todos eles. Mas, mais do que mais professores,
precisamos de professores qualificados para lidar com jovens,
muitas vezes, mais familiarizados com a tecnologia do que os
pró prios docentes. Eles nã o precisam competir com as tecnologias e certamente podem usá -las a seu favor na sala de aula.
Para disputar com todas as outras fontes de informaçã o, ou
apenas de distraçã o, as quais os alunos estã o submetidos o
tempo todo, em todos os lugares, a ferramenta é bem mais
antiga, testada e aprovada por milhares de anos de seleçã o
natural: “Deixa eu te contar o que eu ouvi agora há pouco…”.
REFERENCIAS
ALENCASTRO, L. F.; NOVAIS, F. A. (eds). 1997. Histó ria da vida
privada no Brasil – O Império: a corte e a modernidade nacional. v.2. Companhia das Letras. Rio de Janeiro. 560 pp.
126
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_____. 1990. How did humans evolve? Reflections on the
uniquely unique species. University of Michigan. Museum of
Zoology Special Publication 1:1-38.
BARLOW, H. B. 1987. The biological role of consciousness. In:
BLAKEMORE C.; GREENFIELD S. (eds). Mindwaves. Basil
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3
PARTE 3:
E AÍ, QUE BICHO DEU?
LITERATURA NA ESCOLA: ALGUMAS
POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Jane Ferreira Senra e Silva
Mostrei minha obra-prima às pessoas grandes e perguntei
se o meu desenho lhes dava medo. Responderam-me: “Por
que um chapéu daria medo?” (SAINT-EXUPÉRY, 2002)
Era uma vez, numa cidadezinha distante chamada Nova
Olım
́ pia, duas professoras que adoravam trocar ideias sobre a
profissã o de educadora. Falavam coisas do tipo, “hoje o
Joã ozinho deu trabalho, mas quando eu contei uma histó ria,
ele viajou”. As professoras, vendo que seus alunos gostavam
muito de ouvir contos, fá bulas, poesias, etc., resolveram
proporcionar uma bela viagem a eles. Arrumaram as bagagens. Nas malas, colocaram muita disposiçã o, imaginaçã o sem
fim, uma porçã o generosa de vontade de aprender e de ensinar
també m, um pote transbordante de alegria e tudo, mas tudo
mesmo, que conseguiram reunir da obra do comandante da
viagem, Monteiro Lobato. Isso realmente nã o foi fá cil, parece
até que a modernidade ajudou a esquecer esse magnıf́ico
escritor. Ele nã o foi só isso, també m foi advogado, promotor,
fazendeiro, editor e a primeira pessoa a afirmar que no Brasil
havia petró leo. Por causa dessa afirmaçã o, Lobato foi perseguido, preso e criticado, pois insistia em dizer que, alé m de
existir petró leo, era preciso explorá -lo para dar vida digna ao
povo brasileiro.
132
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
Danado esse Monteiro Lobato! Mas, para descobrir
tudo isso, as duas professoras tiveram que garimpar livros nos
sebos, nas livrarias e até na internet. Prevendo que a viagem
seria emocionante, as professoras, que daremos os nomes de
Sherazade7 e Doniazade8, resolveram convidar mais duas
professoras, assim, ajudariam pelo menos mais cinquenta
crianças a conhecerem as maravilhas que Lobato escreveu. As
professoras convidadas logo embarcaram na nave que levaria
as quatro e mais ou menos cem crianças para conhecerem o
universo encantado da imaginaçã o.
De posse de suas bagagens, elas embarcaram na nave
Encantamento e foram apresentar o comandante Monteiro
Lobato para a tripulaçã o. As crianças nã o o conheciam, mas
tudo bem, afinal, até elas, as professoras, nã o sabiam muito
sobre ele e tiveram que conhecer o seu currıćulo para saber se
era seguro viajar em sua nave.
Depois de conhecerem o comandante, Sherazade,
Doniazade e suas amigas apresentaram um lugar muito
especial, o Sıt́io do Picapau9 Amarelo. Foi uma grande decepçã o quando as professoras falaram sobre aquele lugar encantado, onde a vaca, o porco, o burro, todos falavam. As crianças
nunca haviam ouvido falar do tal sıt́io! Acredita que o ú nico
pica-pau que a tripulaçã o da nave conhecia era um malvado
que sempre se dá bem em suas histó rias? Sherazade e
Doniazade nã o desistiram, abriram as bagagens e tiraram de lá
o roteiro da viagem. Era um roteiro fantá stico. Passariam
primeiro pelo Sı́tio do Picapau Amarelo para conhecê -lo
melhor. Para isso, Sherazade o descreveu com riqueza de
7
Personagem do livro “Mil e uma noites”, que todas as noites contava
histó rias para o marido, impedindo que ele a matasse.
8
Irmã mais jovem de Sherazade.
9
Essa é a grafia que consta nos livros de Monteiro Lobato. Por isso optamos
por manter a forma original. Apó s o novo acordo ortográ fico, passou-se a
grafar pica-pau.
Jane Ferreira Senra e Silva
133
detalhes. Feito isso, a tripulaçã o decorou a nave Encantamento, nave que alguns insistem em chamar de sala de aula, com
um painel do sıt́io. Sherazade, Doniazade e suas amigas levaram para a tripulaçã o uma trilha enorme que, na medida em
que um grande dado era arremessado, os jogadores caminhavam sobre ela e as comissá rias lançavam desafios do tipo:
“Essa é a toca da Cuca, com qual letra começa a palavra Cuca?”;
ou “o Minotauro chegou, retorne uma casa”; ou ainda “tia
Nastá cia está por aı,́ aprenda um versinho com ela e nos conte
agora”.
As comissá rias tinham como foco o brincar e, por meio
das brincadeiras, conhecer mais sobre algumas obras de
Lobato, ter contato com a literatura e, a partir dela, desenvolver a escrita e a leitura das crianças. As comissá rias tinham
claro que a racionalidade excessiva usada como mé todo para
alfabetizar engessa a imaginaçã o das crianças, tirando o que
elas tê m de mais belo. A capacidade de imaginar dá beleza ao
mundo e colorido à vida.
Ao aterrissar no sıt́io, a tripulaçã o estava curiosa para
conhecer a Emıĺia, uma boneca de pano que fala pelos cotovelos. Mas nã o, nã o pensem que sua voz sai pelos cotovelos. E que
a bonequinha fala demais, por isso todos costumam dizer:
Emıĺia fala pelos cotovelos. Ah, ela també m é marquesa de
Rabicó , por conta de seu casamento com o Marquê s. Conheceram-se e se apaixonaram por Narizinho, a menina do nariz
arrebitado, criança cheia de imaginaçã o e alegria e dona da
Emıĺia. A tripulaçã o també m conheceu a tia Nastá cia, uma
senhora que faz deliciosos bolinhos de chuva e costuma contar
para as crianças do sıt́io contos populares que elas adoram.
Passeando pelo sıt́io, a tripulaçã o encontrou també m o Rabicó ,
um porco marquê s covarde e comilã o, que vive se metendo em
problemas por causa de sua comilança. As crianças viram
Visconde de Sabugosa, um sá bio sabugo feito de espiga de
milho, que vive sempre cercado de livros. Dizem que ele foi
uma crıt́ica feita por Lobato aos cientistas que só acreditam
134
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
nos fatos se eles forem escritos nos livros. A tripulaçã o també m conheceu Pedrinho, um garoto esperto e corajoso que só
tem medo de vespas, neto de dona Benta, a proprietá ria do
Sıt́io do Picapau Amarelo, lugar onde viviam todos. Dona Benta
foi outra moradora que a tripulaçã o gostou muito porque ela
també m é uma ó tima contadora de histó rias e costuma embarcar nas fantasias das crianças do sıt́io. Nã o podemos nos
esquecer do Saci-pererê e da Cuca que, vira e mexe, aparecem
no sıt́io para fazer travessuras.
Pois bem, Sherazade apresentou os novos amigos à
tripulaçã o, que ficou com um brilho nos olhos. Só quem tem
imaginaçã o carrega esse brilho. Bem, Sherazade, como uma
contadora de histó ria experiente, percebeu logo que quando
os olhos brilham é hora de dar asas à imaginaçã o. Convidou a
tripulaçã o para reunir tudo que podiam: retalhos de tecidos,
jornais usados, garrafas PET, etc., e pediu para que todos
colocassem as mã os na massa, ou seja, todos deveriam rasgar
os jornais para colocar de molho em um balde com á gua,
depois bater no liquidificador, retirar o excesso de á gua e
misturar cola à massa de jornal. Com a massa, a tripulaçã o
modelou as cabeças dos habitantes do sıt́io, que foram fixadas
nas garrafas PET. As garrafas foram revestidas com tiras de
jornais e cola e se transformaram em: Emı́lia, Pedrinho,
Visconde, Rabicó , dona Benta, Saci e tia Nastá cia, os quais, ao
final, receberam uma demã o de tinta e roupas. Tudo isso virou
um jogo de boliche que proporcionou muita diversã o para a
tripulaçã o que passava quatro horas por dia na nave Encantamento, mas, com tanta coisa para fazer e ouvir, o tempo voava
na mesma velocidade da imaginaçã o.
Vamos lá , continuando o roteiro da viagem, a tripulaçã o, as professoras e o comandante partiram para o reino das
á guas claras, um reino que fica no fundo do ribeirã o, lá perto do
sıt́io. No reino das á guas claras, Narizinho encontrou o prın
́ cipe Escamado, que a pediu em casamento. Ela aceitou, mas
quando ficasse grande. També m estava lá o doutor Caramujo,
Jane Ferreira Senra e Silva
135
que receitou para a Emıĺia a pıĺula falante, pois, até entã o, ela
era só uma boneca de pano sem graça e muda. O efeito da pıĺula
deu a ela um alıv́io, pois a danadinha nasceu para falar. Foi só
aprender que disparou a tagarelar. Os livros me contaram que
ela representa o lado rebelde de Monteiro Lobato, que nem
sempre podia dizer o que queria, entã o, com maestria, ele regia
a voz de Emıĺia a favor de suas ideias. Narizinho apelidou a
bonequinha de torneirinha de asneiras, mas, se pensarmos
bem, nem tudo o que ela dizia era bobagem. No reino das á guas
claras, també m tinha uma famıĺia de aranhas que teceram um
vestido para Narizinho, tã o lindo que nem o melhor dos estilistas seria capaz de criar tamanha obra de arte.
A tripulaçã o ficava encantada com a paisagem do fundo
do ribeirã o, tanto que aprenderam a cantar a cançã o “Como
pode um peixe vivo viver fora da á gua fria”. També m fizeram
dobraduras de peixes, que usaram para preparar um cená rio,
pois, ao retornar para casa e reabastecer a nave Encantamento
com novas histó rias, os parentes e amigos da tripulaçã o
aproveitaram para se reunirem e assistirem a um grande
sucesso em cartaz por nome “Era uma vez”. Uma peça de teatro
baseada na parte da viagem ao reino das á guas claras. Foi
maravilhoso ver a Emıĺia comendo a pıĺula e falando sem parar,
o Visconde pesquisando os tipos de peixe que encontrara, o
doutor Caramujo conversando com Narizinho sobre a pıĺula.
Tudo isso vivido pela tripulaçã o que tinha entre quatro e cinco
anos, que decoraram texto e tudo. Foi um sucesso de pú blico e
de crıt́ica.
Emıĺia ficou tã o esperta depois que tomou a pıĺula
falante do doutor Caramujo, que se viu incomodada com a
forma como a natureza se apresentara. Imaginem, a bonequinha resolveu reformar a natureza. Ela se juntou com uma
amiga chamada Rã . Nem Sherazade nem a tripulaçã o nunca
haviam ouvido falar da tal amiga de Emıĺia. Só o comandante
conhecia a garota. Pois bem, as duas pensaram, pensaram e
chegaram à conclusã o que na natureza havia vá rias coisas que
136
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
precisavam mudar. Elas diziam: “Como pode uma á rvore tã o
grande, como o pé de jabuticabas, dar frutos tã o pequeninos, e
as abó boras tã o grandes nascerem grudadas em um pé frá gil,
precisando ficar no chã o para nã o caıŕem?”. Acreditando que
estava tudo errado, elas decidiram reformar a natureza. Entre
as muitas coisas que mudaram, estavam os livros, que deveriam ser feitos de farinha de trigo e teriam sabor de alimentos,
pois as pessoas poderiam ler e depois degustá -los. Até que nã o
é má ideia, alimentar o intelecto e depois alimentar o corpo.
A tripulaçã o gostou da ideia e sugeriu vá rios sabores,
entre eles o de sorvete de chocolate, mas pensou que, até
terminar de ler, já teria derretido tudo. Foi entã o que o grupo
mudou para barras de chocolate ao leite. Emı́lia també m
reformou a vaca mocha. Colocou uma torneirinha no lugar das
tetas. Ficou bom, mas a tripulaçã o ficou com dó da vaquinha,
pois devia doer. Por fim, pensaram que dó i mais quando as
pessoas puxam para sair leite, pois a coitada, alé m de produzir
leite para alimentar os bezerros, ainda precisa produzir
quantidade suficiente para satisfazer as necessidades das
pessoas.
A reforma da natureza que a Emıĺia fez durou até dona
Benta, que estava viajando com os outros, chegar. Sabe onde
ela estava? Tentado melhorar o mundo, pois o Duque de
Windsor, representante dos ingleses, apresentou, aos grandes
ditadores, a sabedoria de dona Benta. Com o Visconde como
grande cientista e o conhecimento do senso comum de tia
Nastá cia, os ditadores chegaram à conclusã o que no dia em
que o Planeta Terra ficar igual ao Sıt́io do Picapau Amarelo, o
mundo será feliz. Isso nã o é utopia, é um pensamento tã o
simpló rio que até um adulto pode entender. O problema é que
entre entender e praticar há uma longa distâ ncia, e no meio do
caminho as pessoas tropeçam o tempo todo em ervas daninhas
chamadas ganâ ncia e desejo de poder, por isso a grande maioria fica presa a essas ervas sem a nobreza e a grandeza de dona
Benta e dos moradores do sıt́io.
Jane Ferreira Senra e Silva
137
Tendo os sonhos como a possibilidade de melhorar o
mundo, os ditadores resolveram que nã o mais matariam
pessoas com bombas e canhõ es. Foi assim que os trê s habitantes do sıt́io foram convidados para representar a humanidade
na Conferê ncia de Paz de 1945. Emıĺia nã o quis ir, pois já estava
planejando reformar a natureza. O fato é que dona Benta deu
uma bronca na bonequinha e a fez voltar tudo ao “normal”,
principalmente a biblioteca.
A tripulaçã o preferia as coisas do jeito da Emıĺia. O
comandante apoiou dona Benta. Sherazade, Doniazade e suas
amigas discutiram com a tripulaçã o dizendo que també m
concordavam com Emıĺia, que muitas coisas deveriam mudar,
principalmente o ser humano, que tem o pé ssimo há bito de
destruir a natureza, maltratar as pessoas e os animais.
Para comemorar essa ida ao sıt́io e conhecer a reforma
que a Emıĺia fez, Sherazade, Doniazade e suas amigas prepararam uns jogos novos para apresentar à tripulaçã o. Jogos de
dominó e jogo da memó ria com os habitantes do sıt́io. Ao
demonstrarem como se joga, as comissá rias da nave Encantamento perceberam que a tripulaçã o nã o conhecia os joguinhos, mas elas ensinaram como brincar. Dividiram as crianças
em vá rias mesas e entregaram os pacotinhos. Dentro, havia
jogo da memó ria ou dominó . As comissá rias acompanhavam
tudo de perto e quando percebiam algum grupo dispersando,
logo trocavam o jogo, e a brincadeira começava de novo.
O que a tripulaçã o gostou mesmo foi de viajar pela
mitologia grega e conhecer o Minotauro, um monstro com
metade homem, metade touro, isso sim era medonho. A
tripulaçã o ficou tensa quando Teseu, um jovem destemido,
entrou no labirinto do Minotauro para lutar contra o terrıv́el
monstro. Ajudado por Pedrinho, que usou seu bodoque10 para
acertar o Minotauro, Teseu derrotou a fera grega.
10
També m conhecido como estilingue ou funda, é um brinquedo feito com
forquilha de madeira e duas tiras de borracha que se unem a um couro.
Usada para atirar pedras e matar passarinhos.
138
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
Imaginem que o Minotauro queria devorar a tia
Nastá cia! Só nã o fez isso porque ele gostou mais dos bolinhos
de chuva que só ela sabia fazer. Era o né ctar dos deuses. O
monstro, que nã o era bobo nem nada, preferiu mantê -la viva,
assim se fartaria de bolinhos todos os dias. Ah, já ia me esquecendo, a tia Nastá cia ensinou à tripulaçã o a fazer os bolinhos, e
eles aprenderam direitinho.
Depois de ouvir Sherazade, Doniazade e suas amigas
contarem sobre as delıćias, a turma copiou a receita. Em
seguida, foram para a cozinha separar os ingredientes: 3
xıćaras de farinha de trigo, 2 ovos, 1 copo de leite, 1 colher de
margarina, 1 xıćara de açú car e 1 colher rasa de fermento.
Separados todos os ingredientes, misturaram tudo em uma
vasilha até a massa ficar homogê nea. Parecia mais uma poçã o
má gica, pois como aquela meleca poderia virar bolo? Sherazade,
Doniazade e as outras explicaram que toda aquela massa
precisaria entrar em contato com ó leo bem quente, pois a alta
temperatura mudaria seu estado de lıq
́ uido pastoso para um
tipo de só lido fofinho e delicioso. Essa parte eles somente
assistiram de longe para nã o correrem o risco de se queimar. A
tripulaçã o entregou tudo a uma comissá ria, que fritou pequenas porçõ es em ó leo bem quente. Ficou uma delıćia, nã o
sobrou nem um. Quase que o comandante Monteiro Lobato
ficou sem, pois mal deu tempo de tomar um fô lego e já está vamos sendo conduzidos para a mata que fica nos fundos do Sıt́io
do Picapau Amarelo, onde encontramos Pedrinho em outra
aventura.
Imaginem que o menino resolveu organizar uma expediçã o com a turma do sıt́io para uma caçada à onça-pintada que
andava rondando o sı́tio. Pedrinho saiu para convidar os
companheiros para a aventura. Rabicó , quando ficou sabendo
dos planos do menino, tremeu igual gelatina. Visconde aceitou
com nobreza e Emıĺia aplaudiu Pedrinho pela ideia, pois já
estava cansada da monotonia. Começaram os preparativos.
Pedrinho levou uma espingarda que ele mesmo fez com cano
Jane Ferreira Senra e Silva
139
de guarda-chuva e gatinho de elá stico. Narizinho pegou a faca
de cortar pã o. Visconde recebeu um sabre, també m era do
Visconde o comando da expediçã o, e Emıĺia levou o espeto de
assar frango. Para nã o fugir, Pedrinho atrelou Rabicó a um
carrinho com um canhã o feito com a velha chaminé . As balas
eram pedras.
Ao encontrarem com a onça que o Visconde vira com a
ajuda de binó culos, mandaram fogo com o canhã o, mas saiu
um tiro chocho. A espingarda fez o mesmo, um tiro que nã o foi
alé m de dois palmos, o que irritou a fera. Para se livrar do
ataque da onça, todos subiram na á rvore, menos Visconde, que
teve de ser pescado por um galho seco manuseado por
Pedrinho. Finalmente, Pedrinho se lembrou que tinha pó lvoras no bolso e usou-as para jogar nos olhos da onça. Ela ficou
desesperada, e a turminha aproveitou o momento para atacar
a fera.
Narizinho esfregava a faca no lombo do animal, como se
quisesse tirar uma fatia, e o Visconde enterrou o sabre no peito
da onça. Emıĺia fez o mesmo com o espeto. Pedrinho bateu com
o cabo da espingarda no crâ nio da fera e até Rabicó perdeu o
medo, dando um tiro à queima-roupa com o canhã o. O felino
acabou morrendo, e os danadinhos planejaram como levar o
animal para casa. Eles tiraram cipó s para amarrar e arrastar a
onça-pintada até o sıt́io. Rabicó , exausto, disse preferir matar
dez onças a arrastar uma. A essa altura do campeonato, dona
Benta e tia Nastá cia já estavam preocupadıśsimas e ficaram
mais ainda quando viram a aventura em que as crianças se
meteram.
Aventura boa quem viveu mesmo foi a tripulaçã o da
nave Encantamento, pois Sherazade, Doniazade e as demais
comissá rias arrumaram um ô nibus espacial chamado Estrela
Cadente, pediram autorizaçã o para os pais das crianças e as
levaram para uma pequena cidade de nome Tangará da Serra.
Lá , a tripulaçã o foi conduzida até um local chamado Bosque,
140
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
onde participou de um passeio para conhecer como era o
capoeirã o dos taquaruçus, lugar onde Pedrinho e seus amigos
encontraram a onça. Visitaram tudo, mas com muito cuidado,
pois poderiam ser, a qualquer momento, surpreendidos por
uma onça, pela Cuca ou até mesmo pelo Saci. Alguns tripulantes viram o Saci, outros ouviram barulho de onças e até a risada
da Cuca. Para garantir a segurança, todos voltaram para
pró ximo do ô nibus espacial Estrela Cadente e se fartaram com
um delicioso lanche que a tia Nastá cia preparou e mandou de
presente. De volta à nave Encantamento, a tripulaçã o foi
convidada a fazer uma bela dobradura de onça e a conhecer a
lenda que diz assim:
“Onça pintada
tã o cheia de pintas,
quem te pintou?
Foi a lata de tinta”.
Depois disso, os tripulantes que quiseram começaram
um ensaio para mostrar aos pais um teatro que retratou um
capıt́ulo do livro “Caçadas de Pedrinho”, que, ló gico, foi escrito
pelo comandante da viagem, Monteiro Lobato. Novamente, o
sucesso foi esplendoroso, e quem ganhou mais uma vez foram
os tripulantes, que se envolveram, imaginaram, criaram e se
divertiram com as aventuras apresentadas a eles. Depois de
participar de vá rias aventuras, a tripulaçã o já estava montando, com o alfabeto mó vel, alguns nomes relacionados a tudo
aquilo que aprenderam (Cuca, Saci, Benta, bolo, pica-pau e
sıt́io) alguns nomes escritos pelas crianças.
Escrever palavras sem ter que decorar sıĺabas foi um
grande avanço para a nossa tripulaçã o, pois ela era composta
exclusivamente por crianças de quatro e cinco anos, sendo que
a grande maioria pertencia a uma classe desfavorecida economicamente, que nunca havia frequentado a escola. Portanto,
Jane Ferreira Senra e Silva
141
desconheciam as normas da lın
́ gua escrita, com o agravante
que parte delas provinha de famıĺias nã o alfabetizadas, sendo a
escola a instituiçã o responsá vel por oportunizar o contato com
a literatura, a leitura e a escrita. As comissá rias fizeram isso
sem perder a capacidade de sonhar.
Todo esse aprendizado da literatura, das leituras, da
escrita, das brincadeiras e as viagens pelo imaginá rio foram
experiê ncias inesquecıv́eis para Sherazade e as outras comissá rias, que esperam ter sido inesquecıv́eis para todos. E como
dizia dona Benta: “Entrou por uma porta, saiu pela outra, quem
quiser que conte outra”.
UM OUTRO OLHAR SOBRE A HISTORIA
[...] como eu vou saber da terra,
se eu nunca me sujar?
Como eu vou saber das gentes,
sem aprender a gostar?
Quero ver com meus olhos,
quero a vida até o fundo,
quero ter barro nos pés,
eu quero aprender o mundo!
(Pedro Bandeira)
Objetivando estimular a imaginaçã o e a sensibilidade
das crianças, ajudando-as a conhecer melhor a magnitude das
histó rias de Monteiro Lobato, foram realizadas as atividades já
descritas, possibilitando-nos avaliá -las com um processo de
aprendizagem contın
́ uo, em que espaços favorá veis à convivê ncia e ao conhecimento foram criados a partir das necessidades das crianças. Espera-se que esses educandos continuem
a vivenciar, no decorrer de anos posteriores, momentos que
favoreçam e estimulem a imaginaçã o, já que consideramos o
142
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
imaginá rio infantil um fator fundamental para o nã o endurecimento da educaçã o.
O sucesso do nosso projeto pedagó gico se deu pela
caracterıśtica inerente das crianças em viver plenamente a
magia e os momentos de encantamento proporcionados pelas
histó rias de Monteiro Lobato. Tudo isso se caracterizou pelo
diá logo dos educandos com os personagens das histó rias
contadas.
A imaginaçã o criadora é inerente à s crianças, poré m
isso se perde com a falta de estım
́ ulos. Foi com esse pensamento que acreditamos na possibilidade de melhorar o aprendizado das crianças envolvidas no projeto “Era uma vez...”, trabalhado com quatro turmas da educaçã o infantil, sendo duas
turmas de pré I, quatro anos, e duas de pré II, cinco anos.
Segundo Ana Teberosky (1997), “a memorizaçã o e
relato de estó rias fazem parte das atividades da linguagem
escrita, dentro de um projeto de renovaçã o pedagó gica”. Para
ela, recontar um texto nã o é um simples processo de reproduçã o, mas uma sequê ncia de pensamentos que envolvem
ordenaçã o, expressã o, esquematizaçã o, formulaçã o do texto
com ordenaçã o de fatos, e isso implica processos cognitivos de
memó ria. Para tanto, faz-se necessá rio ter conhecimento
pré vio adquirido com a contaçã o de histó rias, incluindo quatro
etapas: apresentaçã o da histó ria, visualizaçã o das ilustraçõ es,
o conto feito pelo leitor e o reconto feito pelo ouvinte. A partir
das histó rias, é possıv́el desenvolver inú meras atividades,
saindo da repetiçã o mecâ nica sem sentido que torna a educaçã o um fardo que as crianças carregam desde muito cedo.
A educaçã o mecanicista rompe com o processo de
aquisiçã o do conhecimento, separando o aprendizado que a
criança traz consigo do aprendizado adquirido na escola. Essa
ruptura tende a induzir o educando a pensar que conhecimento vá lido é obtido somente na sala de aula, repassado pelo
professor de forma rıǵida e inflexıv́el.
Jane Ferreira Senra e Silva
143
Sabemos que a criança é um ser histó rico, sendo assim,
també m é um ser social e cultural. Esses sã o fatores que nã o
podem ser desconsiderados quando se pretende ensinar e
també m aprender com algué m. Quando os educadores buscam excessivamente a objetividade dos conteú dos e a neutralidade no ato de ensinar, isso torna a educaçã o menos humana,
dando um cará ter produtivista à quilo que poderia ser prazeroso e divertido. A criança se caracteriza por sua capacidade de
imaginar e criar, sendo assim, aproveitamos essas qualidades
para possibilitar a elas momentos lú dicos, ajudando-as a
criarem novas fantasias e um universo particular, saıd
́ o da
educaçã o estratificada, à qual, com frequê ncia, elas sã o submetidas.
As brincadeiras, desenhos, histó rias, etc., possibilitam à
criança ressignificar a realidade em que está inserida. Para ter
uma pré -escola com o valor que lhe é devido, necessá rio seria
també m aos educadores voltarem à s suas criancices, nã o no
sentido da imaturidade, mas na relaçã o com a fantasia vivida
na infâ ncia. Talvez isso seja importante para que a escola
ressignifique seu papel, tornando o ato de ensinar sedutor,
tomando como base o imaginá rio infantil. Se os educadores
perderem a sua capacidade de sonhar e imaginar, tornar-se-ã o
duros e insensıv́eis, reproduzindo isso nas crianças. E preciso
nã o perder o olhar de criança. Vejamos, nas palavras de SaintExupé ry:
As pessoas grandes aconselharam-me a deixar de lado
os desenhos de jiboias abertas ou fechadas e a dedicarme, de preferê ncia, à Geografia, à Histó ria, à Matemá tica, à Gramá tica. Foi assim que abandonei, aos seis
anos, uma promissora carreira de pintor... As pessoas
grandes nã o compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar a toda hora explicando
(SAINT-EXUPERY, 2002, p. 10).
144
LITERATURA NA ESCOLA:
ALGUMAS POSSIBILIDADES NA EDUCAÇAO INFANTIL
Se ainda na infâ ncia os educandos forem submetidos ao
adestramento rıǵido que muitas escolas impõ em para dar
conta dos conteú dos, entã o perderã o toda a infâ ncia, tornarse-ã o adultos, ou, quem sabe, professores tristes e incapazes
de ver beleza nos rabiscos e nas fantasias que uma criança
mostra entusiasmada.
PARA CONTINUAR A HISTORIA
ABROAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: Gostosuras e
Bobices. Sã o Paulo, Ed. Scipione, 1997.
KRAMER, Sonia; LEITE, Maria Isabel (orgs). Infâ ncia: Fios e
Desafios da Pesquisa. Campinas, SP. Série Práticas Pedagógicas. Vá rios autores. Ed. Papirus, 1996.
LOBATO, Monteiro. A Reforma da Natureza. Sã o Paulo. 38º Ed.
Brasiliense, 1994.
_____. Caçadas de Pedrinho. Sã o Paulo. Globo, 2003.
_____. Histórias de Tia Nastácia. Sã o Paulo, Ed. Brasiliense,
1994.
SAINT-EXUPERY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. Rio de
Janeiro. 48ª ed. Agir, 2002.
SOUZA, Ila Maria Silva de; MELLO, Lucré cia Stringheta.
Currículo na Educação Infantil. Cuiabá . Ed. UFMT, 2008.
TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a Escrever. Sã o Paulo, 3ª ed. Ed.
Atica, 1997.
É POSSÍVEL APRENDER A TRATAR A
INFORMAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL?
Luciani Gallo
O tratamento da informaçã o era considerado antes
adequado apenas ao ensino superior. No entanto, algumas
experiê ncias vê m sendo realizadas por professores, com
sucesso, na educaçã o infantil.
Ao percorrer a histó ria, conseguimos perceber que há
algumas dé cadas nã o tın
́ hamos o volume de informaçã o que
temos hoje. Os meios utilizados eram limitados à televisã o, ao
rá dio e a alguns materiais impressos, e poucas pessoas tinham
acesso a eles. Com o avanço tecnoló gico e a quantidade de
conteú do originado pelos seus recursos, tornou-se necessá rio
acompanhar a veracidade das informaçõ es geradas e publicadas. Nesse contexto, a á rea de conhecimento que cuidava do
processo de coletar, organizar, interpretar e publicar os dados
era apenas a Estatıśtica.
A Estatı́stica sempre foi um ramo da Matemá tica
Aplicada, responsá vel por trabalhar essas informaçõ es,
apresentando mé dias, porcentagens, tabelas, grá ficos, etc. De
origem latina, a palavra Estatıśtica deriva da palavra status.
Embora a palavra nã o existisse 3.000 anos a.C., já se faziam
censos na Babilô nia, na China e no Egito, os estadistas utilizavam a estatıśtica como verdadeira ferramenta administrativa
(COSTA, 2005).
146
E POSSIVEL APRENDER A TRATAR
A INFORMAÇAO NA EDUCAÇAO INFANTIL?
Destacou-se na Inglaterra, no sé culo XVII, a partir das
tá buas de mortalidade, a dita Aritmé tica Polıt́ica, de John
Graunt. Seu trabalho consistiu de exaustivas aná lises de
nascimentos e mortes. Foi somente por volta da metade do
sé culo XVIII que a palavra Estatıśtica foi mencionada pela
primeira vez no meio acadê mico, pelo alemã o Gottfried
Achenwall (COSTA, 2005).
A partir de estudos acadê micos, a estatıśtica passa a
contribuir com a necessidade de investigar os fenô menos
sociais, polıt́icos, econô micos, financeiros e fortalece como
mé todo auxiliar no estudo desses fenô menos. A abordagem do
tema em livros didá ticos na educaçã o era sugerida apenas em
livros do ensino mé dio e superior. Depois de 1997, a estatıśtica, també m chamada de Tratamento da Informaçã o, é incluıd
́ a
no currıćulo nã o só do Brasil, mas també m em outros paıśes
como mais um conteú do a ser desenvolvido no ensino da
Matemá tica. A partir daı́, o Brasil publica os Parâ metros
Curriculares Nacionais, PCN, que sugerem ao professor a
abordagem do tema nos anos iniciais. Com isso, pretende-se
que o educando possa utilizar as diferentes linguagens para
interpretar os fenô menos e usufruir da pesquisa, tornando-se
parte dela.
O Tratamento da Informaçã o passou a ser mais evidente quando o Ministé rio da Educaçã o e Cultura (MEC) divulgou,
em 1999, os crité rios de avaliaçã o do livro didá tico, sugerindo
a inclusã o do tema a ser trabalhado pelos professores na
Matemá tica. Seguindo as orientaçõ es do MEC, as mudanças
foram realizadas em livros didá ticos a partir da 1ª sé rie, ou do
atual 2º ano .
Dessa forma, os PCN orientam a abordagem da estatıśtica a cada ciclo. Como exemplo, no 1º ciclo, ele sugere que, ao
trabalhar as informaçõ es, o professor incentive os alunos a
fazerem perguntas, estabeleça relaçõ es causais e construa
justificativas junto com eles. A funçã o do professor nessa etapa
Luciani Gallo
147
é desenvolver no aluno o espıŕito de investigaçã o. Nesse ciclo,
o objetivo nã o é apenas o de ler e interpretar grá ficos, mas
tornar-se capaz de descrever e interpretar sua realidade,
usando conhecimentos matemá ticos.
Certamente essa inclusã o colocou à prova, mais uma
vez, a competê ncia do professor. Ele precisa, necessariamente,
se apropriar do conteú do e desenvolvê -lo da forma mais
compreensıv́el possıv́el. As leituras de grá ficos e tabelas sã o
facilmente compreendidas e desenvolvidas pelo professor,
mas, quando essa abordagem precisa ser entendida pelos
alunos, torna-se necessá rio um estudo maior.
A formaçã o continuada possibilita o desenvolvimento
da prá tica pedagó gica dos professores. Trata-se de uma
prá tica necessá ria na escola. Nos encontros de formaçã o,
professores tê m a oportunidade de discutir situaçõ es de
aprendizagem e esclarecer dú vidas relacionadas ao tema em
estudo.
Ao participar da formaçã o Pró -Letramento em Matemá tica , o estudo do fascıćulo 4 aborda o tema Tratamento da
Informaçã o. Um material rico em informaçõ es e repleto de
sugestõ es para o trabalho com o tema. Nessa formaçã o, uma
das atividades do estudo sugeria que o professor praticasse o
exemplo em sala de aula. No exemplo, crianças fariam uma
coleta de dados prá tica, utilizando caixinhas de fó sforo para
escolher as variá veis da pesquisa.
11
Como o exemplo destinava-se ao trabalho com crianças
alfabetizadas, surge, entã o, a dú vida: como desenvolver a
atividade na educaçã o infantil?
11
O programa é realizado pelo MEC, com a parceria de universidades que
integram a Rede Nacional de Formaçã o Continuada e com a adesã o dos
estados e municıp
́ ios. Podem participar todos os professores que estejam
em exercıćio nos anos iniciais do ensino fundamental das escolas pú blicas.
148
E POSSIVEL APRENDER A TRATAR
A INFORMAÇAO NA EDUCAÇAO INFANTIL?
A partir do desafio lançado na formaçã o, procurou-se
desenvolver uma experiê ncia com os alunos do pré I da educaçã o infantil. Uma proposta ousada que buscou demonstrar
como a noçã o de estatıśtica é intuitiva, ou seja, até os pequenos
conseguem perceber a noçã o do conteú do a partir da sua
intuiçã o de quantidade.
Pelo fato de o tema nã o constar como parâ metro nos
Referenciais da Educaçã o Infantil, exigiu um pouco mais de
estudo e preparaçã o, principalmente pelo fato de nã o ter
conhecimento da abordagem nos cursos de Pedagogia, nos
quais os professores deveriam ser mais preparados.
A experiê ncia desenvolveu-se valorizando, acima de
tudo, o aspecto lú dico, pois alunos aprendiam se divertindo.
No primeiro momento, conversamos muito sobre os tipos de
brincadeiras, como brincamos, quando brincamos, por que é
gostoso brincar. Com a mesa preparada, apresentei cada ficha
com o desenho da brincadeira aos alunos e entreguei a cada
um uma caixinha, perguntando: “Qual dessas brincadeiras é a
sua favorita?”. Pedi que cada aluno colocasse a caixinha de
fó sforo em cima da mesa sobre a imagem da brincadeira que
mais gostava de brincar. Nesse momento, trabalhamos a coleta
de dados. Depois de realizada a primeira coleta, foi que os
demais alunos compreenderam o objetivo da atividade. Entã o
houve muita interaçã o. Uns diziam para os outros que gostavam de carrinho, outros, de bicicleta, as meninas, de boneca,
entre outros.
Apó s o momento da coleta, trabalhamos os nú meros
naturais realizando a contagem de cada brincadeira votada
por eles. Na sequê ncia, trabalhei a leitura e a interpretaçã o dos
resultados, com questionamentos como: qual a brincadeira
mais votada? Por que tem mais brincadeira de menino que de
menina? Todos tê m esses brinquedos em casa? Por que o piã o
nã o foi escolhido? Foi bom escolher a brincadeira?
Luciani Gallo
149
O ú ltimo momento da experiê ncia foi o de registro da
aprendizagem. Elaborei uma tabela com as imagens das
brincadeiras e pedi a todos que pintassem os quadradinhos de
acordo com as quantidades de alunos que preferiam aquela
brincadeira. O resultado foi um grá fico de barras.
O desafio foi iné dito na educaçã o infantil da minha
cidade. A partir de um desafio de formaçã o continuada, consegui desenvolver uma atividade nã o contemplada nos RCNEI12.
Ao voltar no momento de formaçã o e interagir com colegas
sobre a experiê ncia realizada, muitas outras ideias surgiram e
outros companheiros resolveram també m realizar a experiê ncia. Nossa tutora de formaçã o, formada em Matemá tica pela
UNEMAT, explica que
trabalhar o Tratamento da Informaçã o desde a
educaçã o infantil implica apresentar aos nossos
alunos um leque de possibilidades e leituras de mundo
que favorecem o Letramento em Matemá tica, assim
como abordado no curso, principalmente quando se é
vivenciada a estrutura da pesquisa. Acrescenta ainda
que o tema pode ser trabalhado do pré ao ensino
superior, o que vai mudar é apenas o nıv́el de dificuldade e os conteú dos (ACLM, 28/10/11).
O desenvolvimento da atividade foi de extrema importâ ncia para os alunos na interaçã o entre eles e o aprendizado.
Viver essa experiê ncia, para mim, contribuiu muito na
prá tica pedagó gica, pois percebo que meu olhar em relaçã o à
Matemá tica ampliou-se. Percebo que outros temas nã o relacionados aos RCNEI podem e devem ser adaptados na educaçã o
infantil, desde que se consiga uma abordagem que respeite o
desenvolvimento cognitivo dos alunos.
12
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educaçã o Infantil.
150
E POSSIVEL APRENDER A TRATAR
A INFORMAÇAO NA EDUCAÇAO INFANTIL?
REFERENCIAS
BRASIL. Secretaria de Educaçã o Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: matemática. Secretaria de Educaçã o
Fundamental. – Brasıĺia: MEC/SEF, 1997. v.04.
COSTA, N. M. L. da. Formaçã o continuada de professores: uma
experiê ncia de trabalho colaborativo com matemá tica e
tecnologia. In: NACARATO, A. M.; PAIVA, M. A. V. (org.). A formação do professor que ensina matemática: perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autê ntica, 2005. 240 p.
PROJETO MUSICALIZAÇÃO NA ESCOLA
Maria Angela Fabrini Gaspar
A música é o meio mais poderoso do que
qualquer outro, porque o ritmo e a harmonia têm
sua sede na alma. Ela enriquece essa última, conferelhe a graça e ilumina aquele que recebe uma verdadeira educação.
(Platão)
Meu interesse pela educaçã o musical surgiu por volta
de 2005, quando fui convidada para trabalhar no Projeto de
Erradicaçã o do Trabalho Infantil (PETI), no municı́pio de
Juın
́ a, o qual visava à elaboraçã o de um coral infantil. Durante
esse perıo
́ do, pelo contato com as dificuldades de algumas das
crianças participantes, como concentraçã o, aprendizado,
interaçã o, timidez e ainda agressividade, comecei a pesquisar
sobre a relaçã o entre a educaçã o musical e o desenvolvimento
infantil e como poderia contribuir para a integraçã o dessas
crianças com a escola e a sociedade.
Foi com esse propó sito que comecei analisando alguns
artigos, nos quais os pesquisadores referenciavam Vygotsky e
suas teorias sobre interaçã o e aprendizagem. A partir desses
estudos, busquei colocar em prá tica o meu conhecimento e
experiê ncia na á rea de mú sica, observando o comportamento
das crianças durante os quatro anos em que estivemos juntas.
152
PROJETO MUSICALIZAÇAO NA ESCOLA
Em 2009, já atuando na escola pú blica, encontrei-me
com essas crianças que eu havia me relacionado no projeto nos
anos anteriores, e pude continuar minhas observaçõ es, incluindo a mú sica també m como forma de interaçã o nas aulas de
Inglê s.
O ponto de partida dessas reflexõ es encontrou grande
valor na teoria vygotskyana, no processo de interaçã o e aprendizagem e, como educadora, à s intervençõ es pedagó gicas e ao
ensino na construçã o do conhecimento. Percebendo que, na
sociedade atual, principalmente entre jovens e adolescentes,
há grande falta de objetivos que os faça caminhar para um
futuro melhor, acredito que um dos desafios da escola é colaborar com essa construçã o. Foi por meio da convicçã o na
formaçã o de indivıd
́ uos pensantes, colaboradores e ativos que
apresentei esse projeto de musicalizaçã o acoplado ao projeto
maior da fanfarra, desenvolvido no ensino fundamental, na
Escola Estadual Ana Né ri .
O que se buscou com essa junçã o, alé m dos conhecimentos instrumentais, era que os alunos pudessem adquirir
conhecimentos histó ricos a respeito da evoluçã o e diversidade
da mú sica nas sociedades, para que seus efeitos pudessem se
tornar mais eficientes no instrumental e influenciassem no
meio social, contribuindo para a aquisiçã o de conhecimento
dos alunos. Os jovens que fazem parte desta comunidade
escolar possuem, em sua rotina, momentos conflitantes
opostos, ou seja, estã o ociosos, ou estã o ocupados demais com
tarefas para as quais ainda nã o possuem maturidade emocional suficiente para cumprir. Seus pais, envolvidos com o
trabalho, frequentemente acabam transferindo, mesmo que
nã o intencionalmente, responsabilidades, as quais esses
adolescentes ainda nã o estã o preparados para assumir. Os
alunos sã o jovens e adolescentes, na sua maioria, sem condiçõ es financeiras para investir em atividades que venham a
distanciá -los da ociosidade, da violê ncia, das drogas e do
vandalismo.
Maria Angela Fabrini Gaspar
153
Assim, pensei no que poderia fazer para ajudá -los a
iniciarem uma atividade que viesse contribuir para a sua
formaçã o e colaborar para a sua integraçã o social, cultural e
artıśtica. Algo que despertasse neles, de forma pedagó gica e
educativa, a necessidade de resgatar a sensibilidade frente a
tantos problemas sociais que precisamos enfrentar para que
possamos, juntos, construir um mundo melhor.
A execuçã o desse projeto buscou estimular a sensibilidade dos alunos pela mú sica e desenvolver a cada momento o
poder do senso crıt́ico, permitindo a eles tomarem decisõ es
conscientes para uma vida com mais dignidade e respeito para
com o mundo onde vivemos.
A MUSICA COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO E
CRIAÇAO
A mú sica é fundamental para o desenvolvimento nã o só
infantil, mas també m para os adolescentes, jovens e adultos. E
por meio da mú sica que os adolescentes elaboram seus conflitos, apropriam-se do mundo onde vivem, desenvolvem a
criatividade e socializam-se. Pela saú de mental das crianças e
dos futuros adultos, precisamos resgatar um tempo e um
espaço para trabalharmos a mú sica e seus instrumentos
musicais.
Para alguns teó ricos, a mú sica incita a criatividade,
fomenta a memó ria e estimula a inteligê ncia, o que ocorre
“tanto no domın
́ io do cé rebro-racional (neocó rtex) quanto do
cé rebro-emocional e do cé rebro-sentimental (sistema lım
́ bico), todos constitutivos do có rtex, embora exerçam funçõ es
diferentes” (SEKEFF, 2007).
Vygotsky (1929 ‒ 2000) nos explica que as funçõ es
psı́quicas superiores incluem: a sensaçã o, a percepçã o, a
atençã o, a memó ria e o pensamento no qual nos baseamos
para a linguagem.
154
PROJETO MUSICALIZAÇAO NA ESCOLA
Em relaçã o a essa afirmaçã o, Oliveira (1992) nos
explica:
As concepçõ es de Vygotsky sobre o funcionamento do
cé rebro humano fundamentam-se em sua ideia de que
as funçõ es psicoló gicas superiores sã o construıd
́ as ao
longo da histó ria social do homem. Na sua relaçã o com
o mundo, mediada pelos instrumentos e sı́mbolos
desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as
formas de açã o que o distinguem de outros animais. (p.
24)
A mú sica, ainda como ferramenta de educaçã o, é
descrita por Gardner (1994) como um dos tipos de inteligê ncia, juntamente com a inteligê ncia ló gico-matemá tica, linguıśtica, cinesté sico-corporal, espacial, interpessoal e naturalista.
Segundo Sekeff (2007, p. 169):
a habilidade adquirida na escuta e no fazer musical
amplia a capacidade de cogniçã o do educando,
alimenta mudanças no seu potencial perceptivo, alé m
do que o exercıćio da mú sica e do canto em conjunto
possibilitam acessar aquela parte do cé rebro que
funciona criativa e intuitivamente, favorecendo novas
formas de sentir, pensar, de expressar.
A palavra “mú sica” sugere diversas ideias relacionadas
à s diferenças que caracterizam os inú meros estilos musicais, à
é poca, aos motivos que levaram à sua criaçã o e aos aspectos
sociais. Uma cançã o de ninar é sensivelmente diferente das
batidas dos tambores do Olodum; o canto gregoriano difere,
em tudo, do som de um grupo de rock ou axé , poré m, todas
essas formas sonoras de expressã o sã o chamadas de mú sica. A
mú sica altera o nosso estado de espıŕito. O corpo reage à s
vibraçõ es dos sons, sã o despertadas emoçõ es que interferem
no funcionamento de nosso organismo. Segundo McClellan
Maria Angela Fabrini Gaspar
155
(1994), qualquer atividade musical, seja compor, executar um
instrumento musical, ou mesmo ouvir uma mú sica, envolve os
dois hemisfé rios cerebrais, equilibrando os dois aspectos
mentais. Pode-se notar, nas palavras de Ruud (1990, p. 96), dos
efeitos sociais da mú sica, da importâ ncia de se “considerar a
mú sica como uma instituiçã o cultural, isto é , capaz de fazer a
leitura dos contextos culturais que originam interconexõ es
entre mú sica e identidade [...]”.
Ao longo da histó ria, a mú sica esteve presente e influente nas sociedades. Tã o antiga quanto o homem, a mú sica
primitiva era usada para exteriorizaçã o de alegria, prazer,
amor, dor, religiosidade e anseios da alma.
O projeto almejou desenvolver a criatividade e a sociabilidade dos alunos e també m despertar interesse e conhecimento pela mú sica e sua diversidade; expandir a sensibilidade; descobrir novos talentos musicais; trabalhar a pluralidade
cultural; desenvolver a sensibilidade ao ritmo; aumentar a
percepçã o auditiva, a coordenaçã o e a memó ria, apresentar
diversos ritmos musicais, bem como apreciá -los e identificá los, estimulando a linguagem, a respiraçã o correta, o enriquecimento de vocabulá rio. Oportunizar, ainda, o desenvolvimento da concentraçã o, atençã o, criatividade e cooperaçã o. Para
tanto, foram usadas diversas formas de conhecimento em sala
de aula: alfabetizaçã o musical, leitura de partitura, jogos e
dinâ micas direcionados ao desenvolvimento musical.
As aulas foram ministradas de forma expositiva e
acompanhadas de projeçã o de clipes musicais, desenhos
animados musicais, filmes educativos musicais, com auxıĺio de
projetores. Toda metodologia foi usada como o auxıĺio no
processo de fixaçã o e na incorporaçã o dos conhecimentos do
mundo musical pelos alunos.
No ú ltimo semestre de 2009, fui convidada a formar um
coral natalino com os alunos. A ideia que já havia sido cogitada
em outras é pocas veio colaborar para a elaboraçã o de um
156
PROJETO MUSICALIZAÇAO NA ESCOLA
projeto que já estava sendo planejado a partir da Lei
11.769/08, que fala da aplicaçã o da mú sica como disciplina
independente da á rea de Educaçã o Artıśtica. Aproveitando as
impressõ es da Lei, buscou-se, a partir de entã o, desenvolver o
projeto de musicalizaçã o acoplado ao Projeto Fanfarra, já
existente na escola. As aulas foram desenvolvidas, num primeiro momento, com os alunos do 2º e 3º ciclos, sendo expandidas
posteriormente para todos os ciclos da escola.
Em 2009, todos os alunos do ensino fundamental
participaram dos ensaios natalinos, produzindo um grande
alvoroço. Antes dos ensaios, havia exposiçã o de clipes de
corais de outras regiõ es, o que deixou os alunos muito entusiasmados em fazer algo diferente do cotidiano. Eles apreciavam
ó pera, rock, samba e outros ritmos que nã o estavam habituados a ouvir e gostavam muito.
As festas natalinas chegaram, enfim, e o coral dos
alunos obteve um sucesso incrıv́el. Os alunos participantes
eram crianças da periferia e nunca haviam conhecido tal
deslumbramento.
Com todo esse entusiasmo, terminamos o ano de 2009,
voltando no inıćio do ano letivo de 2010 para aplicar o projeto
na ın
́ tegra. No inıćio, os alunos da manhã iam para as aulas de
mú sica à tarde, e vice-versa, mantendo-os grande parte do dia
na escola e com menos tempo ocioso. As aulas tinham duraçã o
de uma hora para cada turma, sendo atendidas quatro turmas
no perıo
́ do vespertino e trê s no perıo
́ do matutino, distribuıd
́ as
de segunda a sexta-feira, com carga horá ria de 20 horas semanais. Com o tempo, as aulas passaram de uma sala de aula
normal a uma sala reformada e pintada, especificamente, para
ser uma sala de mú sica, cedida pela direçã o.
O conteú do das aulas foi elaborado para que esses
alunos pudessem explorar o conhecimento sobre mú sica em
diversos aspectos, como leitura musical (partitura), por meio
de mé todo infantil, exposiçã o de clipes musicais com desenhos
Maria Angela Fabrini Gaspar
157
apresentando mú sica erudita, ó pera, MPB e a mú sica em
culturas diferentes. No princıp
́ io, o objetivo foi apresentar aos
alunos a diversidade musical. A partir de entã o, pô de-se trazer
o conhecimento de outros sons instrumentais e ritmos para
que pudessem desenvolver seus gostos mais livremente.
Em conjunto com a fanfarra, buscou-se colocar em
prá tica toda a aquisiçã o obtida pelos alunos nas aulas de
musicalizaçã o. Nossos ensaios da fanfarra eram duas vezes
por semana, depois do encerramento das aulas vespertinas, e
foram de grande repercussã o. A apresentaçã o da fanfarra foi
outro momento especial, causando surpresa no desfile de 7 de
setembro. Ao final do ano letivo, novamente foi elaborado o
coral de despedida das turmas, com a participaçã o de todos os
alunos da escola, outro momento inesquecıv́el daquele ano. A
interaçã o das turmas aumentou, as crianças do ensino bá sico
se tornaram desejosas pela participaçã o nas aulas de mú sica e
faziam o possıv́el para estarem sempre por perto. As brigas,
com o passar dos dias, se tornaram menos frequentes; os
problemas relacionados com aprendizagem, interpretaçã o de
textos e escrita foram amenizados, e quando havia problemas
de indisciplina, logo eram resolvidos. Notadamente, grandes
mudanças foram observadas.
No ano de 2011, as aulas de musicalizaçã o se expandiram, aumentando o acesso dos alunos, acrescentando o ensino
bá sico de 1º a 4º ano, montando um conteú do especial com
desenhos musicais e mé todos mais adequados para a alfabetizaçã o musical. Houve completa mobilizaçã o da escola ao redor
das aulas de mú sica, elevando a mú sica a objeto de interdisciplinaridade nas aulas de Portuguê s, Histó ria, Geografia, Inglê s
e até Matemá tica. A partir daı,́ resolvemos fazer uma parceria
dentro da escola, que foi bem aceita pelos professores. Todos
se propuseram a desenvolver formas de abordar as suas
disciplinas usando metodologias diferentes, apreciando a
forma musical.
158
PROJETO MUSICALIZAÇAO NA ESCOLA
Tenho que dizer que tal modo de aplicar a mú sica na
escola tem efeito infinitamente pró spero. E tã o imensurá vel
que nã o sei realmente explicar o quã o especial tem sido trabalhar com essas crianças e adolescentes. Só sei que, para mim,
esse foi, sem dú vida, um dos maiores projetos da minha vida.
REFERENCIAS
GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligê ncias mú ltiplas. Porto Alegre: Artes Mé dicas, 1994.
McCLELLAN, Randall. O poder terapêutico da música. Traduçã o: Tomá s Rosa Bueno. Sã o Paulo: Siciliano, 1994.
OLIVEIRA, M. K. de. Teorias psicogenéticas em discussão. 5 ed.
Sã o Paulo: Summus, 1992.
RUUD, Even. Caminhos da musicoterapia. Sã o Paulo: Summus
editorial, 1990.
SEKEFF, Maria de Lourdes. Da música, seus usos e recursos. 2
ed. rev. e ampliada. Sã o Paulo: Editora UNESP, 2007.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. Sã o Paulo:
Martins Fontes, 1989.
O ACÚMULO DE LIXO NO PLANETA
Maria Elizabete e Silva
Joselaine Oliveira Santos
O lixo vem se tornando um problema de cunho mundial.
Em toda a histó ria da humanidade nunca se ouviu falar tanto
em lixo e na necessidade de se preservar o meio ambiente
como atualmente. Nã o se sabe o que fazer com tanto lixo
produzido. Mas o que temos feito com relaçã o a isso?
Apesar de esse discurso ser tã o enfatizado, poucas
açõ es sã o executadas de fato. Para tal constataçã o, basta
olharmos à nossa volta e vermos que sacolas plá sticas, papé is,
garrafas PET e de bebidas alcoó licas (vidros), dentre outros,
sã o descartados em locais impró prios, como nas ruas e em
rios.
Com o crescimento populacional e, na mesma medida, a
necessidade de utilizar os recursos extraıd
́ os da natureza para
obtermos lazer, moradia e bem-estar, a produçã o de bens de
consumo passou a ocorrer em larga escala. Diariamente, há um
grande aumento na produçã o de resıd
́ uos, que passam a serem
considerados inú teis e indesejá veis por nó s e, consequentemente, descartados, desencadeando, assim, um dos maiores
problemas enfrentados pela sociedade da atualidade: a produçã o desenfreada de lixo.
Você já parou para pensar na quantidade de lixo que
produz? O que tem feito com o lixo de cada dia? Se fô ssemos
analisar nossa produçã o diá ria, certamente irı́amos ficar
chocados. Estamos tã o habituados a produzir esses resıd
́ uos
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O ACUMULO DE LIXO NO PLANETA
que nã o nos damos conta da intensidade da nossa produçã o.
Podemos afirmar que temos feito do nosso planeta um verdadeiro depó sito de lixo. Boa parte da populaçã o nã o se mostra
preocupada se haverá futuramente espaço para acumular
tantos resıd
́ uos. Alé m de reduzir a quantidade de lixo produzido, temos que analisar com cuidado o destino que daremos a
ele. Somos nó s os principais responsá veis por esse problema
social e ambiental.
O lixo que uma naçã o produz está ligado ao modo de
vida de seu povo. Pesquisas realizadas afirmam que um cidadã o norte-americano produz, em mé dia, cerca de 3 kg de
resıd
́ uos por dia. Os Estados Unidos sã o considerados o paıś
que mais gera lixo no mundo, cerca de 200 milhõ es de toneladas por ano. O seu desenvolvimento e renda per capita sã o
maiores e na mesma vertente, o poder de consumo, gerando
assim mais resıd
́ uos. Cidades e paıśes industrializados produzem mais lixo inorgâ nico, enquanto naçõ es em desenvolvimento e á reas rurais produzem mais lixo de origem orgâ nica.
Os norte-americanos geram mais resı́ d uos inorgâ nicos,
enquanto no Brasil mais da metade do lixo é composta de
maté ria orgâ nica, estando associado ao desperdıćio de alimentos (SILVA, 2009).
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de
Saneamento Bá sico (PNSB), elaborados pelo IBGE em 2000,
cada brasileiro produz de 0,5 a 1 kg de lixo por dia.
Considerando o nú mero de habitantes, de 190 milhõ es, é
muito lixo, aproximadamente 88 milhõ es de toneladas anuais.
Com tantos desperdıćios de alimentos, há aproximadamente
16 milhõ es de pessoas no Brasil em situaçã o de misé ria,
inclusive passando fome (IBGE, 2000).
Esses resıd
́ uos só lidos, de acordo com sua origem e
produçã o, podem ser classificados em diferentes tipos.
Falaremos dos principais, que sã o: domiciliar, comercial,
industrial e hospitalar. O lixo domiciliar é aquele produzido
Maria Elizabete e Silva / Joselaine Oliveira Santos
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nas residê ncias. Temos como exemplo restos alimentares,
sacolas plá sticas, garrafas descartá veis, entre outros. O lixo
comercial é gerado pelo setor de comé rcio, como lojas, supermercados e bancos. Sã o mais comuns os papé is e plá sticos. O
lixo produzido nas indú strias é bastante variado, dependendo
da natureza industrial, podem ser ó leos, resıd
́ uos alcalinos ou
á cidos, madeiras, borrachas, metais e outros. O lixo hospitalar
resulta de materiais usados no tratamento de saú de em hospitais, postos de saú de, clın
́ icas, laborató rios e farmá cias. Sã o
representados por seringas, agulhas, bandagens, algodã o,
sangue e medicamentos com prazos de validade vencidos,
entre outros.
De acordo com a sua composiçã o quım
́ ica, os resıd
́ uos
podem ser orgâ nico e inorgâ nico. O lixo orgâ nico é representado por restos de comidas, frutas, verduras e restos de plantas,
como folhas, galhos, pedaços de madeira. Esses sã o de decomposiçã o relativamente rá pida. Já o lixo inorgâ nico pode-se
dizer que é o mais prejudicial ao meio ambiente, pois leva anos
para ser decomposto. Sã o resultantes de produtos industrializados, como plá sticos, vidros, papé is, metais, entre outros. A
ressalva para esses é que podem ser reciclados ou reutilizados.
O conhecimento sobre o tipo de lixo é de extrema
importâ ncia, pois disso depende a sua classificaçã o e destinaçã o final para o tratamento. Existem vá rias formas de se tratar
o lixo, entre as quais: compostagem, incineraçã o, aterro
sanitá rio e reciclagem. A compostagem é usada para tratar
resıd
́ uos de origem orgâ nica, como restos de vegetal e alimentos em geral, que sã o transformados em adubo para agricultura e jardinagem, ocasionando menos riscos ambientais. A
compostagem produz o chorume, que contamina a á gua, se
nã o tratado. A incineraçã o é usada, principalmente, na queima
do lixo hospitalar. Esse processo apresenta custos elevados e
há a necessidade de rigoroso controle contra a emissã o de
gases poluentes. Poré m, com a incineraçã o eliminando os
pató genos presentes no lixo hospitalar, há uma reduçã o de
162
O ACUMULO DE LIXO NO PLANETA
70% da massa e 90% do volume dos resıd
́ uos, gerando uma
economia de espaço nos aterros. O aterro sanitá rio é a forma
mais usada para depositar o lixo. Nesse tipo de tratamento,
deve-se dispor o lixo em camadas cobertas de terra, onde sã o
construıd
́ os sistemas de drenagens para os gases tó xicos. O
chorume també m deve ser tratado. As á reas destinadas aos
aterros sanitá rios tê m vida ú til reduzida, e novas á reas precisam ser abertas, causando novos impactos ambientais e
econô micos. Sabe-se que o espaço urbano encontra-se limitado devido ao grande nú mero de habitantes, sendo assim, os
aterros estã o sendo instalados muito longe, o que eleva o
custo.
Boa parte das cidades brasileiras tem apenas lixõ es a
cé u aberto. Entre os problemas causados por esses estã o: a
poluiçã o do solo, da á gua, do ar e visual; o odor fé tido que
exalam; há també m os problemas relacionados à saú de pú blica, pois esses lixõ es sã o locais de disseminaçã o de diversos
vetores de doenças, como ratos, moscas e baratas.
Uma alternativa para minimizar o acú mulo de lixo no
planeta poderia ser a reciclagem, associada à coleta seletiva e
aos 5 R's (Repensar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar, Recusar). A
reciclagem pode ser definida como a transformaçã o de algo,
considerado lixo, em maté ria-prima para a criaçã o de um novo
produto ou objeto.
Jogar fora apenas coisas que realmente nã o servem
mais seria uma das possıv́eis soluçõ es para diminuir a produçã o de lixo. A maior parte do que jogamos fora todos os dias
ainda pode ter serventia. Vidros, latas de alumın
́ io, papé is e
embalagens plá sticas podem ser reaproveitados ou reciclados.
Se os reutilizarmos de alguma forma, evitaremos uma possıv́el
catá strofe ecoló gica devido ao acú mulo de tanto lixo em locais
impró prios. Isso somente será possıv́el por meio da sensibilizaçã o, nã o apenas por parte das autoridades, mas, sobretudo,
por parte da populaçã o e dos ó rgã os responsá veis pela preser-
Maria Elizabete e Silva / Joselaine Oliveira Santos
163
vaçã o ambiental, dando destinaçã o adequada a esses resıd
́ uos
só lidos e fazendo valer a aplicabilidade dos 5 R's: repensar,
reduzir, reutilizar, reciclar, recusar.
Sendo assim, a fó rmula mais prá tica de se resolver a
aplicabilidade seria se a sociedade, de forma geral, pensasse
em polıt́icas pú blicas voltadas para um consumo sustentá vel.
Pensar nã o apenas na destinaçã o adequada para o lixo, mas,
principalmente, em poupar os recursos naturais. Por meio do
reaproveitamento de materiais, como plá stico, vidro, borracha
e papel, estarıámos colaborando diretamente para a preservaçã o de importantes elementos da natureza, como, por exemplo, as á rvores, que servem de maté ria-prima para fabricaçã o
de papé is.
A reciclagem é uma das alternativas considerá veis para
solucionarmos a questã o do acú mulo de lixo no mundo.
Poré m, nã o pode ser vista como ú nica. Deve ser levada em
consideraçã o a mudança dos há bitos por parte da sociedade,
com atitudes que levem em consideraçã o o desenvolvimento
de preservaçã o e conservaçã o da natureza por meio de atitudes, como repensar seus há bitos de consumo; reduzir o consumo e diminuir a geraçã o e o descarte de resıd
́ uos só lidos;
reutilizar plá sticos, vidros e papé is para aumentar a vida ú til
de cada produto; reciclar para transformar o que seria descartado em um novo produto e recusar produtos que agridam a
saú de e o ambiente.
Essas atitudes podem levar a sociedade a tomar medidas mais abrangentes, com açõ es que minimizem a quantidade
de resıd
́ uos na pró pria fonte geradora. Devemos ter em mente
que esse processo educativo é permanente e contın
́ uo. Ele visa
a desenvolver uma postura de maior harmonia e respeito com
a natureza e entre os homens, propiciando conhecimentos e o
exercıćio da cidadania para uma atuaçã o crıt́ica e consciente
dos indivıd
́ uos, assumindo assim uma prá tica cotidiana que
melhore nossa qualidade de vida e a do nosso planeta.
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O ACUMULO DE LIXO NO PLANETA
REFERENCIAS
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatıśtica. Censo
Demográfico 2000. www.ibge.gov.br
PESQUISA nacional de saneamento básico 2000. Rio de Janeiro:
IBGE, 2002. 431 p. Disponıv́el em: <http://www.ibge.gov.br/
home/estatistica/populacao/condicaodevida/pnsb/default.
shtm>. Acesso em: jan. 2012.
SILVA, Nathieli K. Takemori; SILVA, Sandro Menezes. Educação
Ambiental e Cidadania. Curitiba: IESDE Brasil S. A., 2009.
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA
ESTADUAL ANA NERI – JUÍNA MT
Demerval Pires Gaspar
Na sociedade do conhecimento e da tecnologia, o fá cil
acesso a informaçõ es elaboradas de forma dinâ mica e rá pida
faz com que grande parte dos conteú dos apresentados em sala
se torne pouco interessante.
Inserido nessa nova forma de se pensar o mundo, o
aluno passa a valorizar essa maneira significativa de aprendizagem e construçã o de conhecimento em detrimento de
aprendizagens mecâ nicas, tã o comuns aos tradicionais processos de ensino.
Nesse contexto, é compreensıv
́ el que a busca dos
professores por estraté gias que os possibilitem desenvolver
em seus alunos habilidades e competê ncias compatıv́eis à s
exigê ncias educacionais venha se tornando uma tarefa cada
vez mais complexa.
Assim, pensar em atividades que integrem o aluno ao
mundo escolar com o dinamismo do conhecimento atual exige
um posicionamento bastante reflexivo sobre o desenvolvimento de té cnicas criativas de ensino.
Nessa perspectiva, ponderar sobre a possibilidade de
se apreciar experiê ncias educativas que, de alguma maneira,
se mostraram favorá veis ao envolvimento dos alunos com o
aprendizado pode ser considerado como um subsıd
́ io bastante
interessante.
166
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL ANA NERI – JUINA MT
Desse modo, por acreditar que esse tipo de observaçã o
possa contribuir para que se reflita sobre estraté gias a serem
adotadas em favor do ensino é que se apresenta este texto, que
relata uma experiê ncia educacional. Um trabalho pedagó gico
extraclasse, desenvolvido como projeto de pesquisa com os
alunos da Escola Estadual Ana Neri, no municıp
́ io de Juın
́ a, MT.
Seu objetivo, alé m de divulgar a possibilidade de se
utilizar o trabalho cientı́fico como estraté gia educativa, o
apresenta como instrumento de inclusã o social e de territorialidade. Territorialidade num sentido sinô nimo ao de pertencer
à quilo que nos pertence, associando a realidade observada e
compartilhada pelos alunos e sua comunidade aos conteú dos
educacionais, cientıf́icos e escolares.
Para tanto, descreve por meio de narrativa o percurso
para sua realizaçã o, para que possa ser observado em suas
diversas fases e adaptado de maneira a contribuir com outros
trabalhos pedagó gicos. Dito de maneira mais ousada, para que
possa servir como modelo à s novas intervençõ es.
A ideia de realizar a pesquisa originou-se durante as
aulas da disciplina de Geografia, cujo conteú do referia-se ao
IDH, Indice de Desenvolvimento Humano, e aos aspectos que
esse ın
́ dice observava ao classificar um determinado municı-́
pio.
Ao se discutir a oferta de á gua tratada como uma das
caracterıśticas observadas por esse ın
́ dice, constatou-se que
grande parte dos alunos presentes e suas famıĺias nã o recebiam esse benefıćio, servindo-se das á guas de poços e cisternas
para as mais variadas tarefas e usos, situando-se, assim, na
contramã o dos objetivos educacionais expostos por aquele
conteú do, a saú de e a prevençã o de doenças.
Como os referidos alunos e suas famıĺias, a deficiê ncia na
oferta de á gua tratada faz com que a utilizaçã o de á gua proveniente de poços e cisternas seja uma prá tica comum em nosso
paıś. Sua aparê ncia, geralmente lım
́ pida, induz as populaçõ es a
Demerval Pires Gaspar
167
que a considerem como pura e pró pria para seu consumo.
Poré m, esse juıźo com base em sua aparê ncia é equivocado e os
expõ e a grandes riscos.
A grande maioria dessas fontes está sujeita a algum tipo
de contaminaçã o, principalmente quando em perı́metro
urbano, onde, em virtude de algumas condiçõ es, como o
tamanho reduzido dos terrenos, sua localizaçã o é frequentemente bem pró xima das fossas, consequentemente, altamente
contaminadas por coliformes fecais.
As fossas, alternativa para a coleta e armazenamento dos
esgotos domé sticos em municıp
́ ios e regiõ es que nã o oferecem
um sistema de coleta e tratamento desses esgotos, deixam que
seus fluidos se infiltrem no solo até atingirem os poços, contaminando-os. Dessa forma, as fontes de á gua acabam contaminadas pelos dejetos de seus pró prios usuá rios.
A partir da continuidade das discussõ es e interaçõ es com
os alunos, nas aulas posteriores percebeu-se que, alé m dos
alunos e seus familiares, um elevado nú mero de famıĺias da
comunidade, da mesma forma, utilizava-se das á guas de poços
e cisternas sem nenhum tratamento, ou, quando o faziam, era
de maneira pouco eficiente.
Tal observaçã o exigiu reflexõ es. De alguma maneira, essa
situaçã o deveria ser, no mın
́ imo, melhor discutida. A melhor
alternativa ao alcance foi capacitar os alunos a reproduzirem
essas informaçõ es.
Com esse pensamento, foi inserida, sob a forma de
projeto de pesquisa, uma atividade pedagó gica aos alunos do
9º ano do ensino fundamental, tendo por objetivo investigar a
qualidade da á gua consumida pela comunidade.
Os trabalhos desenvolvidos como conteú dos adicionais à
disciplina de Geografia ocuparam parcialmente o horá rio das
aulas, sendo reservados trinta minutos de cada aula para sua
execuçã o. Muito bem aceita pela maioria dos alunos, a açã o se
168
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL ANA NERI – JUINA MT
desenvolveu dentro das metas e objetivos estabelecidos no
projeto, elencados mais adiante no texto.
A açã o nã o seria possıv́el se nã o houvesse, por parte dos
alunos e da direçã o da escola, aceitaçã o e colaboraçã o. As
pesquisas e discussõ es trouxeram ao ambiente escolar um
clima de reflexã o, no qual, temas como saú de, princı́pios
bá sicos de higiene e responsabilidade com o bem-estar
comum passaram a ser pensados de maneira crı́tica, nã o
somente entre os alunos participantes do projeto, mas pela
comunidade escolar.
Com o desenrolar das pesquisas e a colaboraçã o da
Vigilâ ncia Sanitá ria do municıp
́ io na realizaçã o da coleta e
envio de amostras colhidas dos poços para aná lise, foram
obtidos resultados laboratoriais que indicavam os altos
ın
́ dices de contaminaçã o dessas á guas. Isso, somado ao grande
nú mero de seus usuá rios, confirmou o presumido risco a que
grande parte da comunidade estava exposta.
A á gua passou a ser tema de discussõ es na escola. Se nos
vá rios pontos em que foram coletadas amostras a á gua nã o é
pró pria para consumo, nã o estaria, a á gua da escola, també m
contaminada? Filtros resolvem o problema? Como purificar a
á gua que eu bebo?
A potabilidade da á gua da instituiçã o foi uma das primeiras preocupaçõ es. Sensıv́el ao problema, a direçã o da escola
fez com que a pureza da á gua fosse garantida. Os alunos participantes da pesquisa, mediante a confirmaçã o dos resultados,
se imbuıŕam de segurança para discutir, dentro e fora do
ambiente escolar, questõ es relacionadas ao problema da
contaminaçã o da á gua dos poços e cisternas, suas causas e
consequê ncias.
As discussõ es ultrapassaram o â mbito de saú de.
Reflexõ es a respeito da responsabilidade polıt́ica pela situaçã o; o direito à saú de; a impossibilidade financeira de boa
parte da populaçã o adquirir aparelhos para purificaçã o da
Demerval Pires Gaspar
169
á gua; a negligê ncia das instituiçõ es responsá veis em disponibilizar á gua tratada a todas as pessoas e a parcela de responsabilidade do eleitor para que essa situaçã o chegasse a esse
ponto fizeram parte das argumentaçõ es.
Tanto alunos como professores e demais funcioná rios da
instituiçã o estavam em sintonia, talvez o tema estivesse
vinculado a uma realidade comum, afinal, somos 70% á gua.
O trabalho, premiado em primeiro lugar pela Feira de
Ciê ncias do municıp
́ io, teve boa divulgaçã o, e as escolas de
outros bairros passaram a observar o problema como uma
realidade de grande parte da populaçã o do municıp
́ io. Mesmo
assim, muito pouco ou quase nada tem sido feito para resolver
essa situaçã o.
Contudo, a possibilidade de que parte do alunado participante dessa açã o tenha desenvolvido uma visã o crı́tica a
respeito do direito do indivıd
́ uo à garantia de necessidades
bá sicas, como a á gua, já seria um ó timo resultado, pois é a
partir do reconhecimento do problema que partem as soluçõ es.
Seguem adiante o projeto de pesquisa, os resultados
laboratoriais e das entrevistas, acompanhados de conclusõ es
elaboradas pelos alunos a partir de suas aná lises.
Projeto de pesquisa, desenvolvido na Escola Estadual Ana
Neri, sobre a qualidade da água do bairro São José
Operário.
Justificativa:
Em face da possibilidade de se trabalhar o tema meio
ambiente junto aos alunos da 2ª e 3ª fases do 3º ciclo, na
disciplina de Geografia, incluindo-os na trama social, pensou-se a execuçã o de um projeto didá tico que, por sua relevâ ncia
social e prá tica, viesse a contribuir para o fortalecimento dos
170
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL ANA NERI – JUINA MT
laços do aluno com sua comunidade. Uma vez que participar
com a comunidade dos problemas e soluçõ es é exercer cidadania.
Problemática:
Sabe-se que o sistema de coleta e armazenamento de
esgoto por meio de fossas é um dos maiores poluidores do
lençol freá tico13, e també m que grande parte da comunidade
do Bairro Sã o José Operá rio, principalmente a com menor
poder aquisitivo, utiliza-se das á guas de poços ou cisternas.
Sabe-se, ainda, que, por estarem pró ximas à s fossas,
essas fontes de á gua correm sé rio risco de estarem altamente
contaminadas.
Desta forma, supõ e-se que os usuá rios dessas á guas
expõ em sua saú de em risco devido a essa contaminaçã o,
condiçã o agravada pela falta de acesso dessas populaçõ es ao
sistema pú blico de á guas e esgotos, o que colabora para que se
submetam compulsó ria e frequentemente a essa situaçã o de
risco.
Objetivos:
Geral: Possibilitar aos alunos construir consciê ncia
sobre questõ es vitais e importantes da comunidade em que se
inserem e sobre o risco a que se submetem ao consumirem
á gua nã o tratada.
Específicos:
Ÿ Envolver os alunos da instituiçã o com a realidade
social em que estã o inseridos;
13
Reservas de á guas subterrâ neas, parcela hıd
́ rica localizada no subsolo.
Demerval Pires Gaspar
171
Ÿ Despertar sentimentos de responsabilidade comuni-
tá ria, para que os alunos participem ativamente dos
problemas da comunidade;
Ÿ Possibilitar que os alunos, por meio desta açã o, sejam
percebidos por sua comunidade numa posiçã o de
importâ ncia;
Ÿ Aumentar-lhes a autoestima e confiança.
Metodologia:
Ÿ Iniciam-se os trabalhos com a conduçã o dos alunos à s
pesquisas bibliográ ficas, a conteú dos sobre contaminaçã o, lençol freá tico, iniciaçã o à pesquisa de temas
ligados à responsabilidade polıt́ica e social, como
embasamento e preparaçã o das fases seguintes.
Segue-se o trabalho com a escolha e redaçã o das
perguntas a serem utilizadas nas entrevistas;
Ÿ Realizaçã o das entrevistas para a obtençã o de dados;
Ÿ Coleta, acompanhada pela Vigilâ ncia Sanitá ria, de
amostras de á gua dos poços e cisternas para aná lise;
Ÿ Em posse dos resultados laboratoriais, analisá -los e
redigir os resultados e conclusõ es dos trabalhos;
Ÿ Decidir sobre as estraté gias de divulgaçã o. A apresen-
taçã o dos resultados, juntamente com alternativas de
soluçã o para o problema, o uso de filtros, produtos
quım
́ icos, tratamento té rmico, e outros à comunidade.
Cronograma:
Os trabalhos serã o desenvolvidos concomitantes ao
conteú do destinado ao perı́odo letivo, culminando com o
evento da feira de ciê ncias, momento em que os trabalhos,
resultados de entrevistas, pesquisa e aná lise serã o expostos à
172
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL ANA NERI – JUINA MT
sociedade, juntamente com as possıv́eis soluçõ es, como forma
de contribuiçã o social dos alunos e da instituiçã o.
Poré m, fica esclarecido que sua funçã o maior é o trabalho de esclarecimento e informaçã o em favor da populaçã o do
Bairro Sã o José Operá rio, nas dependê ncias da Escola Estadual
Ana Neri, pelos alunos participantes, membros ativos da
comunidade.
A apresentaçã o será voltada a alertar a comunidade do
bairro em relaçã o aos problemas que a á gua contaminada de
poços e cisternas pode significar para a saú de humana, e
instruir possıv́eis soluçõ es que poderã o ser utilizadas na
resoluçã o desses problemas. Ainda, terá como objetivo paralelo a notoriedade dos alunos em sua comunidade.
Questionário sobre qualidade da água consumida no
Bairro São José Operário:
Este questioná rio, dirigido à s pessoas que residem no
Bairro Sã o José Operá rio, teve por finalidades obter informaçõ es sobre o uso de á guas provenientes de poços e cisternas e
discutir com os entrevistados a qualidade dessas á guas.
1) Você sabe o que é lençol freá tico?
2) Você sabe que o lençol freá tico no bairro é bastante
superficial, o que aumenta o risco de contaminaçã o das á guas
subterrâ neas?
3) Você sabe que os contaminadores dos lençó is freá ticos
sã o lixõ es, cemité rios e, principalmente, os esgotos?
4) Em sua residê ncia, você utiliza á gua de poços ou cisternas?
5) Você sabia que, em pesquisas anteriores, constatou-se
que a maioria dos poços do nosso bairro está com suas á guas
contaminadas e que o maior responsá vel por essa contaminaçã o sã o as fossas?
Demerval Pires Gaspar
173
6) Você sabe quais sã o os riscos e doenças relacionados à s
á guas contaminadas?
7) Algué m em sua famıĺia já adoeceu por ingerir á gua
contaminada?
8) A á gua de sua cisterna é tratada de alguma maneira?
9) Se sim, que tipo de tratamento utiliza? Se nã o, nã o
utiliza por nã o ter acesso, ou nã o conhece esses mé todos?
10) Sente-se seguro(a) com esse tipo de tratamento?
Resultados da pesquisa:
Das sessenta entrevistas aplicadas no bairro Sã o José
Operá rio a respeito do uso de á guas de poços e cisternas,
obteve-se os seguintes percentuais:
Ÿ 40% da populaçã o utiliza á gua de poços e cisternas;
Ÿ 60% dos entrevistados sabem dos riscos de se
consumir á gua contaminada;
Ÿ 70% dos entrevistados sabe que fossas e esgotos
sã o os maiores contaminadores das á guas subterrâ neas;
Ÿ 30% já tiveram, em suas famı́lias, pessoas que
adoeceram por utilizar á gua contaminada;
Ÿ 80% utilizam algum tipo de tratamento com inten-
çã o de purificar a á gua;
Ÿ 99% dos tratamentos sã o considerados ineficientes.
A aná lise laboratorial, executada pela Vigilâ ncia
Sanitá ria em laborató rio oficial, constatou altıśsimos ın
́ dices
de contaminaçã o em todas as amostras analisadas, com
resultados dezenas de vezes superiores ao nıv́el má ximo de
contaminaçã o.
174
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL ANA NERI – JUINA MT
Análise e considerações sobre os resultados da pesquisa
sobre a qualidade das águas utilizadas pela comunidade
do Bairro São José Operário:
Os resultados da pesquisa realizada com moradores do
Bairro Sã o José Operá rio, somados aos resultados das aná lises
laboratoriais das amostras de á gua retiradas dos poços,
demonstraram que, devido a fatores como a impossibilidade
do ó rgã o de fornecimento de á gua do municıp
́ io efetuar novas
ligaçõ es à rede de á gua em nú mero necessá rio para atender a
demanda da populaçã o por á gua tratada, ou, ainda, de fornecer
essa á gua com uma regularidade adequada aos que já possuem
esse benefı́cio, os membros dessa comunidade sentem-se
“obrigados” a utilizar as á guas subterrâ neas para satisfazer
suas necessidades. Em vista da prioridade que tem esse
recurso em suas vidas, fazem-no, mesmo que cientes da
contaminaçã o desses mananciais por fossas, já que a rede de
esgotos també m nã o lhes é acessıv́el.
Expõ em-se, entã o, compulsoriamente ao risco de
contrair algum tipo de doença, proveniente dos dejetos humanos depositados em fossa, que, ao penetrarem o solo, contaminam as á guas do subsolo. E mesmo que, de alguma maneira, os
indivıd
́ uos tratem essa á gua com a intençã o de purificá -la,
essas açõ es nã o tê m sucesso em virtude da falta de informaçã o
a esse respeito.
Considerações:
Muito alé m de um problema social, a constataçã o
demonstra claramente o descaso das autoridades responsá veis com a saú de e a qualidade de vida das populaçõ es. Cabe-nos, entã o, capacitar, por intermé dio de informaçõ es e conhecimentos, essa comunidade sobre a forma mais adequada de
encarar tã o perigosa realidade, de maneira que as açõ es, que
venham a ser desenvolvidas pela instituiçã o, tenham como
funçã o principal o esclarecimento em relaçã o aos problemas,
Demerval Pires Gaspar
175
suas causas e possıv́eis soluçõ es. As escolas precisam urgentemente se comprometer com a transformaçã o social, o desvelamento de contradiçõ es, denunciando as condiçõ es em que elas
pró prias se encontram, assim como a comunidade em que
estã o inseridas. Eleger por objetivo a construçã o de pessoas
crıt́icas e que militem em benefıćio e preservaçã o da vida, da
natureza, da solidariedade, da responsabilidade social e da
importâ ncia que cada pessoa tem para com nosso mundo.
Sonhar com a democracia é nã o somente pensar nela, refletir
como poderia ser, mas trabalhar no mundo e com ele para que
possa ser realidade.
REFERENCIAS
CALLAI, Helena Copetti. O ensino da Geografia e a nova realidade. Boletim Gaúcho de Geografia, n. 24, 1998.
FOUCAULT , Michael. Verdade e poder. In: FOUCAULT, M.
Microfísica do Poder. 3.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
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conflito. 5. ed. Sã o Paulo: Cortez, 2000.
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4.ed. Goiâ nia: Editora Alternativa, 1994.
VEIGA, I. P. (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma
construçã o possıv́el. 13. ed. Campinas: Papirus, 2001.
176
O PROJETO DESENVOLVIDO NA ESCOLA ESTADUAL ANA NERI – JUINA MT
VYGOTSKY, L. S. A formaçã o social da mente. In: Interação
entre aprendizado e desenvolvimento. 7. ed. Sã o Paulo: Martins
Fontes, 2007.
COLABORADORES
Ana de Medeiros Arnt é licenciada em Ciê ncias Bioló gicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre e
doutoranda em Educaçã o pela mesma universidade. Atualmente, é professora da UNEMAT, campus Tangará da Serra, em
Mato Grosso, no curso de Ciê ncias Bioló gicas, coordenadora do
Nú cleo de Educaçã o em Ciê ncias Tabebuia aurea e coordenadora do projeto Biologia e Linguagens em busca dos modos de
viver e pensar a ciê ncia com Novos Talentos da Escola, do Programa Novos Talentos (CAPES).
Atila Iamarino é fundador do primeiro condomın
́ io de
blogs cientıf́icos do Brasil, hoje, o Scienceblogs Brasil, onde
també m escreve no blog Rainha Vermelha. Bió logo bacharel
pela Universidade de Sã o Paulo, atualmente é aluno de doutorado da USP. Tem experiê ncia em Microbiologia, Gené tica Molecular e de Microrganismos, atuando principalmente na evoluçã o molecular do vıŕus da Aids.
Cecília de Campos França tem curiosidade pelo desconhecido. Ousa, com frequê ncia, em suas atividades profissionais, convertendo dificuldades em desafios e em objetos de
pesquisa. Suas produçõ es acadê micas trazem a marca da
diversidade. Ministra aulas de Psicologia da Educaçã o, Psicologia e Linguagem, Educaçã o, Diversidade e Interculturalidade,
tendo lecionado també m as disciplinas de Filosofia, Histó ria
da Educaçã o I e II, Metodologia Cientıf́ica, dentre outras. Costuma dizer aos alunos e colegas que, ao contrá rio do que se
pode pensar, trabalhar comprometido com o que gostamos
traz prazer e realizaçã o e faz com que evoluamos a cada dia.
Participa com artigos em outro livro da mesma editora. Pó s-doutora pela Unicamp.
Demerval Pires Gaspar é graduado em Letras com
habilitaçã o em Espanhol pela Universidade do Estado de Mato
Grosso. Atualmente é professor dessa lın
́ gua na rede pú blica
em Juın
́ a – MT.
COLABORADORES
Eduardo Bessa adora falar sobre seu trabalho, a ciê ncia, que aprendeu cursando Biologia na USP e fazendo doutorado na Unesp. Gosta tanto, que escreve um blog chamado Ciê ncia à Bessa na rede Scienceblogs Brasil (scienceblogs.com.br/bessa) e dá aulas sobre Zoologia na Universidade do
Estado de Mato Grosso. Para ter sempre assuntos novos para
falar, ele faz ainda pesquisa sobre o comportamento animal, o
que lhe rendeu a autoria de outro livro da Editora Mediaçã o.
Jane Ferreira Senra e Silva é formada em Pedagogia e
Filosofia pela Universidade do Estado de Mato Grosso. També m é especialista em Psicopedagogia. Atualmente ensina na
Educaçã o Bá sica do Estado de Mato Grosso.
Joselaine Oliveira Santos é licenciada em Letras pela
UNEMAT. Hoje é professora de Portuguê s na rede pú blica de
Mato Grosso.
Luciani Gallo possui graduaçã o em Ciê ncias
Bioló gicas. E professora efetiva na educaçã o infantil em Nova
Olım
́ pia – MT, desde 2002. Trabalha com educaçã o de jovens e
adultos desde 2010.
Maria Angela Fabrini Gaspar é graduada no curso de
Letras pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT
– Nú cleo Pedagó gico de Juın
́ a.
Maria Elizabete e Silva é licenciada em Letras – Portuguê s e Espanhol – pela UNEMAT, é pó s-graduanda em Metodologia de Ensino de Lın
́ gua Estrangeira e aluna do Programa de
Pó s-graduaçã o em Estudos Literá rios da UNEMAT.
Mauro F. Rebelo é bió logo, o que, no seu caso, é mais
um adjetivo do que uma profissã o. E apaixonado pela ciê ncia e
nã o se contenta em viver sua paixã o calado: ele gosta de contar
para todo mundo como é ser cientista, no seu blog, no seu laborató rio, nos seus livros e nas salas de aula do Instituto de Biofı-́
sica da UFRJ, onde é professor.
COLABORADORES
Rafael Bento da Silva Soares é bió logo formado pela
Unesp, passou pela USP em um doutorado criando vıŕus para
matar cé lulas de câ ncer e, depois, tentou as neurociê ncias em
um pó s-doutorado relâ mpago. Desde 2006, está envolvido em
divulgaçã o com o blog RNAm (scienceblogs.com.br/rnam) e
percebeu que sua verdadeira vocaçã o nã o é fazer ciê ncia, mas
sim trazê -la para mais perto da sociedade.
Reinaldo José Lopes arranha grego e quenya, queria
ser paleontó logo, mas també m se diverte bastante como jornalista de ciê ncia, carreira que segue há 12 anos. Trabalha na
Folha de S. Paulo.
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS TABEBUIA AUREA (NECTAR)
Esse nú cleo foi formado por professores da Universidade do Estado de Mato
Grosso (UNEMAT), campus Tangará da
Serra, para valorizar a profissã o docente, a divulgaçã o cientıf́ica e o estudo
mais aprofundado na á rea cientıf́ica e pedagó gica, em especial
no campo das Ciê ncias Bioló gicas. E um projeto que vem
amadurecendo há alguns semestres e, no inı́cio de 2008,
começou a ganhar vida. O Nú cleo foi batizado com o nome da
majestosa Tabebuia aurea, á rvore conhecida popularmente
como Ipê Amarelo. Essa espé cie tem tornado o cotidiano de
todos mais colorido na é poca da seca aqui em nosso Estado e é
uma importante representante do Cerrado.
Este livro é resultado do Projeto Biologia e
linguagens em busca dos modos de viver e
pensar a ciê ncia com novos talentos da
escola, no Programa Novos Talentos, da
Coordenaçã o de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nıv́el Superior (CAPES).
Para conhecer mais sobre quem somos, nosso trabalho
e atividades, entre em contato conosco:
www.nectar.bio.br
nectar@unemat.br