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Fui vítima de preconceito. E agora?

Fui vítima de preconceito. E agora?

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“Eu trabalho em um salão de beleza e, há alguns dias, meu patrão surgiu me questionando sobre várias questões como: para que presídio eu iria caso fosse presa? Se em uma abordagem policial, quem iria me revistar, um policial homem ou mulher? Fiquei intrigada e preocupada, porque sabia que, ao mesmo tempo que estava sofrendo uma violação por parte dele, ainda tive medo por estar em uma situação como as relatadas”. O relato é da manicure Carla*, 25, à Defensoria Pública do Ceará quando esteve em atendimento para fazer a retificação de nome e gênero, em 2019, após intermédio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Instituição. Ela sabe, porque sente na pele, que as situações vexatórias são recorrentes.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabelece a proteção universal dos direitos humanos, inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. “Em caso de transfobia e qualquer violência relacionada a isso, a quem devo recorrer? O que devo fazer para me resguardar?”, questiona. “É preciso que os mecanismos de denúncia sejam claros para que possamos saber o que fazer para poder denunciar”, reforça.

Catalogar e monitorar as violações de direitos humanos sofridas por grupos mais vulneráveis é um desafio. O Governo Federal mantém um canal de denúncias regular, desde 2017, o Disque 100, que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos, registra manifestações e presta serviço de informação à população. No relatório consolidado de 2019, foram 159.063 denúncias, sendo criança e adolescente, pessoa idosa e pessoa com deficiência os grupos com maiores violações reportadas a Central. Violações como racismo, LGBTfobia tem pouca incidência de registro, mas isso não significa que não ocorram. Na verdade, ainda estão em camadas invisíveis até mesmo das políticas de reparação. Comparados a 2018, por exemplo, ainda menos denúncias chegaram ao Disque 100: 846 denúncias de crimes contra LGBTs, por exemplo, 49,8% menor se comparado com 2018, quando foram registradas 1.685 denúncias.

“Não me olha, seu viado”. A ofensa ocorreu no local de trabalho de Francisco*, de 25 anos, que é atendente em um hospital particular em Fortaleza. Ele escutou, mas continuou o seu trabalho e só compreendeu o que havia acontecido quando chegou em casa. A demora em entender que tinha sofrido um ataque fez com que Francisco não registrasse um boletim de ocorrência na Polícia e nem no canal nacional de denúncias. “O que ia mudar se eu tivesse feito a denúncia? Eu sofro todos os dias situações assim por ser gay e o que eu faço hoje é fortalecer a minha mente para não dar espaço para esse tipo de situação. Minha família me ama e me respeita, e isso é o que importa pra mim. Eu sei que vivemos em uma sociedade preconceituosa e pequena, capaz de matar o outro por qualquer motivo banal. Então, eu não vou para o enfrentamento não”, revela o jovem.

Faz pouco mais de um ano, no dia 13 de junho de 2019, que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 8 votos a 3, permitir a criminalização da homofobia e da transfobia. Os autores de agressões a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e outras identidades e sexualidades estão sujeitos a penas de um a cinco anos de reclusão. Só depois disso foi que o Estado do Ceará passou a fazer a contabilização desses casos de agressões. Os campos “orientação sexual” e “identidade de gênero” foram acrescentados ao Sistema de Informações Policiais do Ceará, utilizado para registro de boletins de ocorrência em delegacias. Antes o estado não tinha estatísticas oficiais.

De acordo com a defensora pública Mariana Lobo, supervisora do NDHAC, a Defensoria tem papel crucial na rede de proteção de direitos e na defesa de pessoas que passem por violações. “O Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas está na retaguarda para a defesa de violações de direitos humanos, englobando várias atribuições desde o atendimento aos LGBTQs, combate ao racismo estrutural e ao preconceito em geral contra minorias, acesso à educação, pessoas em situação de rua, comunidades tradicionais, direito ambiental, ofensas por meio da internet, entre outros. Trabalhamos também na preservação e reparação dos direitos de grupos sociais vulneráveis e de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência. Em um momento de crescente violência contra as populações que se encontram em vulnerabilidade, a Defensoria Pública é imprescindível para a garantia de direitos fundamentais resguardados pela Carta Magna”.

Combate ao racismo estrutural – O racismo estrutural permeia nossas relações sociais. Recentemente o Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD -, que é uma organização da sociedade civil de interesse público, fundada em julho de 2000, publicou pesquisa realizada em São Paulo, em que se constatou que, no ano de 2019, foram realizadas pela Polícia Militar mais de 15 milhões de abordagens em razão de atitude suspeita, sendo que, destas, apenas 0,8% resultou efetivamente em prisão em flagrante, ou seja, segundo consta da noticiaram “é como se, no espaço de 365 dias, 1/3 dos habitantes do estado mais populoso do País tenha despertado a suspeita dos policiais, sem que nada de ilegal tenha sido encontrado com estas pessoas. Mas antes de generalizada, a suspeição se concentra em um perfil racial, etário, socioeconômico e de gênero específico: os homens jovens e negros”.

A defensora Lia Felismino contextualiza: “a pesquisa, que foi realizada apenas em São Paulo, mas que serve de espelho para todo o Brasil, parece desautorizar o argumento de que tal prática é eficaz no combate ao crime, não sendo justificável que tamanha arbitrariedade e violência continuem fazendo parte do cotidiano da população, sobretudo da população negra”, evidencia.

A temática do racismo estrutural tem sido uma constante nas lives da Defensoria do Ceará, que tem aberto a questão para discutir o lugar de fala dos negros, as violações e os espaços de poder. O tema permeou o debate entre os defensores Lia Felismino, Breno Vagner, Eduarda Paz, Mariana Lobo, Diego Miguel, Mayara Rodrigues e Renan Cajazeiras com convidados que são referência no debate sobre as desigualdades raciais. O projeto NaPausa é uma abordagem sistêmica de debate e discussão, três vezes por semana, e acontece no Instagram da Defensoria e Adpec com intuito de dar voz aos debates sociais.

Manifestações sociais – No mundo, existem inúmeras demonstrações de repressões aos movimentos sociais e as manifestações de expressão. Pensando nisso, a Defensoria mantem o Grupo de Ações Integradas de Apoio aos Eventos Promovidos por Movimentos Sociais (GAI) que monitoram a livre manifestação, como um direito fundamental, e também orientam a população.

O GAI existe desde junho de 2015 e pode ser acionado sempre que protestos sejam promovidos com intuito de acompanhar para que não haja violação de direitos nessas manifestações. Os movimentos sociais podem solicitar a presença da DPCE nos atos, mas, que por ocasião do isolamento social, está acontecendo por meios remotos.
“O apoio que oferecemos é no sentido de inibir qualquer violação de direitos, de evitar excessos através de mediações e esclarecer para estes movimentos sociais o papel imprescindível da Defensoria Pública. É muito gratificante para nós, como instituição, estarmos nesses momentos tão próximos à sociedade civil”, destaca a defensora pública Michele Camelo, assessora de relacionamento institucional.

Direitos Humanos – Denunciar torna possível que os órgãos de defesa dos Direitos Humanos atuem em prol da população, bem como da garantia dos seus direitos. Os canais de denúncias são amplos e considerados o primeiro passo para a quebra do ciclo de violação de direitos humanos. Em Fortaleza, o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública (NDHAC) está ativamente trabalhando para garantir o acesso à justiça e atividades relativas à proteção dos Direitos Humanos, envolvendo especialmente a preservação e reparação dos direitos de grupos sociais vulneráveis e de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência.

Para uma pessoa buscar o NDHAC e entrar com uma ação de danos morais, por exemplo, é importante que ela reúna provas daquela violação, como prints, fotos, áudios e, geralmente, é necessária a presença de alguma testemunha. Ainda, é imprescindível a abertura de um Boletim de Ocorrência e a presença da documentação pessoal (RG, CPF e comprovante de residência);

O atendimento no Núcleo geralmente está sendo realizado via email e telefone celular, e envolvem, especialmente, a preservação e reparação dos direitos de grupos sociais vulneráveis e de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência. Entre as ações mais frequentes estão:

– Atendimento às demandas da população em situação de rua;
– Demandas relacionadas aos direitos coletivos;
– Ações relacionadas às ilegalidades em concursos públicos;
– Demanda relacionada à direitos coletivos de servidores públicos
– Ações relacionadas à população LGBTQ;
– Demandas relacionadas às discriminações por cor, religião; gênero, etc;
– Demandas relacionadas ao direito de educação;
– Demandas relacionadas às pessoas com deficiências
– Demandas relacionadas a ausência, precariedade ou descontinuidade de serviços públicos essenciais;
– Acompanhamento de denúncias de ofensa aos direitos humanos;
– Demandas relativas a liberação administrativa de corpos para sepultamento.

Serviço:

Celular: (85) 98895-5514
E-mail: ndhac@defensoria.ce.def.br

*Os nomes foram alterados para preservar as identidades.