Por Thaís Leocádio, G1 Minas — Belo Horizonte


Escadaria da entrada do Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. — Foto: Reprodução/TV Globo

Belo Horizonte é uma cidade assombrada. Pelo menos cinco fantasmas vagam pelas ruas da capital e permitem que a história da cidade seja preservada, segundo a pesquisadora Heloísa Maria Murgel Starling, 61, do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Maria Papuda, Fantasma do Palácio da Liberdade, Fantasma da Serra, Moça Fantasma e Avantesma da Lagoinha são seres que habitam o imaginário e o espaço público da capital mineira. “Eles não têm nome de família, não têm vida privada, mas trazem memórias para que BH não se perca do seu passado”, disse a historiadora e doutora em Ciência Política, que pesquisa o tema há mais de 15 anos.

Atrás de vingança, amor ou companhia, esses seres são protagonistas de lendas que eternizam fases de uma cidade que é constantemente reconstruída. “Em BH, tudo é construção e tudo é ruína. Há um processo muito veloz de destruição que começou com o Curral Del Rey”, explicou Heloísa.

Casarão do Museu Histórico Abílio Barreto, em Belo Horizonte, é a única construção do Curral Del Rey que continua de pé até hoje. — Foto: Belotur/Divulgação

No início do século XVIII, havia nessas terras o arraial do Curral Del Rey. As casas foram destruídas e os moradores, expulsos, para que uma Belo Horizonte planejada pudesse se erguer. Em 1897 foi inaugurada a cidade, substituindo Ouro Preto como capital de Minas Gerais.

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a única casa daquela época que permanece de pé até hoje é o casarão que abriga o Museu Histórico Abílio Barreto, no bairro Cidade Jardim, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A casa foi construída em 1823 por Cândido Lúcio da Silveira, dono da Fazenda do Leitão.

Maria Papuda

Fachada do Othon Palace, construído no local onde antes existia a casa de Maria Papuda, no Centro de BH. — Foto: Acervo/TV Globo

Quem não gostou da destruição do Curral Del Rey foi Maria Papuda. Antiga moradora do povoado, ela sofria de bócio – aumento da tireoide – e foi expulsa de seu casebre há mais de 120 anos. Ela assombra a Avenida Afonso Pena, próximo à Rua da Bahia, onde fica o tradicional hotel Othon Palace, fechado desde novembro do ano passado. Amaldiçoando a cidade que destruiu os pertences e calou a voz de seus moradores originais, Maria Papuda caminha pelo Centro da capital e seu lamento é ouvido durante a madrugada.

Fantasma do Palácio da Liberdade

Outra mulher papuda amaldiçoa os governadores do estado e mora no Palácio da Liberdade. “Ela perdeu tudo e foi expulsa para a periferia da cidade. Reza a lenda que o governador que vê a Maria Papuda, morre”, disse Heloísa Starling. A história deste espírito ganhou força porque dois chefes do executivo de Minas (João Pinheiro e Raul Soares) morreram dentro do prédio.

“Ele existe”, foi o que afirmou o então governador Itamar Franco em reportagem que foi ao ar no MG2, em 2002. Demonstrando intimidade com o fantasma, o político contou, na ocasião, que era comum que portas se abrissem sozinhas durante reuniões (veja no vídeo abaixo).

Arquivo MG2: "História de BH é cheia de fantasmas"

Arquivo MG2: "História de BH é cheia de fantasmas"

O Palácio da Liberdade foi sede oficial do governo, mas, atualmente, Romeu Zema despacha do Palácio Tiradentes, na Cidade Administrativa, inaugurada em 2010.

Fantasma da Serra

Nas noites de junho, à meia-noite e meia, um homem de chapéu coco é visto na Rua do Ouro, no bairro Serra. Vestido como um antigo funcionário público de Ouro Preto, ele não diz nada. “Ele traz uma outra compreensão de BH, uma sociedade onde os funcionários tinham um bairro próprio. O Fantasma da Serra lembra a disputa de poder entre as oligarquias. Houve uma resistência enorme de vários moradores de Ouro Preto que não queriam vir para Belo Horizonte”, explicou Heloísa Starling.

Moça Fantasma

Moça Fantasma deixa cheiro de dama da noite nas ruas da Savassi. — Foto: Acervo/TV Globo

Nas ruas da Savassi, um forte cheiro de dama da noite e jasmim toma conta do espaço quando ela está por perto. A Moça Fantasma, descrita pelo poeta Carlos Drummond de Andrade como “branca, longa e fria”, desce a Serra do Curral e vai para a Savassi atrás de um amor que perdeu. Ela nunca passa da Rua Ceará e, no primeiro raio de sol, desaparece. “A Moça Fantasma representa os amores sem dia seguinte, a fugacidade das relações modernas, as histórias que podem durar só uma noite”, contou a pesquisadora.

Avantesma da Lagoinha

Avantesma da Lagoinha aparece entre os viadutos, em Belo Horizonte. — Foto: Thaís Leocádio/G1

Já o Avantesma da Lagoinha é uma figura monstruosa que descarrilhava bondes em Belo Horizonte e soltava uma risada malévola. Hoje, segundo a historiadora, é visto pelos motoristas de ônibus que cruzam o Complexo da Lagoinha. “É significativo que ele apareça na Lagoinha, um dos locais mais destruídos e reconstruídos de Belo Horizonte, para onde as pessoas foram empurradas”, afirmou Heloísa. Entre os viadutos da região, figuras marginalizadas usam crack nas sombras, enquanto o Avantesma deixa um intenso cheiro de enxofre no ar.

“Esses fantasmas têm que continuar aparecendo. No dia em que eles deixarem de aparecer, BH perdeu sua memória. A lembrança do que fomos nos ensina o que podemos ser no futuro”, concluiu Heloísa Starling.

Historiadora Heloísa Starling pesquisa a relação entre os fantasmas e Belo Horizonte há mais de 15 anos. — Foto: Fernando Rabelo/Divulgação

Museus

Memorial Minas Gerais Vale, em Belo Horizonte — Foto: Museu da Vale/Divulgação

Uma exposição no Memorial Minas Gerais Vale, no Circuito Liberdade, mostra um pouco dessa relação entre os fantasmas e a cidade de Belo Horizonte. O museu fica na esquina da Praça da Liberdade com a Rua Gonçalves Dias e funciona das 10h às 17h30, nas terças, quartas, sextas-feiras e sábados. Nas quintas-feiras, a visitação é aberta das 10h às 21h30. Aos domingos, o horário é das 10h às 15h30. A entrada é gratuita.

Já para quem quer tentar ver uma das Marias Papudas pessoalmente, o Palácio da Liberdade fica aberto aos domingos, das 9h às 17h, com visitas guiadas de 30 em 30 minutos.

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