​O Flogão não morreu graças a jovens caminhoneiros e jogadores de Tibia
Popular em meados dos anos 2000, o site de fotos brasileiro agora é reduto de jovens apaixonados por MMORPG e caminhões tunados. Alguns deles até pagam para ter privilégios no serviço. Crédito: Reprodução/conexaonortesuul

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​O Flogão não morreu graças a jovens caminhoneiros e jogadores de Tibia

Popular em meados dos anos 2000, o site de fotos brasileiro agora é reduto de jovens apaixonados por MMORPG e caminhões tunados. Alguns deles até pagam para ter privilégios no serviço.

Sabe quando você volta de viagem e nota aquela louça suja que esqueceu de lavar? A tardia lembrança normalmente acompanha a revelação de que na pia da sua cozinha vive um ecossistema complexo e com formas de vida que você nem sabia existir, não é? Pois é, o Flogão, aquele site de fotos famoso nos anos 2000, se tornou esta pia. Só que na internet.

Sim, enquanto muitos mudaram para outras redes sociais, o Flogão continuou vivo e hoje, enquanto o resto do mundo caça Pokemons por app de realidade aumentada, serve como plataforma para dois tipos de navegantes que muita gente não conhece – ou, se conhecia, esqueceu: jovens admiradores de caminhões e jogadores do MMORPG Tibia.

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Basta abrir o site para ver: congelada com o mesmo layout e praticamente nenhuma alteração em sua dinâmica desde 2010, a página inicial do Flogão é lotada de imagens de caminhões e gráficos coloridos do game.

"Eu particularmente adoro usar o flogão para postar minhas fotos tibianas", conta Thayse Oliveira, de 22 anos, a fadinhahealing, dona de uma das principais contas dedicadas ao compartilhamento de imagens do jogo Tibia e cuja primeira foto na rede é de 2009.

"O Flogão se tornou uma rede social tibiana, usamos ela para postar nossas aventuras no jogo, nossas conquistas e também por que conhecemos muitas pessoas jogando", diz. Para ela o aspecto social do site é bastante forte. "Criamos laços e postar uma print com amigo dentro do jogo é como se fosse tirar uma selfie com um amigo real."

O jogo compartilha algumas semelhanças com o Flogão. Lançado muitos anos atrás – em 1997, segundo a companhia –, ele mantém gráficos muito semelhantes aos da época, o que gera piadas de que seus gráficos foram desenhados no "Paint". Mesmo sendo um dos mais velhos MMORPGs lançados, o game possui uma comunidade bastante ativa no Brasil e um dos maiores mercados da empresa, segundo informações do site da desenvolvedora.

Também criticado pelo aspecto ultrapassado, o Flogão iniciou as atividades em 2004, mesmo ano de criação do Orkut. Como a rede social do Google não oferecia suporte muito bom para imagens – limitava 12 por usuário – os serviços de fotolog floresceram durante um bom tempo. O Flogão surfou nessa onda até meados de 2007, quando o Orkut expandiu suas galerias. No mesmo ano, o site de fotos foi vendido à startup brasileira Power.com.

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A homepage do site quase que totalmente tomada pelos caminhões. Crédito: Reprodução

Segundo informações do blog Manual do Usuário, a empresa fechou as portas em 2011 depois de arrumar briga com o Facebook devido a questões de portabilidade dos dados. Nesse meio tempo, houve tentativas fracassadas de alavancar a plataforma, além de uma profunda reformulação de seu código. Atualmente o Flogão é administrado por uma empresa pequena, a Meadd Comunicação. Entre os anos 2008 e 2009, o co-fundador do site, Diego Sana, publicou em seu blog pessoal alguns textos com as lições que aprendera em seu empreendimento, detalhando, inclusive, várias falhas de segurança.

Os "tibianos" acompanharam as mudanças e seguiram fiéis. A tendência de compartilhar aventuras dos games no site, ideia surgida nos fóruns americanos, ganhou força no Brasil e foi adotada pelos flogueiros. A estudante e também "tibiana" Ana Carolina Lemelle, de 21 anos, compartilha há anos suas histórias virtuais entre uma foto pessoal ou outra. "Eu já usava o Flogão antes, mas só em 2012 criei uma conta para o meu primeiro personagem que alcançou level 100, o 'Carol Witt'", diz. As relações entre jogo e Flogão chegaram a render mais do que horas de lazer. "Foi pelo Flogão que conheci o meu melhor amigo e também namorei uma pessoa que conheci no jogo."

A dominação dos fãs de caminhões

Ainda que muito presentes no Flogão, os "tibianos" são poucos em comparação à tribo dominante no site, os jovens caminhoneiros. Os veículos de carga dominam as listas de imagens mais vistas no dia: são tunados, com frente rebaixada, do tipo Truck, com vários eixos… A extensa lista é quase tão longa quanto a quantidade de páginas dedicadas a compartilhar foto desses veículos.

Wesley Jablonski de Santana, de 19 anos, está animado com a perspectiva de tirar a sua carteira de motorista tipo C, que permitirá a condução de caminhões do tipo Truck. Desde janeiro de 2012 ele administra a página GBN13AM dedicada exclusivamente a postar fotos desses veículos. "Comecei a compartilhar o material graças a uns amigos que tiravam fotos de caminhões e tinham uma conta", comenta. "Eles me convidaram para postar junto." Na época Wesley já tinha ouvido falar da rede social, mas nunca tinha a utilizado.

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A inspiração e o gosto pelos veículos veio dos parentes e amigos caminhoneiros. "A maioria dos que tiram fotos hoje são apaixonados por caminhão desde pequenos, influenciados por familiares próximos", diz. Para ele, boa parte dos que jovens que fazem este tipo de página no Flogão estão atrás do sonho de algum dia se tornar eles mesmos condutores.

O sonho é compartilhado por Fernando Mazo, de 16 anos, que mantém a conta Conexãonortesuul. "Quero seguir a profissão por mais difícil que esteja atualmente", diz. Entre as várias reclamações que lista estão os preços altos dos abastecimentos e dos fretes e a impossibilidade de "tunar" o caminhão sem ter problemas com a polícia. "Multam praticamente tudo: frente rebaixada, película, escape modificado, antena pra frente, capinha de parafuso pontuda, traseira arqueada e até adesivos no pára-brisa", diz ele, que usa o site também para protestar. "É revoltante!"

Para Giovana Emanuelle Barth, de 14 anos, a principal dificuldade entre jovens caminhoneiros do Flogão é o machismo. "Alguns homens ainda dizem: 'a única coisa que mulher tem que pilotar é o fogão'", conta. Ao lado de Ligia Pereira, de 17 anos, ela cuida de uma das raras contas femininas dedicadas a caminhões, o flogão girls_101. "Flogão não é só um site onde postamos fotos, é um pedaço do nosso sonho. O sentimento de estar ali na pista, tirando foto, editando e postando", diz. "É muito bom!"

Vários dos atuais "flogueiros" possuem perfis pagos na rede social. As razões são bastante semelhantes tanto para jogadores de Tibia quanto para amantes de caminhões: a possibilidade de personalizar mais sua página e publicar mais fotos ao dia. Wesley, por exemplo, possui a "Conta Mega Star", que lhe permite postar 40 fotos ao dia por R$ 150 pagos por 18 meses. Já Thayse, a fadinhahealing, possui a "Conta Pop Star", de 20 fotos ao dia por R$ 50 referentes a seis meses. Fernando prefere a mais econômica, a "Conta Star", que lhe possibilita postar 15 fotos ao dia por R$ 25 válidos por três meses.

O flogueiro Lucas Vinicius de Souza, de 17 anos, não paga por sua assinatura e lamenta o atual quantidade de usuários. "Quando comecei a usá-lo no final de 2010, ele era dominado por tibianos e caminhoneiro. Hoje continua dominado pelos dois, porém o número de pessoa é baixíssimo comparado antigamente." É verdade: conforme apuramos, o número ao longo do dia dificilmente passa de 100 pessoas conectadas ao mesmo tempo.

Lucas lamenta o estado que a rede se encontra e o suporte que a empresa administradora oferece. Torce, no fundo, para que o site volte as suas origens em que os conteúdos eram mais diversificados. "Esse site merecia mais atenção e cuidados creio que isso poderia ajudar ele a voltar ser um site muito grande e famoso novamente", afirma, esperançoso.