Nova Lei de Licitações abre caminho para concursos de inovação, diz diretor do Ipea

Nesse tipo de concursos, um governo ou autarquia define um problema a ser resolvido e oferece um montante fechado, na forma de recompensa, a ser pago à pessoa ou instituição que apresentar a melhor solução

Por Gabriel Vasconcelos, Valor — Rio


Aprovada no Congresso Nacional em dezembro e pendente de sanção presidencial, a nova lei de licitações, projeto de lei 4.253, reabilita um modelo de fomento à inovação pouco utilizado no país: os chamados concursos ou prêmios para inovação. Cada vez mais comuns no mercado privado e resgatados por governos de todo o mundo para fazer frente à pandemia de covid-19, o modelo tem previsão legal no Brasil, mas é pouco atraente a desenvolvedores de tecnologia. Isso porque ainda prevê transferência total de direitos intelectuais ao governo, exigência revista no novo marco regulatório.

Nesse tipo de concursos estatal, um governo ou autarquia define um problema a ser resolvido e oferece um montante fechado, na forma de recompensa, a ser pago à pessoa ou instituição que apresentar a melhor solução tecnológica.

Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), André Rauen diz que esse tipo de concorrência ganhou o mundo no século XIX, mas com o avanço e especialização das ciências, tornou-se pouco efetivo.

"Os grandes inventores individuais saíram de cena, porque a ciência se institucionalizou ao longo do século. Mas, desde os anos 1980, essa figura está voltando e, agora, mais do que nunca, esses prêmios ganham uma nova roupagem enquanto instrumento de fomento à inovação pelo lado da demanda", diz Rauen.

Os mais famosos na atualidade, conta, são norte-americanos, como o Google Lunar X Prize e os Grand Challenges, da Agência de Projetos de Pesquisa de Defesa Avançada (DARPA, na sigla em inglês).

Rauen afirma que esse modelo é mais vantajoso à administração pública porque, nele, o Estado não assume os riscos e os custos do desenvolvimento do objeto demandado, como acontece nas encomendas tecnológicas ou no fomento à inovação via oferta — caso das bolsas e financiamentos reembolsáveis ou a fundo perdido.

"A obrigação de transferência para o governo dos direitos do objeto de um concurso fez com que, no Brasil, esse modelo de contratação ficasse reduzido aos campos da arte e, principalmente, da arquitetura, afastando os desenvolvedores de tecnologia, a quem pode ser mais interessante lucrar com as aplicações tardias de suas invenções", diz Rauen.

Embora a nova lei de licitações ainda preveja transferência tecnológica e liberdade ao contratante para modificar o objeto de concurso sem autorização do autor, faculta ao gestor público "deixar de exigir a cessão de direitos quando o objeto do concurso envolver atividade de pesquisa e desenvolvimento de caráter científico, tecnológico ou de inovação". Na prática, a propriedade intelectual de inovações tecnológicas oferecidas em concurso poderá ser negociada caso a caso. "Essa mudança abre caminho para o governo ampliar o uso desse mecanismo e se colocar em linha com o que acontece nos Estados Unidos e nos países europeus, sobretudo na Inglaterra", diz Rauen, que publicou, ontem, nota técnica do Ipea sobre o assunto.

De fato, à despeito da fraca resposta sanitária à pandemia, em 2019 o governo Donald Trump incentivou o lançamento de pelo menos uma dezena dos chamados "challenges", prêmios à inovação organizados por diferentes àreas da administração federal de forma independente ou em parceria com o setor privado. Um deles, aponta ofício da presidência norte-americana, previa investimento de US$ 1,5 bilhão no "desafio nacional de testagem", criado para acelerar o desenvolvimento de tecnologias de testagem para covid-19. Outro, organizado pelo exército americano, buscou a criação de um ventilador pulmonar "de baixo custo e pronta fabricação". Confrontado com esse exemplo, Rauen lembra que surgiram projetos de desenvolvimento de ventiladores com tecnologia nacional no Brasil, mas, sem uma coordenação nacional, avançaram pouco no contexto da pandemia.

No tocante ao desenvolvimento e obtenção de vacinas, diz Rauen, o governo americano opetou pelas chamadas encomendas tecnológicas, modelo também escolhido pelo Brasil, que encomendou as doses e a trasferência da tecnologia do imunizante desenvolvido pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford via Fundação Oswaldo Cruz a um valor de R$ 1,3 bilhão. "Foi sem dúvida um acerto do ponto de vista tecnológico. Mas deveríamos ter colocado nossos ovos em mais cestas. Ficamos dependentes de uma encomenda, enquanto os EUA fizeram pelo menos cinco. Outros países também diversificaram", afirma Rauen. O especialista não esconde preferência pelo modelo de encomendas, exemplo do cargueiro da KC-390 desenvolvido pela Embraer.

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