Via-Sacra do Povo da Rua: ‘Com Jesus, carregamos nossa cruz’

Atividade aconteceu nas ruas do centro da cidade na manhã desta Sexta-feira Santa, 15, partindo do Largo São Bento até a Catedral da Sé

por FERNANDO GERONAZZO E DANIEL GOMES

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Caluniado, perseguido e flagelado. Foi assim que Jesus Cristo esteve em seus últimos momentos de vida, antes da morte de cruz, celebrada por toda a Igreja nesta Sexta-feira Santa, dia que deve ser de oração, jejum e silêncio.

No centro da cidade, porém, se ouviu nesta manhã o clamor daqueles que também hoje vivem na própria pele as situações de injustiça e os flagelos sociais: a população em situação de rua, que atualmente perfaz cerca de 32 mil de pessoas, conforme dados da Prefeitura de São Paulo.

‘COM JESUS, CARREGAMOS NOSSA CRUZ’

Perto das 9h, aos brados de “Com Jesus, carregamos nossa cruz”, os participantes começaram a via-sacra, após um momento de oração e a motivação feita pelo Padre Júlio Lancellotti, Vigário Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua.

“Nesta sexta-feira maior, nos comprometemos como a vida dos irmãos e irmãs em situação de rua. Por isso ,carregamos a cruz, com o nome dos irmãos que foram mortos pela violência, pelo frio, pelo abandono, fome, desprezo, indiferença, pelo ódio aos pobres”, afirmou o Sacerdote, lamentando as situações em que a população de rua é retirada a força das vias públicas.

VOLTA POR CIMA

A via-sacra deste ano, com o tema “Caminhando com Jesus, caminhando com o povo da rua”, teve a coordenação do Vicariato Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, e a participação de membros desta pastoral e de grupos, movimentos e novas comunidades que atuam em prol dos ‘irmãos de rua’.

Com uma medalha de Nossa Senhora nas mãos, Tatiane Ramos Lira, 42, esteve na via-sacra ao lado do filho, Fernando Loyola, 21. Atualmente, ela participa no Conselho Estadual de Assistência Social (Conseas), mas já viveu nas ruas, em grandes dificuldades financeiras e existenciais, época em que encontrou suporte e consolo na Pastoral do Povo da Rua.

“Certo dia, em meio a este período difícil, o Padre Júlio Lancellotti me deu essa medalhinha de Nossa Senhora Aparecida. Dois anos depois, quando meu filho ficou doente, eu a reencontrei, e foi emblemático, pois meu filho quase morreu com 6 meses de idade. O Padre Júlio abençoou a medalha novamente e disse que tudo ia ficar bem. Desde então, a vida foi melhorando, fui trabalhando e fazendo as minhas missões como cristã. Hoje, participo Conseas, com o núcleo pop rua, e posso agora devolver um pouco dá atenção que recebi quando estava nessa condição”, disse Tatiane ao O SÃO PAULO.

1a PARADA

Poucos metros após deixarem o Largo São Bento, os participantes realizaram a primeira parada da Via-Sacra, em frente às secretarias municipais das Administrações Regionais e da Assistência Social. Na ocasião, foi recordado o trecho bíblico que narra Jesus sendo despojado de suas vestes pelos soldados (cf. Jo 19, 23-24).

Os participantes manifestaram seu descontentamento com as ações da Prefeitura de recolhimento forçado dos pertences e desmonte das habitações improvisadas de quem vive nas ruas, o popular ‘rapa’. Houve denúncias de algo nesse sentido que ocorre no bairro do Jardim Rincão, na zona Noroeste da cidade, e lembrança das recente desmonte de barracas na praça Princesa Isabel, no centro da capital paulista.

Simbolicamente, uma casa foi montada em frente a uma das secretarias e moradores em situação de rua deitaram-se perto dela com seus cobertores. “Nós queremos casa, não dormir na rua”, bradaram.

2a PARADA

A segunda parada ocorreu em frente à sede da Prefeitura. Houve a meditação do trecho bíblico em que Pilatos e Herodes questionam Jesus sobre seus feitos (cf. Lc 23, 6-11), antes de condená-lo em definitivo, mas se deparam com o silêncio de Cristo.

Parte dos manifestantes da via-sacra fizeram um parelelo entre esta narrativa e as situações em que os poderes públicos são indiferentes à condição de quem sobrevive nas ruas, tendo, por vezes, até seus poucos bens destruídos pelos forças de segurança pública.

A essas situações de violência, os participantes responderam com flores, que foram lançadas para dentro das grades que cercam a sede da Prefeitura, aos gritos de “Somos um povo que quer viver”.

3a PARADA

Com mais alguns metros caminhados, os participantes realizaram a terceira parada em frente à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, onde clamaram pelo fim das situações de violência: “A população de rua não é caso de polícia!”.

Padre Arlindo Dias, da Rede Rua, recordou os muitos tipos de violência a que é submetida essa população, como a fome, o desemprego, a falta de moradia. “Nesta manhã, em que meditamos no sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, que foi torturado até a morte, e crucificado, para que ninguém mais fosse crucificado, nós pedimos a Deus que pare a violência no meio de nós”, afirmou, antes de convidar a todos para a oração do Pai-Nosso.

ATOS CONCLUSIVOS

Após uma breve parada em frente a Igreja de São Francisco de Assis, em que partilharam pão e água, so participantes seguiram até a Praça da Sé. Na chegada às escadarias da Catedral, houve um momento de oração e uma breve encenação da Paixão de Cristo, conduzida pela Fraternidade O Caminho, destacando que Cristo carregou as dores de toda a humanidade.

Ao final, em frente ao presbitério, o Padre Júlio Lancellotti e líderes de outras tradições religiosas falaram sobre a vivência da Sexta-feira da Paixão e das condições daqueles que vivem nas ruas da cidade.

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