Dossiê: Outro Olhar

Uma crônica sobre túmulos célebres e uma árvore que resiste a qualquer morte no cemitério do Bonfim.

Por Cristiane Duarte

 

Vida no Cemitério do Bonfim. Fonte: Metro BH

Vida no Cemitério do Bonfim. Fonte: Metro BH

 

Não gosto de cemitérios.

Para ir ao Bonfim, não sabia como chegar. Resolvi usar o Google Maps, que mais uma vez foi muito eficiente. Graças a ele, cheguei ao Bonfim por terra (pela visão das ruas) e pelo ar (ao ver sua vista de cima).

Enquanto passeava no entorno do cemitério pelo Maps, não tive dúvidas de que estava no lugar certo, já que, próximo à calçada, o que não faltava eram “despachos”! Normal.

No dia da visita, fiz o que o Maps sugeriu: ônibus, ponto, cemitério. Ele estava lá com seus longos muros, como havia visto. Só faltava entrar. Entrei, mas não antes de me benzer.

No Bonfim, me deparei com outros fatos já conhecidos, em virtude da minha pesquisa pela internet. Fui “com a cabeça feita” para ver alguns túmulos badalados, por motivos vários: fé, dinheiro, poder. Já no início da caminhada, reconheço um dos que mais queria ver. Esse era do campo “fé”: tratava-se do túmulo da menina Marlene, igual na foto que vi. Lamento pelo que houve com ela, uma morte terrível. Você não gostaria de saber. O brutal que lhe aconteceu virou sublime, miraculoso, já que muitas pessoas lhe creditam milagres numerosos.

A menina estava em uma quadra (como se fosse um quarteirão), perto dos campos do “dinheiro” e do “poder”. Mausoléus firmes, duros, pretos e brancos. Verdadeiras moradas que, mesmo pomposas, não nos convidam a entrar. Alguns ainda vivem pelas ruas e praças que nomeiam nossa Belo Horizonte: Bernardo Monteiro, Olegário Maciel, José Cândido da Silveira, Raul Soares e Milton Campos. Suas atuais moradas chamam-se “carneiros especiais”. São de uma estética, tamanho e gasto tão especiais que chocam. Não nego: moradas bonitas. A do senhor Raul Soares, principalmente, meu Deus! Incrível, com sete estátuas de ferro, aproximadamente um metro e sessenta cada uma; de rostos delicados e feições, trajes e intenções renascentistas. A estátua central – no topo, no centro, no foco do meu olhar – parece um Poseidon fora do mar. Soberano. Embora possa ser uma mulher.

O vento passa pesado e devagar, todo o tempo. Esse vento não me deixa esquecer que estou em um cemitério. Um dos problemas dos cemitérios é saber que muitas pessoas estão ali, mortas e determinadas dentro de cada mausoléu ou sepultura.

Mausoléus ou sepulturas, a meu ver, fazem a morte acontecer duas vezes: a primeira, da morte em si; e, a segunda, da “prova” da morte, do enterro. Eles são perpétuos testemunhos de uma dor que já é sem fim; com suas inscrições, fotos, epitáfios. No Bonfim, todo mausoléu revive a morte, menos um. O da garota Bertha, que falarei mais a frente.

Tudo isso me faz preferir a cremação, porque somos convertidos em pó e podemos ser jogados em qualquer e todo lugar! Sendo assim, onde estaria a não ser na eternidade e misturada a tudo no mundo, quando fosse jogada em uma montanha, rio ou mar? Viveria para sempre duas vezes: no espírito e na matéria que se incorporou ao mundo. Por isso não gosto dos cemitérios, esses lugares que contêm pessoas que viveram algum prazo nessa terra, e agora estão fatidicamente mortas para sempre. Exatamente como quem morre.

Mas com a garota Bertha algo diferente aconteceu. Ela repousa sob um mausoléu vivo. Reportagens falavam de uma árvore em seu túmulo, e não é que tem mesmo? Mas esqueceram de mencionar o mais importante: que árvore! Ela é enorme e encaixada sobre o túmulo da pessoa que inaugurou o Bonfim. Tronco denso, forte, lenhoso, firme, de folhas verdes. Semelhante a um tipo de pinheiro. A árvore, mesmo apresentando um ar melancólico com seus galhos dependurados, possui viço e presença impactantes. Na verdade, tudo ali é muito estranho. A árvore se alojou no túmulo quase que por completo. Sim! Bertha está ali, na entorse do tronco e no verde pendente.

A visita que tinha a intenção de ser curta durou cerca de três horas, quando percebi que minha curiosidade sobre o local ficava sem fim. Não tem jeito, meus pensamentos me distraem demais, junto com meus olhos. Não conseguia não pensar sobre quem foram aquelas pessoas, como eram seus sorrisos, do que gostavam: de falar, de dançar, de comer? Que histórias possuíam?

Imaginei como seria encantador o sorriso da mãe de Juscelino Kubitschek; ou como era o gênio e o humor do pai de nossa atual presidente, Dilma Rousseff. No entanto, os dois descansam ali, calados.

Cemitérios me deixam sempre essas lacunas… Quem foram essas pessoas?

Que histórias tinham?

Não saberei. É hora de sair e ir embora apenas com a minha história.

Saí. Não antes de me benzer.