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Coronavírus: discrepâncias no ensino a distância podem ampliar a desigualdade social

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Por Renato Casagrande
Atualização:
Renato Casagrande. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Desde que as aulas foram paralisadas, a maior parte dos professores, gestores educacionais e profissionais de educação não parou e continuou a buscar arduamente novidades e estratégias a fim de minimizar os impactos causados pela crise da covid-19. Após o Ministério da Educação, por meio da portaria n° 343, liberar a modalidade de ensino a distância para a educação básica, na rede pública e privada, foi possível acender uma esperança de não perdermos o ano letivo.

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A tecnologia, por muito tempo vista como obstáculo por grande parte dos docentes, virou uma solução e uma aliada para oferecer o suporte que professores e alunos necessitam.

Porém, o que parece ser a salvação para o ano letivo virou impeditivo para os alunos seguirem com seus estudos em casa. Isso porque uma parcela significativa dos estudantes não está tendo aulas. Refiro-me às crianças que estudam em escolas sem infraestrutura básica e nem têm acesso à internet ou rede wi-fi em casa. Também não têm acesso a equipamentos adequados para acessar o conteúdo pedagógico virtual.

Infelizmente, com essas medidas, estamos reforçando a divisão dos nossos alunos em quatro categorias: os de classe alta, que estudam em colégios bem estruturados e estão seguindo o calendário letivo com a ajuda de tecnologia avançada e moderna (tanto em casa, quanto na escola); os que estudam em instituições privadas que estão se reinventando e encontrando alternativas para ministrar as aulas a distância; alunos que estudam em escolas públicas que possuem melhores condições, tanto em infraestrutura, quanto em localidade geográfica; e, por último, os alunos de renda mais baixa, que estão e ficarão sem aulas até o retorno das aulas presenciais, por não terem acesso a equipamentos e conexão de internet em casa.

Mesmo que haja reposição de aulas no futuro, a defasagem de aprendizado que essas crianças, principalmente os do último grupo, terão será permanente. Por melhor que seja feita, a reposição é insuficiente e menos eficiente que as aulas normais. Desde a sobrecarga diária de atividades escolares até o período em que as aulas serão ministradas (sábados, feriados, período de férias, etc.) levam os alunos ao limite e a aprendizagem fica comprometida.

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Há muito questionamento sobre isso. Inclusive, há muitos educadores e instituições se declarando contra a implantação de educação não presencial neste momento. Mas é justo não permitir que crianças que tenham acesso à tecnologia não estudem nesse período? E do outro lado é justo que alunos de baixa renda também sejam prejudicados por não ter acesso à internet? Podemos, com isso, acabar punindo-os em função da desigualdade social que impera nesse país desde o seu descobrimento. Vivemos um dilema ético, sobretudo.

O que podemos fazer para minimizar este impacto? No cenário atual há pouco a ser feito, especialmente com os governantes divididos e sobrecarregados em duas pautas: saúde e economia. Pouco se fala em educação. Infelizmente veremos a desigualdade se ampliar. Temos pouco tempo e muito menos recursos para agir de imediato.

E ainda temos outro fator que está na pauta de todos os gestores dos sistemas educacionais. Trata-se das avaliações oficiais, principalmente do Enem dos vestibulares das universidades públicas. É preciso um real debate sobre a redefinição das datas em que esses exames serão realizados, garantido que todos os alunos que foram impactados com essa crise tenham tido a carga horária para conclusão do ensino médio.

É claro que a diferença se acentuará de qualquer maneira, visto que quanto mais tempo nos estendermos na realização dessas avaliações mais tempo estaremos dando de vantagem para os alunos que atualmente estão tendo suas aulas em casa. Afinal, no período em que os outros estarão repondo as suas atividades letivas regulares, esses estudantes estarão aproveitando para se aprofundarem e, com certeza, deverão obter ainda mais destaque nessas avaliações que os demais.

Sim, temos muitos desafios durante e após essa crise. Não serão poucas as sequelas. Que pelo menos sirvam, mais uma vez, de exemplo e de estímulo para que a educação pública seja levada a sério, de fato. Parabéns aos professores, guerreiros, que mesmo sem terem as condições básicas estão se desdobrando e se reinventando para minimizar ao máximo o impacto da crise.

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*Renato Casagrande é especialista em gestão educacional, palestrante, autor de livros e presidente do Instituto Casagrande

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