Luciano Santos Lopes
Uma premissa para a compreensão do funcionamento do sistema de justiça penal é o reconhecimento do sistema acusatório na ordem jurídica brasileira, desde a Constituição Federal de 1988. Leis diversas vêm, gradativamente, organizando essa estrutura procedimental. Tal tendência normativa, ainda sem ter alcançado a maturidade argumentativa, tem conduzido esse processo de adaptação estrutural.
Mas a conformação constitucional da legislação resolve apenas parte da reestruturação necessária do sistema de justiça penal. Uma outra questão é de fundamental compreensão: gerar efetividade operacional à perspectiva legal aqui anunciada. Explico adiante.
A adequação do processo penal ao sistema acusatório já é realidade legislativa – ainda em evolução é claro – que se vê compreendida no ambiente acadêmico. Já se consegue identificar finalidades e funções que devem ser desempenhadas por seus atores do processo penal.
Contudo, para além de uma necessária abordagem acadêmica sobre o tema, importa também continuar a criar e recuperar pontes de conexão entre esta estruturação processual concebida e a realidade por vezes percebida no sistema de justiça penal.
A distância entre a idealidade e a operatividade existente ainda precisa ser melhor ajustada em situações específicas. Essa é análise que, à evidência, não se pode generalizar. O argumento que não for analítico – caso a caso – não sobrevive à testagem de seu acerto.
Neste sentido pragmático, ao apresentar a obra do advogado e professor José de Assis Santiago Neto em seu livro intitulado Estado democrático de direito e processo penal acusatório, salientei que se deve “redimensionar a participação das partes na construção do provimento judicial”. Isso é necessário para que o contraditório deixe de “ser argumento retórico, que consegue legitimar de forma meramente formal a prestação jurisdicional”.
Contudo, esse aprendizado operacional dos sujeitos processuais não conseguirá ser definitivamente compreendido se não houver a despolitização do sistema de justiça. A racionalidade jurídica tem sua base argumentativa em matrizes diversas daquelas utilizadas no discurso político-ideológico.
São campos de debate distintos. Ambos legítimos e necessários, claro! Somente não podem ser confundidos ou unidos em um só argumento.
A segurança das decisões jurídicas assim o exige. Aplausos destinados às decisões que agradam, e que são oriundas dessa confusão entre política e direito, rapidamente se transformam em críticas quando outras decisões se sobrepõem, agora em sentido não desejado.
E como a segurança jurídica não foi respeitada, pois o argumento usado não seguiu essa orientação, pouco ou quase nada há o que se fazer diante das decepções dali advindas.
Por isso mesmo, a estrutura judicial deve reconhecer a racionalidade jurídica como seu norte condutor. Assim se exige, sobretudo em face da garantia do devido processo legal.
Em resumo, o caminho a ser trilhado é o de amadurecimento institucional e de redefinição de papéis, discursos e funções dos atores processuais.
dvogado, professor do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos, mestre e doutor em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (FDUFMG)