TERçA, 29/05/2018, 10:00 País

Pesquisadores trans ainda enfrentam desconfiança sobre sua produção acadêmica

No ambiente acadêmico, eles e elas sofrem questionamentos velados quanto à sua isenção. Alguns pesquisadores ainda enfrentam outro problema: ter a produção científica dividida entre o nome civil e o que escolheram de acordo com o gênero com o qual se identificam.

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Brune Coelho é doutoranda em psicologia pela UFMG. Foto: Twin Alvarenga (Crédito: )

Brune Coelho é doutoranda em psicologia pela UFMG. Foto: Twin Alvarenga

Por Paula Martini e Gabriel Sabóia

O preconceito que surge como principal obstáculo dos transgêneros e travestis até a graduação ganha uma outra forma nos programas de mestrado e doutorado. Nesse ambiente, os poucos pesquisadores e pesquisadoras trans sofrem questionamentos velados quanto à sua isenção, quando estudam o universo LGBTQ.

"Já houve alguns questionamentos, principalmente no mestrado, de como eu ia estudar pessoas trans, se eu sou uma pessoa trans. As pessoas não percebem que a psicologia, como um todo, é feita por seres humanos estudando seres humanos”, diz.

O relato é da doutoranda em psicologia Brune Coelho, que pesquisa, na Universidade Federal de Juiz de Fora, os serviços de saúde pública voltados para transgêneros. As contestações que ela ouve hoje também já foram feitas à professora Megg Rayara, a primeira travesti negra do Brasil que se tornou doutora, pela Universidade Federal do Paraná. Pra ela, pesquisas sobre trans conduzidas por eles mesmos trazem um outro olhar sobre o tema.

"As pessoas, de repente, percebem que esse tema pode interessar a um orientador ou a uma orientadora que discute gênero e diversidade sexual, mas essas pessoas não fazem parte do nosso convívio. Então, como que essas pessoas podem decifrar determinados códigos da nossa existência e fazer recortes espefícos na nossa presença, por exemplo, no sistema educacional?”, questiona.

Além de conviverem com desconfianças durante a produção das pesquisas, alguns dos primeiros transgêneros que chegaram à pós-graduação enfrentam uma incoerência - ter a produção científica dividida entre o nome civil e o que escolheram, de acordo com o gênero com o qual se identificam. A psicóloga e pós-doutora pela Fundação Getúlio Vargas, Jaqueline Gomes de Jesus, explica que, muitos trabalhos feitos por ela antes da troca do nome continuam arquivados com a identificação masculina. O motivo? A falta de uma base de produção acadêmica unificada no Brasil.

"Minhas publicações anteriores à transição, que ainda estavam no nome antigo, no começo eu referenciava. Quando eu ia participar de algum concurso, pra trabalho, indicava que estava no meu nome. Apenas um texto simples, uma nota, explicando que era eu. Sistemas que eu não atualizei, que não dialogam às vezes, podem ter o nome antigo ainda e pode eventualmente acontecer (o conflito de nomes)”, explica.

O perfil dos currículos cadastros no CNPq pode ajudar a mapear onde estão os estudantes e pesquisadores trans brasileiros. A enfermagem aparece como a área de atuação com maior interesse: são178 currículos lattes inscritos. Logo em seguida, vem a educação: 177 pessoas trans estão nesse campo. Mas, nem mesmo quando chegam à frente de uma sala de aula, os transgêneros estão livres de discriminação.

A realidade vivida por professores trans no mercado de trabalho é o tema da próxima reportagem.