Uniso Ciência - Science @ Uniso v.4, n.7, jun./june., 2021

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Esta revista é uma publicação da Universidade de Sorocaba (Uniso). O conteúdo que compõe esta publicação faz parte do projeto de divulgação científica Uniso Ciência e foi elaborado com base nas pesquisas desenvolvidas pelos Programas de Pós-graduação da Uniso em Ciências Farmacêuticas (Mestrado e Doutorado), Comunicação e Cultura (Mestrado e Doutorado), Educação (Mestrado e Doutorado) e Processos Tecnológicos e Ambientais (Mestrado e Doutorado Profissional), além de outros estudos de grande interesse público conduzidos externamente. This magazine is published by the University of Sorocaba. The content comprised in this magazine is part of the project Science @ Uniso for the public outreach of science, technology, and innovation, and was elaborated based on studies developed at Uniso’s Graduate Programs in Pharmaceutical Sciences (Master’s and Doctorate degrees), Communication and Culture (Master’s and Doctorate degrees), Education (Master’s and Doctorate degrees), and Technological and Environmental Processes (Professional Master’s and Doctorate degrees), besides other studies of great public interest developed externally. 2

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CARTA AO LEITOR

A LETTER TO THE READER

hegamos ao número sete da revista Uniso Ciência, com um olhar voltado para o futuro. Sim, é dessa forma que podemos sintetizar a temática que relaciona as nove reportagens desta edição.

o we just reached the issue #7 of the Science @ Uniso magazine, and we did so by looking towards the future. Because, yes, this is a proper way to synthesize the themes that integrate the nine stories comprised in this issue.

C

De forma direta ou indireta, esse e todos os demais assuntos têm uma perspectiva de sustentabilidade, no sentido amplo do termo. Falamos aqui de ideias, reflexões, projetos e práticas que nasceram ou estão ganhando corpo na Universidade e que acenam com oportunidades de soluções inovadoras para os problemas da vida contemporânea.

S

Whether directly or indirectly, all of these stories touch on the matter of sustainability, and not just in the sense of nature preservation. Here we are discussing ideas, reflections, projects, and practices that were born or are taking shape at Uniso, offering innovative solutions to the problems of contemporary life.

Reúso de materiais, educação ambiental, energia limpa e preservação de áreas naturais são alguns dos temas que contribuem para pensarmos sobre mudanças necessárias, no presente, para projetarmos nosso futuro.

The reuse of materials, environmental education, clean energy sources, and the preservation of natural areas are some of the themes that get us thinking about changes that are required today in order to project our future.

Por isso também mostramos como a Uniso está, ela própria, se transformando para fazer frente a esses desafios: ações pontuais que possibilitaram sua inserção em uma rede internacional de universidades orientadas para a sustentabilidade, até a ampla mudança em sua estrutura curricular, que terá ênfase no ensino por competências, a partir de 2022, visando à formação de profissionais mais preparados frente às novas demandas sociais.

Therefore, we also made sure to show how Uniso is transforming itself in order to face these challenges: from the specific actions that enabled our insertion in an international network of universities oriented towards sustainability, to the wide changes that are taking place in the curricular structure of every single one of our programs, which will have an emphasis on competency-based learning by 2022, thus aiming at the education of professionals that shall be more prepared to face new social demands.

Destacamos ainda a reflexão sobre o importante papel das instituições comunitárias no Ensino Superior, categoria em que se insere a Uniso, tema de uma entrevista com o professor Aldo Vannuchi, idealizador da nossa universidade. Além disso, temos também nesta edição a divulgação de um estudo sobre a Covid-19, assunto de máxima urgência em todo o mundo, conduzido por uma equipe de pesquisadores da Uniso, com evidências que associam a ocorrência de sintomas graves a variações específicas em determinados genes. Esperamos, assim, que os assuntos aqui tratados possam instigar novas reflexões sobre o futuro que queremos. Boa leitura!

PROF. DR. ROGÉRIO AUGUSTO PROFETA/Ph.D. REITOR/RECTOR

We also highlight the reflection on the important role that community institutions play when it comes to Higher Education. Uniso is included in this category, and this is the subject of an interview with professor Aldo Vannucchi, a founder of our university. Besides that, we have in this issue a story covering a study on COVID-19, a matter of utmost urgency all over the world, which was carried out by a team of researchers from Uniso, compiling evidence that associate the occurrence of severe symptoms of the disease with specific variations in certain genes. We do hope that the themes hereby discussed can instigate new reflections on the future we want. Please enjoy your reading!

PROF. DR. JOSÉ MARTINS DE OLIVEIRA JÚNIOR/Ph.D.

PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E INOVAÇÃO/VICE-RECTOR OF RESEARCH, EXTENSION, INNOVATION AND GRADUATE PROGRAMS

PROF. DR. FERNANDO DE SÁ DEL FIOL/Ph.D.

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO E ASSUNTOS ESTUDANTIS/VICE-RECTOR OF UNDERGRADUATE PROGRAMS AND STUDENT AFFAIRS

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EXPEDIENTE STAFF Uniso Ciência é uma publicação da Universidade de Sorocaba. Science @ Uniso is published by the University of Sorocaba. REITOR/RECTOR Prof. Dr. Rogério Augusto Profeta/Ph.D. PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO E ASSUNTOS ESTUDANTIS/VICE-RECTOR OF UNDERGRADUATE PROGRAMS AND STUDENT AFFAIRS Prof. Dr. Fernando de Sá Del Fiol/Ph.D. PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E INOVAÇÃO/VICE-RECTOR OF RESEARCH, EXTENSION, INNOVATION AND GRADUATE PROGRAMS Prof. Dr. José Martins de Oliveira Jr./Ph.D. COORDENAÇÃO/COORDINATION Assessoria de Comunicação Social (Assecoms)/Social Communication Office Jornalista responsável/Journalist in charge: Mônica Cristina Ribeiro Gomes (MTB 27.877). REPORTAGEM/CONTENT WRITERS Prof. Dr. Guilherme Profeta/Ph.D. Prof. Me. Marcel Stefano Tavares Marques da Silva/M.A. TRADUÇÃO/TRANSLATION Prof. Dr. Guilherme Profeta/Ph.D DIAGRAMAÇÃO/DESIGN Daniele da Silva Coimbra REVISÃO (PORTUGUÊS)/PROOFREADING (PORTUGUESE) Ma. Paula Rafael Gonzalez Valelongo/M.A. REVISÃO (INGLÊS)/PROOFREADING (ENGLISH) Me. Osmar Renato de Barros Siqueira/M.A. CONSELHO EDITORIAL/EDITORIAL COMMITTEE Prof. Me. Adilson Aparecido Spim/M.A. Profa. Dra. Denise Lemos Gomes/Ph.D. Prof. Me. Edgard Robles Tardelli/M.S. Profa. Ma. Mônica Cristina Ribeiro Gomes/M.A. Prof. Dr. Nobel Penteado de Freitas/Ph.D. GRÁFICA/PRINTING: Grafilar DISTRIBUIÇÃO GRATUITA/FREE DISTRIBUTION TIRAGEM/PRINT RUN: 1.000 exemplares/copies É permitida a publicação parcial ou total dos textos, desde que a fonte seja citada. Partial or total reproduction of the texts hereby published is allowed, as long as the source is cited. Informações/Further information: uniso.br • ciencia@uniso.br

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SUMÁRIO TABLE OF CONTENTS Página • Page comunitárias: Passado, presente e futuro (Uma entrevista com o prof. Aldo Vannucchi) 6 Universidades Community universities: Past, present and future (An interview with prof. Aldo Vannucchi) Científicas 20 Publicações Scientific Publishing da Uniso deve estar 100% orientado para o ensino por competências até 2022 22 Currículo Uniso’s curriculum will be 100% oriented towards competency-based learning by 2022 passa a fazer parte de rede internacional de universidades orientadas para a sustentabilidade 32 Uniso Uniso joins international network of universities oriented towards sustainability duas plantas fotovoltaicas, Uniso dá o primeiro passo rumo à autossuficiência energética 40 Com With two solar power stations, Uniso takes the first step to achieve energy self-sufficiency faz um raio-X do comércio de sucata ferrosa em Sorocaba 50 Pesquisa Researcher conducts in-depth analysis of the iron scrap trade in Sorocaba genéticos podem determinar suscetibilidade à Covid-19 e a outras novas doenças, 58 Perfis apontam pesquisadores Genetic profiling may determine susceptibility to Covid-19 and other new diseases, researchers point out Floresta Nacional de Ipanema como espaço pedagógico 68 ATaking Ipanema National Forest as a pedagogical environment sustentável: Como a Uniso transformou uma pastagem infértil num refúgio 74 Desenvolvimento para a biodiversidade

Sustainable development: How Uniso has turned an infertile pasture into a refuge for biodiversity

no câmpus: Uma viagem ao passado pré-histórico do estado de São Paulo 86 Megafauna Megafauna on campus: A trip to the prehistoric past of the state of São Paulo

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Professor Aldo Vannucchi, idealizador da Uniso, uma Universidade Comunitária Professor Aldo Vannucchi, founder of Uniso, a Community University 6

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ENTREVISTA • INTERVIEW: PROF. ALDO VANNUCCHI

UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS: Passado, presente e futuro

COMMUNITY UNIVERSITIES: Past, present, and future

Por/By: Guilherme Profeta Foto/Photo: Paulo Ribeiro (arquivo/archive)

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A

criação de universidades no Brasil é um fenômeno razoavelmente novo. Enquanto no continente europeu há instituições que — sem exageros — chegam perto dos mil anos de idade, as primeiras universidades brasileiras datam do início do século passado, sendo que, durante as primeiras quatro décadas, apenas sete foram criadas, exclusivamente nas principais capitais do país. As primeiras universidades confessionais (aquelas diretamente vinculadas ao clero ou a uma ordem religiosa) começaram a surgir na mesma década, a partir de 1944, por iniciativa da Igreja Católica, mas, ainda assim, o acesso a elas era particularmente difícil para os brasileiros que não viviam nos arredores dos grandes centros. Quanto aos colégios de Ensino Fundamental e Médio, a situação não era muito diferente, mas, nesses casos, existia uma alternativa. Especialmente no Sul do Brasil, havia comunidades de imigrantes, principalmente da Itália e da Alemanha, que, desassistidos pelo Estado, uniam-se para implantar e manter escolas comunitárias. Logo, essas mesmas comunidades se deram conta de que somente esses níveis de ensino não seriam suficientes para dar conta do desenvolvimento regional. “Assim, se a universidade estatal estava ausente e muito distante, ou se revelava-se insuficiente e inacessível e se a universidade confessional também não reunia ainda condições para se instalar fora das capitais, a sociedade civil, pela força e pelo trabalho de lideranças locais e regionais, iniciou um movimento de criação, aqui e ali, de cursos superiores isolados, que viriam, um dia, abrir não apenas mais oportunidades de emprego e o caminho direto para a ascensão social de muitas gerações, como também formar novas mentalidades, capazes de gerar o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias para resolver carências regionais específicas.” Foram esses cursos isolados que deram origem às UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS. As primeiras surgiram na década de 1960, mas elas ainda não levavam esse nome (o termo só veio mais tarde, em 1980). Atualmente, das 205 universidades existentes no Brasil, 46 são comunitárias. 8

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T

he creation of universities in Brazil is a reasonably new phenomenon. While some institutions in Europe are—literally—almost a thousand years old, the first Brazilian universities date from the beginning of the last century, and during the first four decades, only seven were created, exclusively in the main capitals. The first confessional universities (those directly linked to the clergy or to a religious order) began to appear in the same decade, the first one in 1944, as an initiative of the Catholic Church. But even so, access to these institutions was particularly difficult for Brazilians who did not live around big cities. As for elementary and high schools, the situation was not very different, but in these cases, there was an alternative. Especially in the southern states of Brazil, there were immigrant communities, mainly from Italy and Germany, that decided to come together to establish and maintain community schools, after realizing they were not being assisted by the State back then. Soon, these same communities started to realize that these levels of education alone would not be sufficient to guarantee regional development. “Therefore, if state universities were absent and very distant, or if they proved to be insufficient and inaccessible, and if confessional universities did not have the conditions to settle outside the capitals, it was up to civil society, relying on the strength and work of local and regional leaders, to create, here and there, isolated higher education courses. The creation of the courses would eventually make way not only to more job opportunities and social ascension for many generations to come, but also to the formation of new mentalities, capable of developing research and technologies to solve specific regional needs.” These isolated courses were the very origin of COMMUNITY UNIVERSITIES. The first ones were created in the 1960s, although they did not bear that name yet (the term only showed up in the 1980s). Nowadays, out of the 205 Brazilian universities, 46 are community universities. The man who tells this story, the same one who signs the quotation above, is professor


Quem conta essa história, e quem assina a citação na página anterior, é o professor Aldo Vannucchi, em seu livro “A universidade comunitária: O que é, como se faz”, publicado em 2004 — mas não menos atual depois de 17 anos. Educador, ex-membro do Conselho Nacional de Educação e autor de diversos livros, ele foi um dos fundadores da Universidade de Sorocaba (Uniso), uma universidade orgulhosamente comunitária. É o seu nome, inclusive, que foi escolhido para batizar o principal câmpus da Instituição. Nesta entrevista, a primeira publicada neste formato na revista Uniso Ciência, ele comenta sobre o presente e o futuro da universidade comunitária, bem como sobre a reinvenção do espaço pedagógico durante a pandemia, entre outras questões.

Aldo Vannucchi, in his book “A universidade comunitária: O que é, como se faz” (which translates to “The Community University: What it is, and how it is done”), published in 2004— but no less relevant 17 years later. Besides being an educator, a former member of the Brazilian National Education Council, and the author of several published books, he was one of the founders of Uniso, which proudly is a community university. Moreover, Uniso’s main campus was named after him. In this interview, the first to be published in this format in the Science @ Uniso magazine, he comments on the present and the future of community universities, as well as on the reinvention of pedagogical spaces during the pandemic, among other issues.

PARA SABER MAIS: O QUE SÃO UNIVERSIDADES COMUNITÁRIAS? No contexto brasileiro, a categoria “universidade comunitária” aparece na Constituição de 1988. Basicamente, as universidades comunitárias são universidades particulares, de caráter não-empresarial, que têm a mesma finalidade de uma universidade pública, de modo que oferecem apoio ao Estado na missão de prover educação, mas são organizadas pela sociedade civil (por uma determinada comunidade). As universidades comunitárias não recebem dinheiro do Estado e também não geram lucro — os rendimentos das mensalidades são empregados na própria instituição. Seu único “dono” é a própria comunidade, que participa da gestão por meio de representantes da sociedade com assentos reservados nos conselhos para a tomada de decisões, junto à reitoria.

TO KNOW BETTER: WHAT ARE COMMUNITY UNIVERSITIES? In Brazil, “community universities” appeared as a category for the first time in the 1988 Constitution. Basically, community universities are private universities that do not operate as a business, and have the same purpose as public universities, so they support the State when it comes to the mission of providing education, but are organized by civil society (by a particular community). Community universities do not receive money from the State, and do not generate profit—the income from tuitions is invested back in the institution. Its only “owner” is the community itself, which takes part in its management through representatives with guaranteed seats alongside the rector.

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Fotos/photos (sentido horário/clockwise): alphaspirit, dglimages, iuricazac (Adobe Stock)


Uniso Ciência: Qual é o futuro das universidades comunitárias, no contexto atual da educação brasileira?

Science @ Uniso: What is the future of Community Universities, considering the current context of Brazilian education?

Aldo Vannucchi: Essa pergunta, feita assim de chofre a mim — que caminho, se Deus quiser, para os cem anos de idade —, me faz lembrar o começo daquela canção da dupla Milionário e Zé Rico: “Nesta longa estrada da vida, vou correndo e não posso parar...”

Aldo Vannucchi: To have this question asked to me like that, out of the blue—given the fact that I will be a hundred years old soon, God willing—, reminded me of the beginning of a song by the Brazilian duo Milionário & Zé Rico: “On this long road of life, I speed and I can’t stop...”

Nestes muitos anos de vida vi, sim, muitas transformações, particularmente aqui em Sorocaba: mudanças de ordem cultural, social e política. E reputo como a principal delas a criação da Uniso. Cidades menores, como Bragança, Marília e Taubaté, já tinham sua universidade e Sorocaba ia terminando o século sem nada.

Throughout these many years of life, I have witnessed many changes indeed, especially here in Sorocaba: cultural, social, and political transformations. And I do consider the creation of Uniso as the main one. The end of the century was upon us, and smaller cities such as Bragança, Marília, and Taubaté already had their universities, but Sorocaba had nothing.

Como cantaram Milionário e Zé Rico, não podíamos ficar parados. Surgiu então a nossa universidade e, o que foi melhor, uma Universidade Comunitária. Universidade da comunidade regional, não do governo nem vinculada a um poder privado, empresarial, que visa a lucro. Houve quem reclamasse. Queriam universidade pública, mas o que fizeram para consegui-la?

Just as in that song by Milionário & Zé Rico, we could not stand still. So our university was created, and, even better, it was a Community University. A university owned by the regional community, not by the government, not by a private profit-oriented business. There were those who complained, of course. They wanted a public university, but what did they do in order to get it?

A Sorocaba de hoje deve muito do seu notável desenvolvimento à criação da Uniso. Basta lembrar que foi dentro dela que aconteceram os primeiros passos para transformar a cidade em metrópole regional. E, depois dela, deu-se à luz o campo aberto para outras universidades e não poucas novas faculdades.

The city that Sorocaba is today owes much of its remarkable development to the creation of Uniso. Just keep in mind that it was within its walls that the first actions to turn the city into a metropolitan region were taken. And after that, it cleared the way for other universities and many new colleges to be born.

Colho desse exemplo a boa certeza do melhor futuro das universidades comunitárias no país. Hoje, elas são cerca de 50 e nelas estão 25% das matrículas universitárias do país. Sem as comunitárias não será possível cumprir uma das metas mais ambiciosas do Plano Nacional de Educação, que prevê a inclusão de, pelo menos, 33% dos jovens brasileiros no Ensino Superior até 2024.

This example makes me sure about the bright future of Community Universities in Brazil. Nowadays, there are about 50 of them, that represent 25% of the country’s university enrollments. Without these universities, it will not be possible to reach one of the most ambitious goals of the Brazilian National Education Plan, to include at least 33% of young Brazilians in Higher Education by 2024.

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Acredito que o contexto atual da educação brasileira representa o kairós, a ocasião favorável para as universidades comunitárias se desenvolverem. E não estou falando de quantidade, ou seja, de mais universidades desse tipo; penso em qualidade, em comunitárias que, nesta hora trágica da pandemia, saibam se adequar didática e tecnologicamente ao cumprimento de sua missão e, no pós-epidemia, continuem ainda mais importantes pelo seu perfil humanista. Dá para pressentir isso ao ouvir, hoje, gente entendida dizendo que as indústrias passarão a contratar filósofos, para trabalhar na programação de decisões não mecânicas, por exemplo.

I believe that the current context of Brazilian education represents a favorable occasion for Community Universities to prosper. And I am not talking about quantity, which would mean more universities of this kind; I am thinking of quality, of Community Universities that, in this tragic hour of the pandemic, know how to adapt didactically and technologically in order to fulfill their mission, and I hope that, when the pandemic is over, they will grow even more important due to their humanist approach. It is possible to see it coming when we hear experts saying nowadays that industries will soon start hiring philosophers to work in the programming of non-mechanical decisions, for example.

As comunitárias continuarão necessárias, porque possuem raízes profundas nas comunidades urbanas e rurais, de onde surgiram e conhecem melhor os problemas e os recursos do seu entorno sociopolítico, reconhecendo o seu compromisso moral e social com essa realidade. Por outro lado, elas se mostram mais ágeis e flexíveis na inclusão respeitosa e estimulante de todo eventual aluno, de qualquer classe social.

Community Universities will remain necessary, because their roots dig deeply in urban and rural communities, from where they emerged, thus understanding better the problems and the resources of their socio-political environment, and recognizing their moral and social commitment to this reality. On the other hand, they are more agile and flexible when it comes to the respectful and stimulating inclusion of students regardless of their social stratification.

U. C.: O sr. diz, em seu livro, que o aluno “só se sente feliz no seu curso quando se vê participante e criador, na medida em que os componentes curriculares têm algo a ver com ele e com os problemas sociais detectados pela pesquisa e enfocados na extensão.” Essa é uma afirmação que não poderia ser mais contemporânea, estando totalmente alinhada à orientação da universidade para o ensino por competências. Quais são os desafios de trabalhar a tríade da universidade (ensino, pesquisa e extensão) direcionando esse movimento para solucionar carências regionais específicas?

S@U: In your book, you wrote that students “only feel happy about their education when they perceive themselves as participants and creators, insofar as courses have something to do with them, as well as with the social problems detected by research and addressed by community outreach.” This statement could not be more contemporary, as it is totally aligned with the university’s orientation towards a competency-based learning model. What are the challenges of reworking the university triad (teaching, research, and community outreach), in order to solve specific regional needs?

A. V.: Quando eu falo em inclusão universitária, estou pensando em professores, alunos e funcionários comprometidos com um ensino transformador, um ensino com professores ligados

A. V.: When I talk about inclusion at the university, I think of professors, students, and employees committed to transforming teaching, I think of professors being connected to the reality UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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à realidade dos alunos, com alunos sentindo valorizadas as suas experiências pessoais e sociais e com funcionários competentes, respeitados em qualquer setor. Esse realismo didático-pedagógico-social evita tanto o enciclopedismo como o conteudismo, porque se pratica uma aprendizagem vinculada à experiência, aos problemas do dia a dia do mundo em que estamos vivendo. Não existe alunozero de conhecimento. Todo aluno traz consigo saberes, informações, vivências. Isso tem que ser valorizado. É a força motriz do gosto pelo curso que está fazendo. Quando o professor atua como o único detentor de conhecimentos, a classe parece feita não de discentes, mas de pacientes. Vêm daí a decepção com o curso, o desinteresse, a reprovação, a evasão. A sala de aula pode ter 40 matriculados, mas quantos realmente estão aprendendo? Nesse quadro de ensino passivo, quem é que vai sair bem formado, com senso crítico, proativo, criador, capaz de analisar situações-problema, integrar equipes, trabalhar produtivamente em redes? A boa universidade, feita para o desenvolvimento pessoal, profissional, acadêmico e em comunidade, não se baseia nem controla o seu ensino só por provas mensais ou bimestrais. Sabe substituí-las por projetos de pesquisa individual ou em grupo, por atividades de extensão monitoradas e avaliadas e por participação em iniciativas de promoção social. Fico imaginando quantas mudanças podem ser empreendidas em Sorocaba e região por alunos assim engajados em questões fundamentais, como saúde, educação, mobilidade social, segurança, meio ambiente, coleta seletiva... U. C.: Nesse contexto de orientação para o ensino por competências, em que situações concretas (da “vida real”, como dizemos) 14

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of their students, of students feeling their personal and social experiences valued, of competent employees being respected in any sector. This didactic-pedagogical-social realism avoids both encyclopedism and a contentbased education, because learning is linked to experience, to the day-to-day problems of the world in which we are living. There is no student who is totally devoid of knowledge. Every student comes with their knowledge, their information, their experiences, and this has to be valued. It is the driving force behind one’s fondness for the courses they are taking. When the professor acts as the sole bearer of knowledge, the class turns into a group of patients, not students. And that is the origin of issues like disappointment with the chosen major, the lack of interest, failed classes, evasion. A classroom may have 40 students enrolled, but how many of them are actually learning something? In this context of passive teaching, how many of them will be well-educated, capable of thinking critically, proactively, and creatively, in order to solve problems and work productively as part of teams and networks? A good university, which aims at personal, professional, academic, and community development, is not based on monthly or bimonthly tests, and that is not how it assesses its teaching either. In a good university, these things are replaced with individual or group research projects, with monitored community outreach activities, and with social promotion initiatives in which students take part. I can only wonder how many changes can be made in Sorocaba and its surrounding region by engaging students in fundamental issues such as health, education, social mobility, security, environment, waste management... S@U: In this whole context of building a competency-based curriculum, in which


são aquilo que motiva o desenvolvimento de conhecimento, habilidades e atitudes (valores inclusive), o enfoque atribuído à extensão deve mudar, potencialmente crescer? A. V.: Concordo plenamente. O papel atribuído à extensão universitária precisa ser seriamente considerado. Infelizmente, é muito comum professores e a própria instituição colocarem a extensão em terceiro lugar: primeiro, ensino e mais ensino; depois, pesquisa, pelos mais dotados (de capacidade ou de verba); por fim, extensão, apenas por quem tiver jeito, gosto ou tempo. E, nessa visão, sai muito prejudicado o alunado, porque prevalece o ensino teórico e as pesquisas acabam ficando em documento engavetado. Sem a prática da extensão, perde-se, no trato com uma disciplina, o contato duro e desafiante da realidade social. A universidade vira um jardim fechado e estéril. Felizmente, a Uniso tem uma história marcante na linha extensionista, com projetos e programas em várias áreas, como educação, saúde e administração. Quero acrescentar também que a extensão representa a contrapartida da universidade ao que a sociedade lhe dá de verba, respeito ou prestígio. Ou seja, é pela extensão que a universidade se justifica socialmente, sobretudo neste Brasil tão desigual e injusto, onde o ensino superior gratuito constitui privilégio de uma minoria. Mas é preciso sempre insistir que, para a Universidade Comunitária, extensão é prática de mão dupla: a universidade oferece seus conhecimentos à sociedade e esta lhe apresenta o que ela sabe por experiências sofridas e todos os seus valores de sobrevivência. Nos dois lados há protagonismo. Por isso mesmo, extensão não pode ser mero assistencialismo, em detrimento de uma ação de efetiva promoção humana, nem um espúrio colonialismo acadêmico, com traços de pura invasão cultural.

concrete real-life situations should be what motivates the development of knowledge, skills, and attitudes (including values), should the focus attributed to community outreach change, potentially grow? A. V.: I fully agree. The role assigned to community outreach needs to be seriously reconsidered. Unfortunately, it is very common for professors and the institution itself to put outreach in third place: firstly comes teaching; then, research, which is conducted by the most gifted (both in capacity or funds); and finally, community outreach, undertaken only by those who have a way with it, or that have enough time. Students are severely affected by this approach, because theoretical teaching prevails, and research projects end up on an archive shelf. Without community outreach embedded in the curriculum, the hard and challenging contact with social reality is totally lost. The university turns into a sealed and sterile garden. Fortunately, Uniso has a remarkable history when it comes to community outreach, with projects and programs in many fields, such as education, health, and management. I also want to add that community outreach represents the university paying society back for all it provides, whether in the form of money, respect, or prestige. In other words, it is the outreach that socially justifies the existence of the university, especially in a country marked by social inequality, where free higher education is a privilege accessible to only a few. But it is always necessary to keep in mind that, when it comes to Community Universities, community outreach must work as a two-way practice: the university offers its knowledge to society, and society gives back what it has learned through experience and survival efforts. There is protagonism on both sides. For this reason, outreach cannot be neither charity nor a spurious academic colonialism, with traces of pure cultural invasion, but effective human promotion instead. UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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U. C.: A universidade comunitária deve estar voltada ao desenvolvimento da comunidade e, normalmente, quando se fala em desenvolvimento, é ao desenvolvimento econômico que as pessoas pensam em primeiro lugar. Mas existem desenvolvimentos outros: social, cultural, ambiental. Às vezes eles caminham de mãos dadas, noutras vezes não. Nesse sentido, o desenvolvimento ao qual a universidade comunitária está comprometida é o mesmo das universidades particulares, ou das públicas?

S@U: Community Universities must be focused on the development of the community, and typically, when people think about development, economic development is the first thing that comes to mind. But there are other kinds of development: social, cultural, environmental. Sometimes they go hand in hand, but other times they do not. In this sense, does the definition of development that applies to Community Universities differ from the development to which private and public universities commit?

de crescimento humano, cultural e tecnológico.

A. V.: Obviously, the development of universities, regardless of their kind (private, state or community), comprises teaching, research, and community outreach, but what sets us apart is a spectacular motivation. We are not looking for economic development alone, we are not looking for profit, and we do not rely on government funding. What motivates us all, from the rector to servitors, at Community Universities located all the way from the south to the northeast of Brazil, is the intention to respond to the desires of our society, and to contribute to its process of human, cultural, and technological growth.

O que a população brasileira quer e precisa receber de uma universidade não são teses e teorias. Ela quer pão, casa, emprego, escola, liberdade, justiça, paz.

What Brazilians expect and need from universities are not theses and theories. They expect food, home, employment, school, freedom, justice, peace.

A. V.: Evidentemente, tanto o desenvolvimento das comunitárias como o das estatais e das privadas acontece no quadro institucional do ensino, da pesquisa e da extensão, mas o que nos diferencia é uma espetacular motivação. Não buscamos apenas o desenvolvimento econômico, não buscamos o lucro e não dependemos de verbas do governo. O que nos motiva a todos, das comunitárias gaúchas às do nordeste, das reitorias aos serviçais, é captar os anseios da sociedade e incrementar seu processo

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Claro, não somos capazes nem vocacionados

Of course we are not able to solve every single

a resolver todos os problemas e carências da

one of the problems and needs that society faces,

sociedade, mas temos a missão e a obrigação

but we have the mission and the obligation to teach

de ensinar, pesquisar e estender conhecimentos

and to research, and to extend our knowledge,

tanto de ordem intelectual como de ordem técnica,

both of intellectual and technical nature, to the

conhecimentos que podem tirar muita gente da

community, as it is knowledge that can take

miséria, do analfabetismo, da doença, do desemprego.

people out of their misery, illiteracy, illness,

As

universidades

conscientes

dessa

comunitárias

estão

responsabilidade,

porque

nasceram para isso. E, neste dramático momento atual de um Brasil sem rumo, mergulhado em terrível urgência sanitária, elas estão vivas e atuantes, enfrentando esse teste de estresse nacional. Ao invés de fechar cursos, estão indo às residências, aos escritórios, às empresas dos seus alunos, professores e funcionários, com seus recursos tecnológicos e, sobretudo, com sabedoria. U. C.: O sr. diz, também, que “o conceito de sala de aula como espaço físico delimitado extinguiu-se. O que se quer é a universidade toda como uma grande sala de aula, um espaço pedagógico privilegiado. Por isso, na universidade comunitária nem tudo é docência, mas tudo tem de ser educação.” Essa frase foi publicada em 2004, e possivelmente escrita antes disso, mas ela nunca fez mais sentido do que em 2020 e 2021, anos em que o “espaço pedagógico” foi totalmente ressignificado. Como o sr. entende o espaço pedagógico em tempos de pandemia e, especialmente, no pós-pandemia? A. V.: Hoje, mais do que nunca, é inadmissível

unemployment. Community Universities are well aware of this responsibility, because they were born for this. And, in this dramatic moment when Brazil is adrift, facing a terrible sanitary urgency, they are alive and active, facing this national test of strength. Instead of interrupting classes, they are reaching out for their students, professors, and employees, at their homes and their offices, by means of their technological resources, but with their wisdom above all else. S@U: You also wrote that “the concept of the classroom as a delimited physical space has gone extinct. What we want is the whole university as a large classroom, as a privileged pedagogical space. So, when it comes to Community Universities, not everything is teaching, but everything must be education.” This sentence was published in 2004, possibly written before that, but it never made more sense than it did in 2020 and 2021, years when the “pedagogical space” gained a new meaning. How do you define the pedagogical space during the pandemic, and especially in post-pandemic times? A. V.: Today, more than ever, it is unacceptable

a educação emparedada. Recomenda-se, de vez

that education still takes place cloistered between

em quando, uma palestra, uma conferência, um

walls. A lecture, a conference or a debate may

debate, mas aula mesmo só se aguenta se embebida

be recommended from time to time, but one can

de realidades. Muitas vezes, um bom jornal

only endure classes if they are impregnated with

ou a internet dão mais inspiração ao professor

reality. A good newspaper or the internet are UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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do que Newton, Hegel, Rousseau ou Pasteur.

often more inspiring to professors than Newton,

Aliás, sempre faz bem lembrar que o Mestre dos

Hegel, Rousseau, or Pasteur. In fact, it is always

mestres, Jesus Cristo, nunca deu aulas para formar

good to remember that the Master of all teachers,

discípulos. Ensinava caminhando, com lições e

Jesus Christ, never taught classes when educating

exemplos, a partir do que via: gente trabalhando no

disciples. He taught as he walked, teaching

campo, festejando casamentos, pagando impostos,

from what he saw: people working in the fields,

passando fome e, de outro lado, a hipocrisia dos líderes e o autoritarismo dos poderosos. O perfil e a razão de ser de uma Universidade Comunitária exigem essa visão ampla e abrangente da vida universitária, mais ainda neste nosso momento histórico enfartado de tanta dor e perplexidade, de muita alta tecnologia junto com a inaceitável carência de recursos básicos de sobrevivência de milhões de brasileiros.

celebrating weddings, paying taxes, starving, and, on the other hand, from the hypocrisy of the leaders, and the authoritarianism of those who were in power. The characteristics and the justification for the existence of Community Universities require this broad and comprehensive approach to university life, even more so during this historic moment that is filled with pain and perplexity, when, for millions of Brazilians, high technology encounters the unacceptable lack of basic survival resources.

É verdade que o distanciamento físico — acho errado falar em distanciamento social —, o mascaramento e todos os necessários cuidados que a hora exige impõem muitas reservas à convivência universitária. O câmpus do qual alunos, professores e funcionários desfrutavam agora parece virar saudade, com aulas e encontros online. Mas a vivência universitária abrange a universalidade dos conhecimentos e dos relacionamentos. Ela se sobrepõe à convivência, porque nasce e brota dentro de cada um de nós, do ideal de ensinar, de aprender, de formar e se formar. A pandemia ensina coisas básicas que a pré-pandemia deslembrava, como fazer a lição de casa, valorizar o ambiente familiar, cuidar do próprio espaço residencial, ler mais, explorar inteligentemente o espaço virtual e, se possível, fazer algum curso rápido, para dar um “up” na carreira e, quem sabe, desenvolver novas habilidades. Quando a gente sair desse tsunami com cara de UTI de massa, muita coisa será diferente. 18

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It is true that physical distancing—I think social distancing is not the right term—, maskwearing, and all the necessary restrictions that the moment requires impose many limitations to life at a university. The campus that students, professors, and employees once enjoyed has turned into a memory, with classes and meetings being held online. But the university experience encompasses the universality of knowledge and relationships.It is more than socializing, because it comes from within each one of us, and springs up from the ideal of teaching, of learning, of educating and being educated. The pandemic has taught us basic things that pre-pandemic times made us forget, such as doing homework, valuing the family environment, taking care of our homes, reading more, exploring the virtual space intelligently, and, if possible, taking a quick course to upgrade our careers, maybe developing new skills. When we finally get over this tsunami that feels like a mass ICU, many things will not be the same.


As universidades têm séculos de sobrevivência a pestes, a guerras, a terremotos, a terrorismos e a ditaduras, e estão aí, no mundo todo, cicatrizadas, mas vivas e vivificantes.

Universities have been surviving for centuries, from plagues, wars, earthquakes, terrorism, and dictatorships, and they are still here, all over the world, maybe scarred, but alive and enlivening.

As comunitárias brasileiras e, particularmente, a nossa Uniso, estarão mais sábias. Sofreram o amargo sabor de um vírus arrasador e, com isso, aprenderam o nexo indissolúvel entre sabor e saber. A gente só sabe de fato alguma coisa depois que a saboreou, interessou-se por ela, deu duro para dominá-la. Hoje, tudo é mais difícil. Amanhã, não será mais fácil. Será mais ponderado, com mais ciência, mais tecnologia, sem dúvida, mas com mais sabedoria também. Da universidade não sairá nenhum “homo deus”, mas ela se mostrará mais viva ainda, para continuar a “ser uma Universidade Comunitária que, por meio da integração do ensino, da pesquisa e da extensão, produza conhecimentos e forme profissionais, em Sorocaba e região, para serem agentes de mudanças sociais, à luz de princípios cristãos”.

Brazilian Community Universities, and particularly our Uniso, will be wiser. They have tried the bitter flavor of a devastating virus and, by doing so, they have learned the indissoluble nexus between tasting something and knowing something. We only know something for real after we tasted it, became interested in it, worked hard to understand it. Today, everything is more difficult. Tomorrow, it will not be easier. It will require more thinking, more science, more technology for sure, but more wisdom as well. No “homo deus” will come out of the university, but the university itself will be more alive, to keep on “being a Community University that, through the integration of teaching, research, and outreach, will produce knowledge, educating and empowering professionals in Sorocaba and its region to be agents of social change in the light of Christian principles.”

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Currículo da Uniso deve estar 100% orientado para o

ENSINO POR COMPETÊNCIAS ATÉ 2022 Por/By: Guilherme Profeta

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Uniso’s curriculum will be 100% oriented towards

Foto/Photo: Parilov (Adobe Stock)

COMPETENCY-BASED LEARNING BY 2022

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T

H

er amplo acesso à informação não significa necessariamente ter conhecimento sobre determinado assunto, ou as habilidades necessárias para desenvolver algo de modo eficaz. Um bom exemplo disso é a feitura de um clássico da confeitaria francesa, o bolo ópera (no original, gâteau opéra), reconhecidamente um dos bolos mais difíceis de fazer. Composto por diversas camadas de pão de ló embebidas em xarope de café, ganache de chocolate e creme de manteiga, o bolo ópera perfeito costuma ser uma meta a se alcançar para os estudiosos da confeitaria.

aving broad access to information does not necessarily mean that one has knowledge about a particular subject, or the required skills to make something effectively. A good example is the opera cake (in the original, gâteau opéra), a classic of French cake-making, and admittedly one of the most difficult cakes to bake properly. Composed of several layers of sponge cake soaked in coffee syrup, chocolate ganache, and buttercream, the perfect opera cake is often a goal to be achieved by baking aficionados.

“Alguns estudantes, quando chegam às aulas de confeitaria na universidade, logo perguntam se vão fazer o ópera”, conta o coordenador do curso de graduação em Gastronomia da Universidade de Sorocaba (Uniso), o professor mestre Carlos Aberto Martins, que leciona o componente. “Nesse tipo de cozinha clássica, as receitas costumam ser longas, englobando uma série de técnicas que precisam ser dominadas para que o prato pronto seja satisfatório. Em Confeitaria, os nossos estudantes normalmente desenvolvem cada uma dessas técnicas semana a semana, na prática. Nas duas últimas aulas, cada equipe de estudantes recebe uma fotografia de uma sobremesa que chamamos de ‘sobremesas de vitrine’. São pratos clássicos, a exemplo do ópera, que demandam várias técnicas. Então, eles têm de fazer uma leitura da foto, tentando elencar todas as técnicas necessárias para a sua produção. Na sequência, eles vão à cozinha e têm de executar o prato, mas sem ter a receita em mãos.”

“When students take confectionery classes at the university for the first time, there are always those that ask if they are going to make the opera,” says professor Carlos Aberto Martins, coordinator of Uniso’s undergraduate program in Gastronomy, who teaches the class. “In this kind of classic cuisine, recipes are usually long, encompassing a series of techniques that need to be mastered for the finished dish to be satisfactory. When it comes to cake-making, our students usually develop each of these techniques week by week, by practicing them. In the last two classes, each team of students receives a photograph of a dessert that we call ‘showcase desserts.’ They are classic dishes, just like the opera cake, which demand various techniques. So, they have to interpret the photo, trying to list all the techniques needed. Afterwards, they go to the kitchen and have to make the dish, but without having the recipe presented to them.”

A coragem para tomar decisões e apostar em uma ou outra técnica, sem ter a certeza de que ela é aquela que realmente foi empregada na receita original (bem como a assunção de riscos que essa decisão implica), a perseverança para testar técnicas alternativas quando a primeira opção não funciona como o esperado, além da sensibilidade para trocar um ingrediente regional ou sazonal por um que não esteja disponível, por exemplo, são atitudes primordiais para quem cozinha, e a inclusão dessa situação-problema — não ter a receita — permite desenvolvê-las. O professor conta que sempre se surpreende nessa atividade: “Nesse momento, os próprios estudantes se avaliam e percebem quais habilidades conseguiram desenvolver e quais não.”

The courage to make decisions and choosing to take chances with one technique, without being completely sure if it is the one that was actually used in the original recipe (thus accepting all the risk that this decision implies); the perseverance to test alternative techniques when the first option does not work as expected; besides the flexibility to replace a regional or seasonal ingredient that is not available are examples of essential attitudes for those who cook, and the inclusion of this problem—not having the recipe—allows students to develop them. The professor tells he is always surprised when it is time for this activity: “At that moment, the students evaluate themselves, and

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Foto/Photo: Tatyana Nazatin (Adobe Stock)

O bolo ópera, clássico da confeitaria francesa, demanda técnicas variadas, o que o torna um dos mais difíceis de fazer The opera cake, a classic of French cake-making, demands varied techniques, which makes it one of the most difficult cakes to bake

Logo depois, é a vez de fazer o ópera, finalmente. O bolo demanda técnicas que são variações de tudo aquilo que foi trabalhado em aula, as quais podem ser aplicadas em outros pratos diversos, o que exige a articulação dos conhecimentos, das habilidades e das atitudes desenvolvidas ao longo do curso. Como ressalta Martins, ainda que a receita do bolo ópera esteja amplamente disponível na internet, a mera lista de ingredientes não garante o resultado final; ainda que as informações sobre o prato estejam amplamente disponíveis, sua execução depende de mais do que o mero acesso a elas. O exemplo da Gastronomia é bastante específico, mas a analogia serve para inúmeras outras áreas da experiência humana: informação não é igual a conhecimento, conhecimento não é igual a habilidade e habilidade não é igual a atitude. O simples reconhecimento dessa premissa pode ter implicações profundas para a educação de

they are the ones who come to realize which skills they managed to master and which they did not.” And then it is time to make the opera, finally. The cake demands techniques that are variations of everything that was taught in class, which can be applied in other diverse dishes, and require the articulation of knowledge, skills, and attitudes that were developed throughout the whole program. As Martins emphasizes, even though the recipe for the opera cake is widely available on the internet, the mere list of ingredients does not guarantee the final result; although the information on the dish can be easily accessed, its execution depends on more than just that. The Gastronomy example may be quite specific, but the analogy applies to countless other areas of human experience: information is not the same as knowledge, knowledge is not the

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forma geral, além de, mais especificamente, para a maneira com que os currículos são concebidos e oferecidos aos estudantes de cursos de graduação, no Brasil e no mundo. ORIENTAÇÃO INSTITUCIONAL Mais do que uma preocupação isolada de cada colegiado, essa é uma preocupação institucional em muitas escolas e universidades, como destaca o professor doutor Rogério Augusto Profeta, Reitor da Uniso: “Durante os últimos anos, muitas de nossas missões técnicas (as viagens que fazemos em busca de benchmarking) vêm buscando identificar quais são as melhores práticas educacionais e as principais tendências na educação em todo o planeta. As metodologias ativas e o ensino por competências — de forma simplificada, aquele que integra teoria e prática, sem a tradicional separação entre os dois momentos — têm sido estratégias recorrentes em países tão diversos quanto o Canadá, os Estados Unidos, o México, o Chile, Portugal e a Austrália, apenas para citar alguns dos quais visitamos. Nesses lugares, a implantação desse tipo de ensino tem possibilitado que os estudantes sejam orientados a desenvolver melhor suas potencialidades. Via de regra, esperase que essa modalidade pedagógica lhes permita antever e solucionar melhor os problemas inerentes à vida contemporânea, por meio do emprego da criatividade, da inovação, do trabalho em equipe e de uma visão sistêmica, preparando-os para a vida em sociedade como profissionais mais maduros e mais preparados. A lógica é simples.” Colocar essa lógica em prática, contudo, pode ser mais complicado do que parece, demandando integração entre a gestão da universidade e toda a comunidade acadêmica. Na Uniso, a previsão é que, até 2022, todo o currículo, em todos os cursos, tenha sido adaptado para um currículo baseado em competências. DO CONTEÚDO À COMPETÊNCIA “Muitas vezes nós ainda vivenciamos um currículo tradicional na Educação Superior, que costuma ser baseado na transmissão de informações e centrado no ensino do professor. Em geral, esse currículo é estruturado em disciplinas, as quais, por sua vez, estão organizadas em semestres e 26

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same as skill, and skill is not the same as attitude. The simple recognition of this premise can have profound implications in education, including, more specifically, the way curriculums are designed and presented to undergraduate students, in Brazil and worldwide. INSTITUTIONAL GUIDELINES More than a minor issue that may be concerning isolated scholars here and there, for many schools and universities this is an institutional concern, as it was highlighted by professor Rogério Augusto Profeta, rector at Uniso: “During the last few years, many of our technical missions (the trips we take for benchmarking) have been trying to identify what are the best educational practices and the main trends when it comes to education across the planet. Active methodologies and competencybased teaching methods—long story short, those that integrate theory and practice, without the traditional separation between them—have been recurrent strategies in countries as diverse as Canada, the United States, Mexico, Chile, Portugal, and Australia, just to name a few of the ones we visited. In these places, the implementation of this type of education has enabled students to better develop their full potential. The idea is that this pedagogical modality will allow them to foresee and better solve problems that are inherent to contemporary life, through the use of creativity, innovation, teamwork, and a systemic approach, thus preparing them for life in society as mature professionals. The logic is quite simple.” Putting this logic into practice, however, can be more complicated than it seems, requiring sheer integration between university management and the entire academic community. At Uniso, the plan is that, by 2022, the entire curriculum will be fully adapted to a competency-based model. FROM KNOWING CONTENT TO BEING COMPETENT “To this day, we often experience traditional curriculums in Higher Education, which are usually based on the transmission of information,


direcionadas por ementas. E é certo dizer que esse currículo já contribuiu para formar profissionais que se tornaram competentes ao longo de suas práticas, mas a sociedade mudou, passando a exigir, entre outras demandas, novos perfis profissionais. Nesse contexto, os currículos inovadores — entre os quais está incluído o currículo por competências — são tentativas educacionais de responder aos novos desafios da sociedade do conhecimento.” Quem faz essa afirmação é a professora doutora Cecilia Gaeta, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que acumula ampla experiência na implantação de currículos inovadores e, em fevereiro de 2021, participou de um seminário na Uniso como parte das atividades que marcam a transição dos cursos da universidade para a nova configuração curricular. Ela explica que existem divergências entre a interpretação americana e a europeia quando o assunto é competência: a primeira foca em ter competências, enquanto a segunda foca em ser competente. “A diferença é sutil, mas existe”, diz a pesquisadora. “Eu prefiro a segunda. Eu entendo que agir com competência é um processo que, resumidamente, pode ser descrito da seguinte maneira: diante de uma situação a ser enfrentada, o sujeito identifica, seleciona, combina e mobiliza de forma eficiente os recursos que desenvolveu ao longo da vida (conhecimentos, habilidades, atitudes e experiências), para compreender o contexto, analisar a situação específica, estabelecer prioridades e elaborar um plano de intervenção, visando uma ação eficaz”. Na prática, o desenvolvimento de competências tem foco na proposição de situações concretas, pragmáticas, a serem resolvidas pelos próprios estudantes por meio de conhecimentos técnicos, habilidades (know-how) e determinados comportamentos adequados a essas situações — em vez do ensino de um conjunto de determinados conteúdos (divididos em “compartimentos”), previamente selecionados por serem considerados pertinentes a cada disciplina. “O exemplo do bolo ópera é muito bom”, diz o professor doutor Paulo Roberto Teixeira Júnior, docente do curso de Psicologia da Uniso, que

and centered on the teaching by a professor. In general, this curriculum is structured in subjects, organized in semesters, and guided by syllabuses. And it is true to say that this kind of curriculum has already contributed to educate professionals who turned out to be competent throughout their practice, but society has changed, demanding new professional profiles. In this context, innovative curriculums— which include competency-based curriculums— are educational attempts to respond to the new challenges presented by the knowledge society.” This statement was made by professor Cecilia Gaeta, a researcher at the Pontifical Catholic University of São Paulo (PUC-SP), who has extensive experience when it comes to implementing innovative curriculums. In February 2021, she participated in a seminar at Uniso, as part of the activities scheduled in the process of transitioning to the new model of curriculum. She explains that there are divergences between how scholars from the United States and Europe interpret the concept of competency: the first ones focus on having competencies, while the latter focus on being competent. “The difference is subtle, but it exists,” the researcher says. “I prefer the second approach. In short,I understand that acting competently is a process that can be described like this: upon facing a given situation, an individual efficiently identifies, selects, combines and mobilizes the resources (knowledge, skills, attitudes, and experiences) that were developed throughout his or her life, in order to understand the context, analyze the specific situation, establish priorities, and design an intervention plan, aiming at an effective action.” In practice, the development of competencies focuses on proposing concrete, pragmatic situations, to be solved by the students themselves through technical knowledge, skills (know-how), and certain behaviors considered appropriate to these situations—instead of teaching a set of given contents (divided into “compartments”), previously selected because they were considered relevant to each class. UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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acompanhou Gaeta no mesmo seminário. “Todo o conhecimento sobre ingredientes, misturas, temperatura, fermentação etc. se materializa em algo concreto. Se o tal bolo com tais características determinadas não acontecer, a competência não foi desenvolvida. Ou seja, ter me apropriado de toda a literatura sobre o bolo não me torna competente; no máximo vai me tornar informado. Do mesmo modo, ter apenas o treino para fazer um bom bolo ópera, sem conhecer, por meio do estudo, seus processos, no máximo vai me tornar hábil, mas não propriamente competente. Ter apenas a habilidade (o treino) para fazer algo é um tanto limitado e limitante. A competência se dá quando conhecimento e prática se fundem.” Trata-se assim, como completa Gaeta, de uma inversão de prioridades, que redireciona aquele enfoque que normalmente é atribuído ao ensino para o aprender fazendo, ao resultado final que se deseja obter. “Se pretendemos que um currículo desenvolva um profissional competente, todo o currículo deve estar voltado à ação final. Não adianta se limitar ao desenvolvimento de conhecimentos, ou habilidades, ou atitudes isoladamente; é preciso agregar a tudo isso situações reais e completas de ensinoaprendizagem profissional, ao longo de todo o curso. Faz-se necessário criar oportunidades de fazer, de experimentar, de agir competentemente. Nesse contexto, o papel do conteúdo é outro: enquanto no currículo tradicional o conteúdo é a base, no currículo por competências a base é o fazer crítico (já que só fazer por fazer é habilidade, não é competência). O conteúdo é só um dos elementos dos quais o estudante precisa.” ORIGENS CONTROVERSAS E RESISTÊNCIAS Há muitos e muitos séculos, no Império Romano, o termo competência era utilizado para descrever os bons soldados. Na Idade Média, no campo do Direito, foi empregado para descrever aqueles que detinham a condição para julgar determinadas questões. E, mais recentemente, o termo foi utilizado ainda em referência àqueles indivíduos considerados aptos a executar determinado trabalho. Segundo a pesquisadora Cristiane Bevilaqua Mota, que defendeu em 28

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“The opera cake example is quite a good one,” says professor Paulo Roberto Teixeira Júnior, who teaches Psychology at Uniso, and accompanied Gaeta during the same seminar. “All the knowledge about ingredients, mixtures, temperature, fermentation, and so on materializes as something concrete. If one cannot make such a cake, with such determined characteristics, then competency has not been developed. In other words, having learned from all the literature on the cake may make me well-informed, but it does not make me competent. Likewise, just having the training to make a good opera cake, without knowing its processes through study, may make me skilled, but not really competent. Having only the ability (training) to do something is somewhat limited and limiting. Competence occurs when knowledge and practice merge together.” As Gaeta explains, priorities are reversed, which redirects the focus normally attributed to teaching to learn by doing, to the final result that one wishes to obtain. “If we want a curriculum that can make a competent professional, the entire curriculum must be focused on the final result. It is pointless to develop knowledge, skills, or attitudes alone; when it comes to teachinglearning, it is necessary to add real and complete professional situations throughout the entire course. It is necessary to create opportunities to do, to experiment, to act competently. In this context, the role of content is different: while in the traditional curriculum the knowledge acquired by going over a given content is the basis, in a competency-based curriculum the basis is doing, but doing critically (since doing alone means to be skilled, not competent). Knowledge is just one of the elements that the student needs.” CONTROVERSIAL ORIGINS AND RESISTANCE Many centuries ago, in the Roman Empire, the word competent was used to describe good soldiers. In the Middle Ages, in the field of Law, it was used to describe those who were considered able to judge certain issues. And, more recently,


2021 uma dissertação de Mestrado sobre o tema no Programa de Pós-Graduação em Educação da Uniso, existem muitas divergências acerca do termo “competência”, especialmente entre os educadores, sendo que não existe um consenso sobre a sua definição, a qual depende de uma série de questões — da área do conhecimento que o emprega, de qual termo original em língua estrangeira a palavra deriva (antes de ser traduzido para o português) etc. Tudo isso pode ser terreno fecundo para gerar resistências diversas. “Há poucas definições de competência publicadas pelas áreas da Educação e da Psicologia nas décadas de 1960 e 1970”, ressalta a pesquisadora. Essa foi uma constatação que ocorreu a despeito do fato de existirem publicações consideravelmente mais antigas, que já tratavam do tema no âmbito da Educação, embora não tenham definido o termo em si. “Na área da Administração, o interesse pelo conceito de competência teve início a partir de 1980 e auge na década de 1990. E foi a partir dessa década que começaram a ser encontrados resultados voltados à definição de competência também na área da Educação, a qual retomou o interesse pela definição do conceito. Na Educação, especificamente, o conceito chegou ao Brasil com a obra do sociólogo suíço Philippe Perrenoud (1999), a partir de referências de autores da área da Administração.” É daí que costumam vir as críticas ao conceito, que fazem referência principalmente à subordinação ao mercado de trabalho e à supervalorização do pragmatismo e do mecanicismo, em detrimento de uma formação mais ampla e humanista. “É possível observar, por exemplo, que essa definição confere ao conceito de competência o foco no trabalho, que não existe na sua origem. A hipótese de minha pesquisa é que, ao ser referenciado pela área da Administração, o termo acabou sendo associado às empresas, ao mercado de trabalho e ao capitalismo, de modo que o que vem dele passou a ser visto, por boa parte dos educadores, como algo danoso”, destaca Mota. No entanto, o que sua pesquisa apontou é que o conceito de competência pode ter

the term was used to refer to those individuals considered able to perform certain work. According to the researcher Cristiane Bevilaqua Mota, who defended in 2021 a Master’s thesis on the subject, at Uniso’s graduate program in Education, there are many disagreements about the concept of “competency”, especially among educators, and there is no consensus about its definition, which depends on a series of issues—the field of knowledge where it is used, the original term in a foreign language (before being translated into Portuguese), and so on. All of this can potentially generate resistance against the concept. “There are only a few definitions of competency in the fields of Education and Psychology that happened to be published in the 1960s and 1970s,” the researcher says. This was a finding of her research, despite the fact that there are considerably older publications which already dealt with the same topic in the field of Education, although they did not define the term itself. “In the field of Business Management, the interest in the concept of competency began in the 1980s, and had its peak during the 1990s. And in that same decade, the field of Education seemed to regain interest in defining the concept, thus we can find results of works that aimed at the definition. When it comes to Education specifically, the concept arrived in Brazil with the work of the Swiss sociologist Philippe Perrenoud (1999), based on references from authors in the field of Management.” This is precisely where criticisms tend to come from, referring mainly to a subservience of the concept of competency to professional training aimed at the labor market, and to the overvaluation of pragmatism and mechanism, which could potentially jeopardize a broader and more humanistic education. “It is possible to observe, for example, that, through this definition, the concept of competency is focused on work, a focus that does not exist back in its origin. The hypothesis of my research is that the term ended up being associated with business, the labor market and capitalism, due to the fact it has been quoted by Business Management scholars over and over,

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origem justamente na Educação, a partir de Johann Pestalozzi (1797), um educador suíço que exerceu influência sobre a construção do conceito de competência com as suas “chaves de aprendizagem” (referindo-se ao termo “cabeça” para falar sobre conceitos, a “mãos” para falar sobre habilidades e a “coração” para falar sobre atitudes). Outros pesquisadores da Educação vieram depois, apoiando-se sobre os conceitos de Pestallozzi. Posteriormente, o conceito aglutinou a ideia de aprendizagem por experiência (a integração dos conhecimentos à experiência prática, muito presente nas atuais metodologias ativas). Outro ponto que tem potencial para causar resistência é o entendimento do conceito de atitude, que integra a tríade normalmente usada para definir competência, junto a conhecimento e habilidades. “Esse conceito demanda que se eduque a partir de valores, o que, especialmente no Brasil, costuma ser associado a moralismo, gerando resistência. Mas atitude também é associada à proatividade, à vontade de fazer. Esse é um exemplo de entendimentos que comprometem o que poderia ser uma educação libertadora (por promover competência), o que tenderia a diminuir várias mazelas sociais”, diz a orientadora do estudo, a professora doutora Maria Alzira de Almeida Pimenta. “Competência, afinal, é a capacidade de mobilizar recursos — os conhecimentos, as habilidades e as atitudes — para resolver um problema. Isso vale para a vida em geral, seja para questões práticas, pessoais, sociais ou profissionais. Ao trabalharmos com esse conceito nas escolas, teremos pessoas, cidadãos, profissionais mais preparados para resolver diversos problemas, melhorando condições de vida e de trabalho, e implicando em melhorias sociais e econômicas para todos”, conclui Pimenta.

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which caused many educators to start associating it to something inherently harmful,” Mota says. However, what her research pointed out is that the concept of competency may come from Education originally, from a Swiss educator named Johann Pestalozzi (1797), who influenced the development of the concept with his “Head, Heart, and Hands” triad (using the term “head” to refer to concepts, “hands” to refer to skills, and “heart” to refer to attitudes). Other Education scholars showed up later, with their works heavily leaning on Pestallozzi’s concepts. Subsequently, the concept was associated with the idea of learning by experience (namely, the integration of knowledge and practical experience, which is a key factor to current active methodologies). Another element that has the potential to cause resistance is the understanding of the concept of attitude, which is part of the triad normally used to define competency, along with knowledge and skills. “This concept demands an education that is based on values, something that Brazilians usually associate with moralism, thus generating resistance. But attitude is also associated with proactivity, or the will one needs in order to do something. This is an example of interpretations that compromise what could be a liberating education (once it makes one competent), which would tend to reduce many social problems,” says professor Maria Alzira de Almeida Pimenta, the research advisor. “Competency, after all, means to be able to mobilize resources—knowledge, skills, and attitudes—in order to solve a problem. This is valid for life in general, whether for practical, personal, social, or professional issues. As we take this idea to schools, we will have people, citizens, and professionals that will be better prepared to solve various problems, improving their living and working conditions, and resulting in social and economic improvements for everyone,” Pimenta concludes.


Foto/Photo: Fernando Gonçalves Rezende

Seriema (Cariama cristata), a mascote da Universidade, “visita” o Monumento à Matemática A seriema (Cariama cristata), the mascot of Uniso, visits the university's Monument to Math UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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Uniso passa a fazer parte de rede internacional de

UNIVERSIDADES ORIENTADAS PARA A SUSTENTABILIDADE Por/By: Guilherme Profeta

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UNIVERSITIES ORIENTED TOWARDS SUSTAINABILITY

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Background: Man As Thep (Adobe Stock); adaptado por/adapted by Luiz Fernando de Almeida (ilustração/illustration), Daniele da Silva Coimbra

Uniso joins international network of

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C

ontemporaneamente, a sustentabilidade vem sendo considerada uma importante balizadora para as ações das mais diversas organizações, em todos os segmentos. Tornar-se “mais verde” é cada vez mais uma exigência de instituições reguladoras e do mercado consumidor, além, é claro, de ser uma exigência do próprio planeta — ao menos para aqueles que estão minimamente preocupados com as próximas gerações. Não é diferente com as instituições de ensino superior: em todo o mundo, muitas estão tomando ações para reduzir suas pegadas de carbono e contribuir para o desenvolvimento sustentável das comunidades em que estão inseridas, mas esses esforços nem sempre são considerados nos rankings universitários existentes. Foi isso que perceberam especialistas em ranqueamento reunidos na Universidade da Indonésia (UI), numa conferência realizada em abril de 2009. Foi para tentar resolver essa questão que a UI propôs um novo ranking, mais focado e mais inclusivo, que pudesse englobar as diversas ações voltadas à sustentabilidade em instituições de ensino superior ao redor do planeta. Esse ranking deu origem, então, à UI GreenMetric World University Rankings Network (UIGWURN), uma rede global em que os participantes podem compartilhar boas práticas e organizar ações conjuntas (como workshops, por exemplo). Além da própria UI, essa rede é organizada por outras 35 instituições que atuam como coordenadoras nacionais — no caso do Brasil, essa instituição é a Universidade de São Paulo (USP).

N

owadays, sustainability has turned into an important guide when it comes to orienting the actions of the most diverse organizations, in all segments. Going “greener” is increasingly becoming a requirement of both regulatory institutions and consumers, besides being an obvious requirement of the planet itself— at least for those who are minimally concerned with the next generations. Higher education institutions are no exception: around the world, many of them are taking actions to reduce their carbon footprint and contribute to the sustainable development of the communities around them, but these efforts are not always considered in the existing university rankings. That situation was addressed by experts gathered at the University of Indonesia (UI), during a conference held in April 2009. In order to fix this issue, the University of Indonesia proposed a new ranking, one that would be more focused and more inclusive, that could encompass the various actions focused on sustainability in higher education institutions around the planet. This ranking then originated the UI GreenMetric World University Rankings Network (UIGWURN), a global network participants can use to share good practices, as well as organize activities together (such as workshops, for example). In addition to the UI itself, this network is organized by 35 other institutions that act as national coordinators—in the case of Brazil, that institution is the University of São Paulo (USP).

De todas as instituições de ensino superior brasileiras — que somam 2.608, segundo o Censo da Educação Superior de 2019 —, somente 38 fazem parte da rede. A Universidade de Sorocaba (Uniso) foi convidada a participar em 2020, passando a integrar uma lista de mais de 900 instituições, localizadas em 84 países diferentes.

Out of all Brazilian higher education institutions—that total 2,608, according to the 2019 Brazilian Higher Education Census—, only 38 are part of the network. Uniso was invited to participate in 2020, joining a list of more than 900 institutions, located in 84 different countries.

ATUALIZAÇÃO E ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR Para participar da rede, as instituições de ensino compartilham dados referentes às suas ações voltadas à sustentabilidade, que são agrupados

INTERDISCIPLINARYAPPROACHAND KEEPING UP WITH TRENDS To take part in the network, education institutions share data related to their actions focused on sustainability, which are grouped into

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em SEIS CATEGORIAS e analisados por um time interdisciplinar composto por profissionais de áreas tão diversas quanto Ciências Ambientais, Engenharia, Estatística e Estudos Culturais, para citar apenas algumas.

SIX CATEGORIES, and then analyzed by an interdisciplinary team composed of professionals from fields such as Environmental Sciences, Engineering, Statistics, and Cultural Studies, to name just a few.

Além disso, existe a preocupação de se considerar novas tendências. Para compor a lista de universidades da edição de 2020 do GreenMetric, por exemplo, foram acrescentadas no questionário questões relacionadas especialmente aos impactos da universidade sobre a comunidade.

Besides that, there is a concern to consider new trends. To compose the list of universities in the 2020 edition of the UI GreenMetric, for example, questions related to the university’s impacts on the community were added to the questionnaire.

PARA SABER MAIS: SEIS CATEGORIAS DE AÇÕES ORIENTADAS À SUSTENTABILIDADE UNIVERSITÁRIA TO KNOW BETTER: SIX CATEGORIES OF ACTIONS ORIENTED TOWARDS UNIVERSITY SUSTAINABILITY Fonte/Source: Adaptado a partir do UI GreenMetric World University Rankings, com exemplos da Uniso/ Adapted from UI GreenMetric World University Rankings (http://greenmetric.ui.ac.id), with examples from Uniso

Educação e pesquisa: Consideram-se as atividades de ensino e as produções acadêmicas voltadas à sustentabilidade, incluindo as pesquisas financiadas, os trabalhos publicados, os eventos realizados e os componentes curriculares com essa temática. Na Uniso, cerca de 15% de todos os componentes curriculares oferecidos em todos os programas (de graduação e pós-graduação) são voltados à sustentabilidade. Education and research: Topics to be considered include teaching activities and academic projects, including funded studies, published papers, events, and the total amount of courses related to sustainability. At Uniso, around 15% of all offered subjects, in all programs (both undergraduate and graduate), are focused on sustainability. Transporte: Considera-se o impacto dos transportes essenciais envolvidos nas atividades da instituição, incluindo, por exemplo, as iniciativas voltadas a transportes públicos e/ou compartilhados, dentro e fora do câmpus. Transportation: The focus is on the impact of transportations involved in the institution’s activities, including, for example, all initiatives for public and/or shared vehicles, both on and off campus. Energia e mudanças climáticas: Considera-se o uso de energias renováveis para suprir as atividades do campus, além da pegada de carbono total (ou seja, qual a quantidade de gases causadores do efeito estufa que a universidade emite à atmosfera) dividida pela quantidade UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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de pessoas na instituição. Na Uniso, a energia consumida é 100% oriunda de fontes renováveis. Além disso, duas plantas fotovoltaicas foram instaladas na instituição em dezembro de 2020. Energy and climate change: Topics to be considered include the use of renewable energy sources to supply campus activities, in addition to the total carbon footprint (namely, the amount of greenhouse gases that the university emits into the atmosphere) divided by the number of people in the institution. At Uniso, 100% of the energy consumed comes from renewable sources. Two photovoltaic plants were installed on campus in December 2020. Recursos hídricos: Considera-se a eficiência no uso de água na universidade, incluindo medidas de conservação e reutilização. Water: The focus is on the efficiency of water use at the university, including conservation and reuse measures.

Ambiente e infraestrutura: Considera-se a proporção entre área construída e área de vegetação na região do câmpus, bem como os investimentos anuais voltados à preservação dessa área. Na Cidade Universitária, o principal câmpus da Uniso, existe um esforço contínuo para manter um refúgio para a biodiversidade, reflorestado com vegetação nativa de dois biomas, o Cerrado e a Mata Atlântica. Setting and infrastructure: Topics to be considered include the proportion between the built area and the vegetation area on campus, as well as the annual investments aimed at the preservation of that area. At Uniso, there is a continuous effort to maintain a refuge for biodiversity on campus, which has been reforested with native vegetation from two biomes, the Brazilian tropical savanna (called Cerrado in Portuguese), and the Atlantic Forest. Gestão de resíduos: Consideram-se as ações de reuso e reciclagem de todos os resíduos produzidos pela instituição. Na Uniso, resíduos como papel e alumínio são coletados por empresas de reciclagem. Resíduos orgânicos oriundos da jardinagem do câmpus são devolvidos ao ciclo natural na área de floresta do próprio câmpus. Já resíduos químicos e equipamentos de proteção usados em laboratórios são coletados por uma empresa contratada. Waste management: The focus is on the measures taken to reuse and recycle all waste generated by the institution. At Uniso, paper and aluminum are collected by recycling companies. The organic waste originated from gardening is returned to the natural cycle in the forest area on campus. Chemical waste and protective equipment used in laboratories are collected by a certified contractor.

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These questions considered elements such as social entrepreneurship (if there are start-ups aiming at the development of a greener economy that were created in the university environment, or are somehow supported by the university), the possibilities of access to the university’s green areas by the external public, and the many services provided to the community (outreach activities).

COOPERAÇÃO É A PALAVRA-CHAVE Como uma nova integrante da rede, a Unisoestá à frente de cerca de 28% das instituições participantes — o que não deixa de ser um resultado positivo, uma vez que 2020 foi o primeiro ano em que a Universidade participou da iniciativa. Mas o mais importante não é a competição; nas palavras da PROFESSORA DOUTORA RIRI FITRI SARI, que está atualmente à frente da iniciativa, o mais importante é que a rede possa servir “como uma plataforma para futuras cooperações internacionais entre instituições de ensino superior, para fazer do nosso mundo um lugar melhor.”

THE KEYWORD IS COOPERATION As a new member of the network, Uniso is positioned ahead of about 28% of the participating institutions—which is a positive result, given the fact that 2020 was the first year in which the university took part in the initiative. But competition is not the point; in the words of PROFESSOR RIRI FITRI SARI, who is currently in charge of the initiative, the most important thing is that the network can serve “as a platform for future international cooperation among higher education institutions to make our world a better place.”

Foto/Photo: Arquivo da UI/UI's archive

Essas questões consideram elementos como empreendedorismo social (se existem start-ups criadas em ambiente universitário, ou apoiadas pela universidade, que sejam voltadas ao desenvolvimento de uma economia mais verde), as possibilidades de acesso às áreas verdes da universidade por parte do público externo e os diversos serviços prestados à comunidade (ou seja, as atividades extensionistas).

O professor doutor Rogério Augusto Profeta, Reitor da Uniso, concorda. “Esta é a primeiríssima vez em que figuramos entre as instituições da rede do GreenMetric”, destaca. “Perto de algumas das universidades do grupo, nós somos consideravelmente jovens — a Universidade de Oxford, por exemplo, é uma das mais antigas da Europa e tem mais de 900 anos de história, quase duas vezes o tempo de existência do Brasil como nação.

Professor Rogério Augusto Profeta, the rector of Uniso, agrees. “This is the very first time that we are listed among the institutions of the UI GreenMetric network,” he highlights. “In comparison to some of the universities in the group, we are considerably young—the University of Oxford, for example, is one of the oldest in Europe, and accumulates more than 900 years of history, almost twice the time of UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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Foto/Photo: Assecoms (arquivo/archive)

O professor doutor Rogério Profeta, Reitor da Uniso, utilizando bicicleta do projeto UMOVE para transporte dentro do câmpus Professor Rogério Profeta, rector of Uniso, riding a bike of the UMOVE project as transportation on campus

Fazer parte dessa rede de compartilhamento, junto a universidades proeminentes na área ambiental em todo o mundo, é muito positivo, especialmente porque, compartilhando o que vem funcionando em outros contextos, nós podemos desenvolver ainda mais o nosso roadmap (ou seja, o mapa com as etapas que precisamos percorrer) para melhor servir a comunidade e o planeta. Nós temos muito a aprender com essas instituições, e também algumas coisas a ensinar.” Nesta edição da revista Uniso Ciência, você pode conferir alguns dos projetos voltados à sustentabilidade desenvolvidos na Uniso (os quais também foram considerados para a participação no GreenMetric). É o caso, por exemplo, da instalação de duas plantas fotovoltaicas para suprir energia limpa às instalações da Universidade (página 40), ou do plantio de milhares de árvores para a criação de um refúgio para a biodiversidade dentro do câmpus (página 74), além das diversas atividades de pesquisa e extensão.

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Brazil’s existence as a nation. It is very positive to be a part of this network, together with prominent universities in the environmental field worldwide, especially because, by getting to know what has been working in other contexts, we can further develop our roadmap to better serve the community and the planet. We have a lot to learn from these institutions, and also some things to teach.” In this current issue of the Science @ Uniso magazine, you can check some of the sustainability projects developed at Uniso (which were also considered for taking part in the UI GreenMetric). It is the case, for example, of the two photovoltaic plants that were installed to supply clean energy to the university facilities (page 40), or the thousands of trees that were planted in order to create a refuge for biodiversity on campus (page 74), in addition to many research and outreach activities.


Foto/Photo: Fernando Gonçalves Rezende

Exemplar de paineira-rosa (Ceiba speciosa) reproduzido por clonagem A specimen of silk floss tree (Ceiba speciosa) reproduced by cloning UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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O Reitor da Uniso, professor doutor Rogério A. Profeta, e o engenheiro Dawilson M. Junior, em visita à primeira planta fotovoltaica da Universidade Professor Rogério A. Profeta, rector of Uniso, accompanied by the engineer Dawilson M. Junior, visiting the university’s first photovoltaic power station 40

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Com duas plantas fotovoltaicas, Uniso dá o primeiro passo

RUMO À AUTOSSUFICIÊNCIA ENERGÉTICA With two solar power stations, Uniso takes the first step

TO ACHIEVE ENERGY SELF-SUFFICIENCY Por/By: Guilherme Profeta Foto/Photo: Paulo Ribeiro (arquivo/archive)

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D

esde junho de 2020, toda a energia elétrica consumida pela Universidade

de Sorocaba (Uniso) vem sendo adquirida de uma empresa particular participante do Mercado Livre de Energia — como é chamado o ambiente de negociação em que o consumidor pode optar diretamente por um ou outro fornecedor de energia elétrica. Essa energia é gerada a partir de fontes renováveis e hoje representa uma economia de

S

ince June 2020, all the electricity consumed by Uniso has been purchased

from a private company participating in the Brazilian Free Energy Market—namely, the trading environment in which consumers can directly choose their electricity supplier. This energy is generated exclusively from renewable sources, and represents savings of about 30% in

cerca de 30% em relação ao que custaria por

comparison to what it would cost through regular

meio do fornecimento regular. Esse é por si só

supply. This is a very favorable indicator alone.

um indicador bastante favorável. Mas o passo

But the next step has already been taken: from

seguinte já foi dado: a partir de dezembro de 2020,

December 2020, after launching two photovoltaic

com a inauguração de duas plantas fotovoltaicas

power stations located at Uniso’s main campus,

na Cidade Universitária, a Universidade deu o primeiro passo rumo à autonomia energética.

“No futuro, toda a Universidade deverá utilizar energia de fontes renováveis próprias”, diz o Reitor da Uniso “A ideia é que, futuramente, toda a Universidade utilize energia de fontes renováveis próprias, minimizando e eventualmente até excluindo o uso de qualquer energia comprada externamente. Há uma razão financeira por trás disso, uma vez que

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the university took the first step towards its energy self-sufficiency.

“In the future, the entire university will use energy from its own renewable sources”, says the rector of Uniso “The idea is that, in the future, the entire university will use energy from its own renewable sources, minimizing and eventually even excluding the use of any energy purchased externally. There is a financial reason behind this, as there is an


existe uma necessidade premente de reduzir custos, mas há também uma mensagem institucional de orientação de todas as nossas ações para a sustentabilidade. É por isso, adicionalmente, que muitas das placas fotovoltaicas foram instaladas no nível do chão, para que possam ser utilizadas em aula e visitadas pelos estudantes, especialmente dos cursos de Engenharia”, afirma o professor doutor

urgent need to reduce costs, but there is also an institutional vision to orientate all of our actions towards sustainability. This is exactly why many of the solar panels were installed on ground level, so that they can be used in classes and visited by students, especially those attending Engineering courses,” says professor Rogério Augusto Profeta, the current rector of Uniso.

Rogério Augusto Profeta, atual Reitor da Uniso. A primeira das plantas, composta por 364 módulos de placas solares instaladas sobre uma área de 1.000 m², está localizada sobre o telhado do Apoio 4 — o prédio em que funciona a clínica universitária do curso de Odontologia. A segunda,

The first station, consisting of 364 modules of solar panels installed over an area of 1,000 m², is on the roof of the building where the university’s dental clinic is located. The second, consisting of 56 modules, is on the ground level, next to one of the

composta por 56 módulos, está no nível do solo, ao

parking lots. Both were completed in December,

lado de um dos estacionamentos. Ambas as obras

under the coordination of engineers Wanderlei

foram finalizadas em dezembro, sob a coordenação

de Jesus Pegoretti, and Dawilson Menna Junior.

dos engenheiros Wanderlei de Jesus Pegoretti e

Together, they should generate about 190MWh

Dawilson Menna Junior. Juntas, elas deverão gerar

(megawatt-hours) of electric energy every year,

cerca de 190MWh (megawatts-hora) por ano, o que equivale a uma economia anual de cerca de 10%, considerando-se a energia gerada pelas duas plantas combinadas em relação ao que consome a Cidade Universitária, o principal câmpus da Uniso. “Já em relação ao câmpus Trujillo — que é outro câmpus da Universidade, separado da Cidade Universitária —, a economia seria de 72%, a título de comparação. As plantas podem suprir metade da energia gasta pelo prédio da Odontologia ou duas vezes a do Hospital Veterinário da Universidade durante um ano”, acrescenta Menna Junior, do departamento de Engenharia da Universidade,

which is equivalent to annual savings of around 10%, considering the energy generated by the two plants combined, in relation to the campus’ total consumption.

“In comparison to the energy consumption at the Trujillo campus—located in the same city—, savings would represent 72%. The station could supply half the energy spent by the dental clinic, or twice the consumption of the university’s veterinary hospital for a year,” says Menna Junior. For comparison purposes, it would be sufficient to

o responsável pelas obras das plantas. Essa

keep 275 frost-free refrigerators in operation for

energia seria suficiente, também, para manter

365 days, or 66 air conditioning units of 12,000

em funcionamento 275 geladeiras do tipo frost-

BTU running for seven hours a day, also for a

free durante 365 dias, ou 66 aparelhos de ar

period of one year.

condicionado de 12.000 BTU ligados durante sete horas diárias, também pelo período de um ano.

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“As placas solares GERAM ELETRICIDADE em corrente contínua, em conjuntos que variam de 500 a 700V (volts)”, continua o engenheiro. “Esses sistemas são interligados a três inversores de frequência, que transformam a energia de corrente contínua em corrente alternada, sincronizando-a à energia da concessionária, porém em 380V.

“Solar panels GENERATE ELECTRICITY in direct current, varying from 500 to 700V (volts)”, the engineer explains. “These systems are interconnected to three inverters that turn the direct current into an alternating current, thus synchronizing it to the standard current used by the energy supplier. However it is still 380V.

PARA SABER MAIS: ENTENDENDO O CAMINHO DA ENERGIA SOLAR

1. A luz — incluindo aquela emitida pelo Sol — é composta por fótons, partículas subatômicas elementares (indivisíveis, até onde se sabe) e, para chegar até o planeta Terra e atingir as placas fotovoltaicas, esses fótons viajam quase 150 milhões de quilômetros, num percurso que, na velocidade da luz, dura cerca de oito minutos. 1. Light—and that includes sunlight— is composed of photons, elementary subatomic particles (indivisible, as far as we know). In order to reach the planet Earth, all the way to the solar panels, these photons travel almost 150 million kilometers (or more than 90 million miles) in a trip which lasts about eight minutes at the speed of light.

2. Para que determinado material conduza eletricidade, os átomos que o compõem devem conter elétrons livres (como são chamadas as partículas subatômicas de carga elétrica negativa que estão girando numa determinada órbita ao redor do núcleo atômico, mas que estão prontas para “pular” para outra órbita, desde que recebam energia). As placas fotovoltaicas são feitas de silício acrescido de boro (de modo a acumular carga negativa) e fósforo (de modo a acumular carga positiva). 2. For any given material to conduct electricity, the atoms of which it is formed must contain free electrons (namely, the negatively charged subatomic particles that are constantly spinning in a certain orbit around the atomic nucleus, but which are ready to “jump” to another orbit, as long as they are provided with energy). Photovoltaic panels are made of silicon plus boron (in order to accumulate negative charge) and phosphorus (in order to accumulate positive charge).

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Essa energia é transmitida por cabos até a cabine primária mais próxima, onde acontece a transformação de 380V para 220V. Com a aprovação da concessionária de energia elétrica local, essa energia pode ser injetada na rede da Cidade Universitária, sendo utilizada onde houver consumo. Assim, a quantidade total de energia

This energy is transmitted by cables to the nearest electrical cabin, where it is transformed from 380V to 220V. With the approval of the local electric energy supplier, this energy can be transferred into the campus’ grid, thus being used wherever it is needed. Therefore, the total amount of energy consumed by the campus is the sum of the energy

TO KNOW BETTER: UNDERSTANDING THE JOURNEY OF SOLAR ENERGY 3. Quando os fótons que compõem a luz solar atingem as camadas mais externas das placas fotovoltaicas, os elétrons livres saltam para as camadas de silício desprovidas de elétrons. Conforme mais fótons vão chegando — nos momentos em que há incidência constante de luz solar —, esse processo continua, criando uma corrente de elétrons (ou corrente elétrica). Naturalmente, esse processo só funciona durante o dia, e mais eficientemente nos períodos e nas regiões em que a luz do Sol é mais intensa, como é o caso do município de Sorocaba. 3. When sunlight photons finally reach the outermost layers of the photovoltaic panels, the free electrons jump to the silicon layers devoid of electrons. As more photons keep coming—when there is a constant incidence of sunlight—, this process goes on, and that creates a current of electrons (or electric current). This process only works during the day, and more efficiently during periods and in regions where the sunlight is more intense, just as the city of Sorocaba. 4. Depois disso, o próximo passo é direcionar essa corrente contínua de elétrons para um inversor, que vai alterar a forma como esses elétrons se movimentam: em vez de seguir num único sentido, eles passarão a se mover de forma alternada, estando portanto adequados para ser utilizados por aparelhos elétricos e distribuídos à rede elétrica convencional. 4. After that, the next step consists in directing the current of electrons to an inverter, which will change the way these electrons move: instead of going in one direction, they will move in an alternating way, therefore being suitable to be used to power most electrical appliances, and also to be distributed to the conventional electrical grid. 5. Se a energia gerada por esse processo for superior à energia consumida numa determinada propriedade, o proprietário pode inclusive acumular créditos energéticos para o futuro. No Brasil, as condições de uso desses créditos são reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). 5. If there is more energy generated by this process than a given property is able to consume, the owner can even accumulate energy credits for the future. In Brazil, the conditions for using these credits are regulated by the Brazilian National Electric Energy Agency (ANEEL, in the Portuguese acronym).

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Menna Junior explica o funcionamento do sistema: a economia é de cerca de 10% ao ano Menna Junior explains how the system works: savings represent around 10% per year 46

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consumida pelo câmpus é a soma da energia gerada pelo sistema fotovoltaico próprio e daquela que é fornecida externamente.” Um dia, contudo, a complementação não mais será necessária.

generated by its own photovoltaic station, and the energy which is supplied from external sources.” One day, however, this supplementation will no longer be necessary.

TENDÊNCIA GLOBAL Para o professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves, coordenador do Programa de PósGraduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Uniso, o investimento em fontes energéticas alternativas, incluindo a energia solar, vem ganhando o status de tendência global nas últimas décadas devido aos riscos ambientais inerentes às fontes não renováveis (como o carvão, o petróleo e as usinas nucleares, por exemplo). Ele lembra, inclusive, que esse é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

WORLDWIDE TREND According to professor Daniel Bertoli Gonçalves, coordinator of Uniso’s graduate program in Technological and Environmental Processes, investing in alternative energy sources, including solar energy, has become a global trend in recent decades due to the inherent environmental threats posed by non-renewable energy sources (such as coal, oil, and nuclear power plants, for example). He also recalls that this is one of the 17 Sustainable Development Goals of the United Nations (UN).

“No Brasil, apesar de grande parte da energia produzida vir de usinas hidrelétricas, que são consideradas fontes renováveis, devemos nos lembrar que a construção de novas usinas causa impactos ambientais gigantescos. Isso não ocorre com as fazendas solares e os parques eólicos, que têm chamado a atenção de muitas organizações e até mesmo de consumidores domésticos, motivados pelo desenvolvimento científico e tecnológico em torno das energias alternativas. Além disso, a diversificação das fontes energéticas reduz a sobrecarga dos sistemas de transmissão de energia, que é o fator responsável pela maior parte dos apagões em todo o mundo. Assim, quem ganha é a sociedade. O investimento que a Universidade está fazendo não é apenas uma aposta certeira do ponto de vista econômico, mas também uma contribuição para o desenvolvimento sustentável da Região”, conclui Gonçalves.

“In Brazil, despite the fact that much of the energy produced comes from hydroelectric plants, which are considered to be renewable sources, we must remember that the construction of new dams causes huge environmental impacts. This does not happen with solar farms and wind farms, which have attracted the attention of many organizations and even domestic consumers, motivated by all the scientific and technological development regarding alternative energies. In addition, the diversification of energy sources reduces the burden on energy transmission systems, which is the factor that causes most blackouts worldwide. Thus, society wins. This investment that the university is making does not only represent a gain from an economic point of view, but also a contribution to the sustainable development of the region,” Gonçalves concludes.

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Plantas ornamentais florescem e embelezam o câmpus o ano todo Ornamental plants bloom and embellish Uniso's main campus all year round 48

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Foto/Photo: Fernando Gonçalves Rezende


Edson Ribeiro, pesquisador Edson Ribeiro, researcher 50

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Pesquisa faz um raio-X do comércio de

SUCATA FERROSA EM SOROCABA Researcher conducts in-depth analysis of the

IRON SCRAP TRADE IN SOROCABA

Por/By: Marcel Stefano Foto/Photo: Paulo Ribeiro (arquivo/archive)

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cada edificação construída em todo o mundo, diversos materiais acabam sendo descartados e gerando entulho por erros no projeto e na execução, pela má qualidade dos materiais ou pela falta de qualificação da mão de obra. Por conta disso, cada vez mais pesquisadores têm se atentado ao tema. Para combater o desperdício e diminuir custos nas construções, várias frentes de trabalho vêm sendo pesquisadas e implementadas. Mas são poucas as pesquisas que abordam o aproveitamento de resíduos de outros sistemas produtivos, como metais, minérios, polímeros, vidros e madeiras. Foi para ampliar este debate que o pesquisador Edson Ribeiro, da Universidade de Sorocaba (Uniso), decidiu estudar os aspectos técnicos do reúso de sucata ferrosa na construção civil. Na pesquisa, feita para conclusão de seu mestrado em Processos Tecnológicos Ambientais pela Uniso, Ribeiro fez um raio-X detalhado do comércio de sucata ferrosa em Sorocaba e desenvolveu uma série de recomendações técnicas e organizacionais para o reúso destes materiais, tanto nos sistemas construtivos tradicionais quanto em sistemas alternativos. “O ferro é um componente essencial para as edificações e exerce grande pressão sobre os recursos naturais não renováveis. No geral, o destino da maior parte da sucata ferrosa é a reciclagem pela siderurgia. Apesar de ser considerada ambientalmente adequada, a reciclagem de materiais com potencial de reúso representa uma perda energética considerável. Por isso, o reúso de materiais normalmente encontrados no comércio de sucatas, como vigas, barras de aço, arames, perfis estruturais, malhas pop, telhas galvanizadas, chapas, treliças, vergalhões, estribos nervurados, entre outros, têm potencial de reduzir os impactos ambientais e os custos das construções”, explica Ribeiro, no trabalho intitulado “Comércio de Sucata Ferrosa e Possibilidade de Reúso no Município de Sorocaba”, concluído em 2019, sob a orientação do professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves. 52

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ll around the world, every time there is something being built, there are many construction materials that end up being discarded and generating debris due to design flaws, execution mistakes, poor quality of materials, or due to the lack of qualified professionals. Therefore, more and more researchers have started to pay attention to this issue. To combat waste and reduce construction costs, several solutions have been researched and implemented. But not so many studies cover the use of waste from other productive systems, such as metals, ores, polymers, glass, and wood. In order to broaden this debate, Uniso’s researcher Edson Ribeiro decided to study the technical aspects of reusing iron scrap in civil construction. Throughout the research presented as his thesis at Uniso’s graduate program in Environmental and Technological Processes, Ribeiro conducted a detailed analysis of the iron scrap trade in the city of Sorocaba, then developing a series of technical and organizational recommendations for the reuse of these materials, both in traditional construction systems and alternative systems. “When it comes to buildings, iron is an essential component, and its extraction represents a great impact on non-renewable natural resources. Usually, most of iron scrap end up being recycled by the steel industry. And, despite the fact that recycling is considered an environmentally friendly alternative, recycling materials that could be potentially repurposed also represents a considerable waste of energy. Therefore, the reuse of materials normally found in the scrap trade, such as beams, steel bars, wires, structural profiles, wire meshes, galvanized roof tiles, metal sheets, trusses, reinforcing bars, ribbed stirrups, among others, have the potential to reduce environmental impacts and construction costs,” Ribeiro explains in his study, advised by professor Daniel Bertoli Gonçalves and concluded in 2019, which was titled “Trade of iron scrap, and the possibility of reuse in the city of Sorocaba.”


MUITA SUCATA A pesquisa de Ribeiro revelou que Sorocaba tem cerca de 200 estabelecimentos comerciais de sucata ferrosa, sendo que a maior parte ainda trabalha na informalidade. Após uma intensa consulta, o pesquisador identificou 70 estabelecimentos com registros. “Visitei 52 comércios de sucata e coletei informações para identificar e caracterizar tipos e quantidades de materiais, forma de classificação e comercialização”, conta o pesquisador.

THAT’S A LOT OF SCRAP Ribeiro’s research showed that Sorocaba has about 200 commercial establishments that commercialize iron scrap, most of which still operate informally. After an intense consultation, the researcher identified 70 registered shops. “I visited 52 scrap shops, collecting data to identify and characterize types and quantities of materials, as well as to understand how they were being classified and sold,” the researcher says.

Reúso de materiais na construção civil é alternativa

Finding new uses for scrap in civil construction is an alternative

Ribeiro constatou que a sucata ferrosa é encontrada em abundância e com facilidade em Sorocaba, em razão do vasto e crescente parque metalúrgico e dos vários estabelecimentos comerciais que trabalham com o material no município. “A pesquisa nos estabelecimentos, no entanto, constatou que os comércios de sucata carecem de melhor organização e treinamento de mão de obra. Mas, ainda assim, possuem materiais de muita utilidade para a construção civil”, afirma.

Ribeiro found out that iron scrap can be easily found in abundance in the city of Sorocaba, due to the vast and growing amount of metallurgical industries that operate in the region, and the many commercial establishments that work with this kind of material. “On the other hand, the survey conducted in the shops showed that they lack better organization, and their staff lack training. Nevertheless, they still possess materials that can be quite useful for civil construction,” he says.

Entre os materiais encontrados que chamaram a atenção de Ribeiro estão os pilares ou vigas “H”; no Brasil a estrutura metálica ainda é empregada de forma tímida. O pesquisador também destacou a quantidade de treliças metálicas encontradas, prontas para o reúso em coberturas, telhados, fechamentos, escadas, e chapas de ferro, e com grande potencial para a confecção de portas, portões, fechamentos em geral e tampas de caixas de inspeção, por exemplo.

Among the materials that were found, the ones that caught Ribeiro’s attention the most were the so called H-beams, a kind of metallic structure that is still timidly used in Brazil. The researcher also highlighted the amount of metal trusses lying around, ready to be reused in roofs, enclosures, stairs, and iron sheets, and with great potential for the making of doors, gates, enclosures in general, and inspection chamber lids, for example.

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“Por se tratar de materiais de grande dimensão e uso específico, eles acabam recebendo um valor muito inferior aos demais no comércio sucateiro. Esses tipos de materiais são vendidos geralmente abaixo da metade do preço de mercado de um material novo”. Quando isso não acontece, são dimensionados em pedaços menores para serem destinados ao mercado da siderurgia, conta Ribeiro.

“Once they are usually large materials, intended for specific uses, they end up being sold for a much cheaper price in comparison to other available scraps. These products are usually sold at less than half the market price in comparison to a new product.” When that does not happen, they are shredded into smaller pieces in order to be destined to the steel market, Ribeiro explains.

VAMOS RECICLAR Apesar do grande número de estabelecimentos que trabalham com sucata ferrosa, e da boa qualidade e variedade de materiais encontrados nestes estabelecimentos, seu reúso na construção civil ainda é pequeno e limitado, segundo Ribeiro. Isso acontece pela falta de informações técnicas e de preparo da mão de obra empregada no setor.

LET’S RECYCLE Despite the large amount of shops that work with iron scrap, and the good quality and variety of materials found in these shops, their reuse in civil construction is still limited, according to Ribeiro. This happens due to the lack of technical information and professional training when it comes to this sector.

Na perspectiva de melhorar a sustentabilidade da construção civil, o estudo sugere ações para maior aproximação dos profissionais da construção civil com o comércio de sucata ferrosa, conscientização da mão de obra e treinamentos técnicos para o reaproveitamento desse resíduo como matéria-prima nos projetos e construções.

Intending to improve the sustainability of civil construction, the study suggests actions to make the iron scrap trade more accessible to civil construction professionals, raising their level of awareness and technical training for the reuse of this kind of waste as building materials.

Para exemplificar as possibilidades do reúso de sucata ferrosa nas construções civis, Ribeiro cita os exemplos dos contêineres marítimos (que têm se tornado muito presentes nos atuais projetos arquitetônicos) e o projeto de um portão que envolveu apenas sucata metálica, executado pelo próprio pesquisador.

To exemplify the possibilities of reusing iron scrap in civil construction, Ribeiro cites the examples of shipping containers (which have become recurrent in contemporary architectural projects), as well as the design of a gate made of iron scrap alone, a project that was executed by the researcher himself.

“O potencial do reúso da sucata ferrosa na construção civil é grande, assim como se deu com a madeira de demolição, que passou a ser usada no madeiramento de coberturas e na fabricação de móveis rústicos, e com o entulho ou caliça, que têm sido utilizados para substituir parte da brita no concreto. No caso dos metais, as edificações acabam empregando materiais novos, muitos dos quais poderiam ser substituídos por materiais provenientes do comércio sucateiro, como é o caso de vergalhões, vigas, malhas, tubulações... que podem ser usados de diversas formas, da estrutura

“The potential for reusing iron scrap in civil construction is actually great, as was the case with demolition wood, which started to be used in roofing and in the manufacture of rustic furniture, and with building rubble, which have been used to replace part of the gravel in the concrete. When it comes to metals, new materials end up being used quite often, but much of it could be replaced by materials that are available from the scrap trade, such as reinforcing bars, beams, meshes, pipes... And they can be used in different ways, such as structurally or as ornamentation.

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Ribeiro visita um comércio de sucata Ribeiro visits a shop where metal scrap is commercialized

à ornamentação. O comércio sucateiro tem apostado nessa tendência de reúso e já começou a responder com o desmonte, classificação, estocagem e a organização. O grande desafio está em conscientizar os profissionais sobre a necessidade do reúso destes materiais enquanto alternativa para melhorar a sustentabilidade das construções”, conclui Ribeiro.

Com base na dissertação “Comércio de Sucata Ferrosa e Possibilidade de Reúso no Município de Sorocaba – SP”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves e aprovada em 28 de fevereiro de 2019.

The scrap trade has been betting on this trend of reuse, and has already started to respond by dismantling products, and properly classifying them, as well as storing and organizing. The great challenge is still making professionals aware of the need to reuse these materials as an alternative to improve the sustainability of construction sites,” Ribeiro concludes.

Acesse o texto completo da pesquisa em português: Follow the link to access the full text of the original research (in Portuguese):

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Um dos lagos que fazem parte da área de preservação dentro da Cidade Universitária One of the lakes located within the university's conservation areas 56

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Foto/Photo: Fernando Gonçalves Rezende


PERFIS GENÉTICOS PODEM DETERMINAR SUSCETIBILIDADE À COVID-19 e a outras novas doenças, apontam pesquisadores Por/By: Guilherme Profeta

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GENETIC PROFILING MAY DETERMINE SUSCEPTIBILITY TO COVID-19

Foto/Photo: blvdone (Adobe Stock)

and other new diseases, researchers point out

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uhan, China, dezembro de 2019. A Covid-19, até então compreendida como uma doença puramente respiratória, era registrada oficialmente pela primeira vez. Ainda não se sabia, mas estava começando uma corrida em escala mundial para compreender os mecanismos de funcionamento de seu causador, um novo coronavírus chamado SARS-CoV-2, bem como para desenvolver tratamentos e vacinas. Ainda hoje, muitas perguntas seguem sem resposta. O que faz, por exemplo, que uma pessoa tenha sintomas brandos, ou mesmo nenhum sintoma, enquanto outras desenvolvem sintomas gravíssimos, até mesmo fatais? Responder definitivamente essa pergunta, que ainda intriga os especialistas, pode gerar novos protocolos de tratamento, mais eficientes do que os atuais — e não só para a Covid-19 especificamente (que já conta com várias opções eficientes de vacinas), mas potencialmente para outras pandemias que ainda podem estar por vir. No caso da Covid-19, o vírus causador conta, em seu arsenal, com uma proteína de superfície conhecida como spike, que serve de interface entre o vírus e as células humanas a serem “atacadas”. Esses spikes têm afinidade com uma determinada proteína (chamada ACE2) presente em vários tipos de células humanas, como as pulmonares e as intestinais, e, ao se ligar a essas células, o vírus causa uma superprodução de citocinas e, consequentemente, uma inflamação generalizada, que nada mais é do que o corpo respondendo à infecção. Até aí, tudo está mais ou menos bem. O problema é que, em alguns indivíduos — especialmente aqueles cujos quadros clínicos evoluem para formas graves da doença — o sistema imunológico fica desregulado, e é daí que se originam as falências respiratórias e as mortes (e não diretamente devido ao aumento da carga viral). Em outras palavras, para alguns indivíduos mais suscetíveis, a resposta do sistema imunológico é mais perigosa do que o próprio vírus. O porquê de isso não acontecer com todos na mesma intensidade é justamente um dos grandes mistérios a se resolver.

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uhan, China, December 2019. Covid-19, still perceived as no more than a novel respiratory disease, was officially registered for the first time. No one could tell back then, but that event would kick off a major race of global proportions to properly understand what was causing all the trouble, a new coronavirus named SARS-CoV-2, as well as to develop treatments and vaccines. To this day, many questions remain unanswered. Why do some people have mild symptoms, or even no symptoms at all, and others end up developing very serious, even fatal symptoms? Answering this question, which still intrigues specialists, could potentially generate new treatment protocols, that could be more efficient than the current ones—and not only for Covid-19 specifically (for which there are several efficient vaccine options already), but for others pandemics that may be yet to come. Regarding Covid-19, the liable virus relies on a particular weapon in its arsenal: a surface protein known as spike, which serves as an interface between the virus and the human being that is “under attack.” These spikes have an affinity with a certain protein (called ACE2) that occurs in many types of human cells, such as lung and intestinal cells. By binding to these cells, the virus causes an overproduction of cytokines and, as a result, a widespread inflammation, which means the body is actively responding to the infection. So far, things are not that bad. The problem is that the immune system of some individuals—especially those whose clinical conditions evolve to severe forms of the disease—end up deregulated in the process, which is what actually causes respiratory failure and death (and not an increased viral load). In other words, for some individuals that happen to be more susceptible, the immune system’s response is more dangerous than the virus itself. The reason why the same thing does not happen as intensely to different people is one of the great mysteries yet to be solved.


Existem muitos fatores de risco para a Covid-19 — estudos indicam, por exemplo, o sexo biológico (homens são mais suscetíveis a casos graves da doença do que mulheres), uma série de comorbidades (diabetes, hipertensão, obesidade etc.), o tipo sanguíneo (indivíduos com sangue tipo A parecem ser mais suscetíveis do que aqueles com sangue tipo O, embora os estudos ainda sejam inconclusivos) e até a composição da microbiota intestinal. Entre esses fatores, há um especial, que não necessariamente está desassociado dos demais, e que os especialistas ainda não compreendem totalmente: o perfil genético.

There are many risk factors when it comes to Covid-19—studies mention the biological sex (men are more susceptible to severe cases of the disease than women), a series of different comorbidities (diabetes, hypertension, obesity, etc.), the blood type (individuals with type A appear to be more susceptible than those with type O, although research on this topic is still inconclusive), and even the composition of the intestinal microbiota. Among these factors, there is a special one, which is not necessarily dissociated from the others, which specialists still do not understand completely: the genetic profile.

Para alguns indivíduos mais suscetíveis, a resposta do sistema imunológico é mais perigosa do que o próprio vírus

For some individuals that happen to be more susceptible, the immune system’s response is more dangerous than the virus itself

É isso o que explica um time de pesquisadores da Universidade de Sorocaba (Uniso), composto por estudantes de Pós-Graduação e Iniciação Científica, sob a orientação da professora doutora Renata Lima, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade, num artigo intitulado “Perspectives and challenges in the fight against Covid-19: The role of genetic

This is what a team of researchers from Uniso explained in a paper titled “Perspectives and challenges in the fight against Covid-19: The role of genetic variability,” published in March 2021 in the journal Frontiers in Cellular and Infection Microbiology. The team, advised by professor Renata Lima, a member of the faculty at Uniso’s

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variability” (“Perspectivas e desafios na luta contra a Covid-19: O papel desempenhado pela variabilidade genética”), publicado em março de 2021 no periódico Frontiers in Cellular and Infection Microbiology. No artigo, os pesquisadores reúnem evidências compiladas a partir de uma série de outros estudos desenvolvidos em todo o mundo, tentando associar a ocorrência de sintomas graves a variações específicas em determinados genes. Os autores explicam, no artigo, que é quase certo que o sucesso do organismo no embate contra a Covid-19 esteja relacionado à ocorrência de polimorfismos — um dos tipos de variações que podem ocorrer nos genes, resultando em características observáveis que distinguem os indivíduos dos demais numa determinada população, e que são suficientemente “comuns” para atingir pelo menos 2% desses indivíduos. “No entanto”, eles alertam, “ainda não existem parâmetros para avaliar marcadores genéticos em indivíduos.”

graduate program in Pharmaceutical Sciences, is composed of graduate and undergraduate students. In the article, the researchers compiled evidence from many other studies developed around the world, in order to establish a link between the occurrence of severe symptoms and specific variations in certain genes. In the article, the authors explain that an organism’s success in fighting Covid-19 is most likely related to the occurrence of polymorphisms—which is one of the types of variations that take place in genes, resulting in observable characteristics that distinguish individuals from others of the same species within a given population, and that are “common” enough to affect at least 2% of these individuals. “However,” they say, “there are still no parameters to assess genetic markers in individuals.”

De acordo com os pesquisadores, amparados por vários estudos, tanto brasileiros quanto internacionais, é muito provável que existam “genes de risco” e “genes protetores”, que poderiam explicar, no fim das contas, o porquê de existirem pacientes jovens, sem nenhuma comorbidade conhecida, que desenvolvem casos graves da doença e até acabam não resistindo, enquanto outros pacientes, idosos e até mesmo portadores de determinadas comorbidades, têm um bom prognóstico, sem grandes problemas. No Brasil, no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da Universidade de São Paulo (USP), também há pesquisadores tratando dessa questão, estudando tanto indivíduos superresistentes à Covid-19 quanto jovens que faleceram mesmo sem apresentar comorbidades, de modo a identificar o que eles têm de diferente.

According to the researchers, supported by several studies conducted both in Brazil and abroad, it is very likely that there are “risk genes” and “protective genes,” which could explain why there are young patients that do not have any comorbidities who develop severe cases of the disease, and even end up dying, while other patients, who are old and do have comorbidities, end up with a good prognosis and no major trouble. In Brazil, at the Center for Human Genome and Stem Cell Studies at the University of São Paulo (USP), there are researchers who are also addressing this issue by studying individuals who are superresistant to Covid-19, and young people who passed away despite having no preexisting comorbidities, in order to find out what makes them so different.

Por enquanto, as pesquisas já apontam que existem três genes cujas variações parecem levar a casos graves da doença, causando respostas imunológicas descontroladas: o ACE2 (relacionado à produção daquela proteína que faz com que os spikes possam se ligar às células

For now, studies already point out that there are three genes whose variations seem to lead to severe cases of the disease, causing uncontrolled immune responses: ACE2 (related to the production of that same protein that causes spikes to bind to human cells), ADAM17, and TMPRSS2. If this

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humanas), o ADAM17 e o TMPRSS2. Se isso for comprovado definitivamente, e se mais genes forem identificados, a descoberta pode significar um avanço na medicina diagnóstica, permitindo identificar, a partir de padrões genéticos verificáveis e de uma pontuação de risco baseada nesses perfis, os pacientes que têm mais risco de desenvolver casos graves da doença.

IMPLICATIONS FOR THE FUTURE OF MEDICINE Are we in a new era of genetic screening? This is a question that the authors propose in the article, but, according to Lima, there is not an easy answer to it. “Firstly, due to the fact that Covid-19 presents a very different characteristic

Foto/Photo: creativeneko (Shutter Stock)

IMPLICAÇÕES PARA A MEDICINA DO FUTURO Estamos, de fato, numa nova era genômica de triagem genética? Essa é uma questão que os autores propõem no artigo, mas, segundo Lima, não existe uma resposta fácil para tal pergunta. “Primeiro

is definitively proven, and if more genes are identified, these discoveries could represent an advance in diagnostic medicine, allowing one to identify, from verifiable genetic patterns and a risk score based on these profiles, the patients who are most at risk of developing severe cases of the disease.

As proteínas de superfície do SARS-CoV-2, que tornam possível que o vírus se ligue às células humanas, são chamadas de spike SARS-CoV-2's surface proteins, the ones that make possible for the virus to bond with human cells, are called spike

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Foto/Photo: arquivo pessoal/personal archive

Professora doutora Renata Lima (PPGCF/Uniso) Professor Renata Lima (PPGCF/Uniso)

porque a Covid-19 tem uma característica bem diferenciada em relação a outras doenças: além da contaminação viral em si e dos efeitos desses vírus no organismo, existe outro fator, que é a resposta exacerbada do sistema imunológico, a qual acaba levando a uma cascata de acontecimentos. Em geral, os polimorfismos existem em genes que regulam essa resposta.”

in comparison to other diseases: in addition to the viral contamination itself, and also the effects of these viruses on the body, there is another factor, which is the exacerbated response of the immune system, which ends up leading to a cascade of events. In general, the polymorphisms occur in the genes that regulate this response.”

Isso explica, por exemplo, a diferença na forma como os organismos de homens e mulheres reagem à doença. “A proporção entre mulheres e homens infectados é a mesma, porém os homens acabam apresentando maiores complicações do que as mulheres. Os homens são mais suscetíveis porque muitos dos genes envolvidos com a resposta do sistema imunológico à contaminação pelo SARS-

This explains, for example, the different ways the bodies of some men and women react to the disease. “The proportion between infected women and men is the same, but men end up with greater complications than women. Men are more susceptible because many of the genes involved in the immune system’s response to the contamination by SARS-CoV-2 come from

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CoV-2 estão no cromossomo X. Como homens apresentam apenas um cromossomo X (enquanto as mulheres apresentam dois), o gene que eles tiverem será necessariamente o gene funcional. Mas, no caso das mulheres, elas ainda podem apresentar heterozigose — ou seja, variações no mesmo gene, vindas do outro cromossomo X —, o que, de certa forma, pode salvá-las das respostas indesejáveis.”

the X chromosome. As men have only one X chromosome (while women have two), the gene they have will be necessarily the functional gene. But, when it comes to women, they still have the chance of presenting heterozygosity—namely, variations in the same gene, coming from the other X chromosome—, which can protect them from undesirable responses.”

“E não são somente três genes que regulam essas respostas”, Lima continua, “existem outros; a cada dia que passa, novos genes são avaliados e estudados quanto ao potencial de contaminação e desenvolvimento da doença. Não sabemos exatamente o que nos aguarda daqui para frente, mas esse tipo de abordagem genética é, sim, algo a se pensar para futuras doenças que apresentem características semelhantes.”

“And there are more than just three genes that regulate these responses,” Lima goes on, “every day, new genes are studied regarding their potential for affecting the contamination and the progression of the disease. We do not know exactly what awaits us in the future, but this kind of genetic approach is indeed something to keep in mind when it comes to future diseases that could have similar characteristics.”

Tendo essas informações — quais são os genes responsáveis por determinada consequência na interação com um patógeno e quais as variações nesses genes que levam a um aumento no nível de suscetibilidade —, seria possível, hipoteticamente, fazer uma varredura genética de cada indivíduo. “Na verdade, isso já é realizado para algumas doenças. Para que isso seja possível, no entanto, existe a necessidade de uma definição exata tanto dos genes quanto das alterações específicas que levam às desvantagens em relação a cada doença, para então desenvolver um teste que seja rápido o suficiente, de modo a gerar respostas ainda em tempo de agir”, conclui a pesquisadora.

Com base no artigo “Perspectives and challenges in the fight against Covid-19: The role of genetic variability”, publicado no periódico Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, em 15 de março de 2021, de autoria dos seguintes pesquisadores: Mariana Guilger-Casagrande, Cecilia T. de Barros, Vitória A. N. Antunes, Daniele R. de Araujo, Renata Lima.

By having this information—knowing what genes are actually responsible for an impaired interaction with a pathogen, and what are the variations in these genes that lead to an increase in the level of susceptibility—, one could hypothetically conduct a genetic screening of every individual. “In fact, we already do that for some diseases. However, for this to be possible, we need an exact definition of both the genes and the specific changes that lead to disadvantages regarding each disease. Only then we can develop a test that is fast enough, in order to provide us with answers when we still have time to do something about it,” the researcher concludes.

Siga o link para ler o artigo original (em inglês): Follow the link to access the original paper (in English):

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Árvores e plantas tornam o ambiente agradável na área do Hospital Veterinário Universitário da Uniso Trees and plants create a pleasant environment around the university's Veterinary Hospital 66

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Foto/Photo: Mônica Ribeiro UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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A pesquisadora Adriana Teixeira de Lima apresenta propostas educativas para execução na Flona Researcher Adriana Teixeira de Lima presented a series of educational proposals to be executed in the forest 68

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A FLORESTA NACIONAL DE IPANEMA como espaço pedagógico

TAKING IPANEMA NATIONAL FOREST as a pedagogical environment

Por/By: Marcel Stefano Foto/Photo: Paulo Ribeiro (arquivo/archive)

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ense numa floresta enorme, com uma biodiversidade incrível, onde vivem mais de 500 espécies de animais e milhões de árvores e plantas dos mais variados tipos e cores. Rios, riachos, lagoa e cachoeira completam a paisagem. Como se não bastasse toda a sua beleza natural, esta floresta ainda guarda uma riquíssima história, com diversos sítios arqueológicos preservados. Agora imagine que esta floresta está bem pertinho de nós. Mais precisamente em Iperó. Estamos falando, é claro, da Floresta Nacional de Ipanema, um local que praticamente todos que vivem na Região Metropolitana de Sorocaba já ouviram falar. Mas que poucos já foram visitar. “Adentrar a Floresta de Ipanema é ter acesso à história escrita e às lendas, à beleza arquitetônica das construções históricas e suas ruínas... É observar a exuberância da natureza conservada e algumas experiências institucionais fracassadas, é analisar os aspectos sociais e culturais existentes desde a sua criação. É imaginar toda pujança tecnológica de uma época próspera e deparar-se com imóveis vazios, ruindo; ecos do passado que se entrelaçam com o presente e tentam resistir ao futuro”, conta Adriana Teixeira de Lima, professora, pesquisadora, economista, artista e terapeuta, entre muitos outros rótulos que ela dispensa. “Hoje me sinto guardiã da floresta”, define.

Estudo mostra que a Flona ainda é “invisível” para a prática docente

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ake a moment to imagine a huge forest, with incredible biodiversity, where there are more than 500 species of animals, and millions of trees and plants of all kinds and colors. Rivers, streams, a lagoon and a waterfall complete the scenery. In addition to the natural beauty, this forest also has a very rich history, with several preserved archaeological sites. Now imagine that this forest is very close to Uniso’s main campus. More precisely, it is located in the region of Iperó—which is around 60 km (or 37 miles) away from Sorocaba, a 50-minute drive by car. We are talking about the Ipanema National Forest, a place that is quite famous for those who happen to live in the Metropolitan Region of Sorocaba, even though not so many have already visited it in person. “To go into the Ipanema Forest is to have access to legends and to the written History, to the architectural beauty of historic buildings and their ruins... It is to observe the exuberance of the protected nature, and also some failed institutional experiences; it is to analyze the existing social and cultural aspects since its establishment as a preserved site. It is to go back to a prosperous era, and to imagine its technological strength, while going through empty ramshackle buildings, echoes of the past that intertwine with the present and try to resist the future,” tells Adriana Teixeira

Study shows that the Ipanema National Forest is still “invisible” when it comes to teaching


Lima conheceu a Floresta Nacional de Ipanema em 2009, quando levou seus alunos do ensino fundamental da rede pública de Araçoiaba da Serra para visitar o local. “Fiquei impactada pela exuberância do lugar, pelo potencial históricocultural por mim desconhecido até então. E não conseguia entender por que esta floresta era - e ainda é - desconhecida e esquecida na educação escolar”, relata. Dez anos depois, esta indagação foi respondida pela própria professora em sua tese de doutorado em Educação pela Universidade de Sorocaba (Uniso). A pesquisa, intitulada “Cartografias na Floresta Nacional de Ipanema: educação, ecologias e arte”, teve como orientadora a professora doutora Alda Regina Tognini Romaguera. “No meu trabalho, procuro refletir sobre os motivos pelos quais esse espaço não é visitado pelos professores e estudantes no cotidiano de projetos escolares. E, a partir da composição de um pensamento reflexivo e da minha experiência com a floresta, a tese propõe a reversão dessa circunstância”, explica. GIGANTESCA SALA DE AULA A CÉU ABERTO Estudar a Floresta Nacional de Ipanema não é apenas estudar o meio-ambiente ou a história da região de Sorocaba e do Brasil. Segundo Lima, há múltiplas perspectivas técnicas, educativas e artísticas a serem exploradas por professores e alunos no local. Para ela, a floresta é uma “escola-museu-a-céu-aberto”, que possibilita uma perspectiva inovadora para a prática pedagógica. “Mas, para essa perspectiva se concretizar, é preciso reverter a invisibilidade da floresta e isso passa por uma revisão das práticas docentes. Os professores precisam valorizar as experiências educativas fora do âmbito escolar. Na minha tese, trabalho a ideia do ensino outdoor (fora da sala de aula) como alternativa para uma nova prática de ensino, que envolva os estudantes em experiências reais, que traga desafios, dificuldades, o inesperado,

de Lima, teacher, researcher, economist, artist, and therapist, among many other titles she dismisses. “Today I identify more as a guardian of the forest,” she says. Lima visited the Ipanema National Forest for the first time in 2009, when she took a group of Elementary School students from the city of Araçoiaba da Serra for a tour. “I was impacted by the exuberance of the place, and by that historicalcultural potential that I did not know until then. And I could not understand why this forest was—and still is, as a matter of fact—unknown and forgotten when it comes to school education,” she says. Ten years later, the same issue was addressed by the teacher herself as her doctoral dissertation defended at Uniso’s graduate program in Education. The research, titled “Cartographies at the Ipanema National Forest: Education, ecologies, and art,” was advised by professor Alda Regina Tognini Romaguera. “In my work, I try to reflect on the reasons why this space is not visited by teachers and students throughout routine school projects. Then, based on a reflective thought, and also on my experience with the forest, the dissertation proposes ways of reversing these circumstances,” she explains. ENORMOUS OPEN-AIR CLASSROOM Studying the Ipanema National Forest does not limit to studying its natural environment, or the Brazilian history, or the region of Sorocaba. According to Lima, there are multiple technical, educational, and artistic perspectives ready to be explored on site by teachers and students. As she defines it, the forest is sort of an “open-air school-museum,” which provides an innovative perspective for pedagogical practices. “However, in order for this perspective to become a reality, it is necessary to reverse the utter unconcern about the forest, and this revolves around a review of teaching. Teachers need to value educational experiences outside the school environment. In my dissertation, I work on the UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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Lima, em visita à Flona: sugestão é criar as trilhas para explorar potencial do local Lima during a trip to the forest: her suggestion is to create trails on site, in order to make use of its full potential

o inusitado, que instigue os estudantes à superação dos seus limites, que incentive a criatividade, a imaginação, a inventividade e, principalmente, a resolução de problemas. E a Floresta Nacional de Ipanema é um ótimo espaço para isso”, afirma. Para tirar a Floresta de Ipanema da “invisibilidade”, Lima apresenta em sua tese algumas propostas, como a “Trilha Pedagógica”, elaborada como roteiro para auxiliar professores e estudantes na execução de projetos na área da educação. "Os aspectos socioambientais contidos na Floresta de Ipanema são significativos para se trabalhar dentro e fora da sala de aula", diz. Lima também apresenta a “Trilha Artística”, fruto da sua experiência com a floresta, onde desenvolveu, ao longo da última década, produções culturais conectando as áreas da educação, ecologias e arte. A partir dessa experiência a

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idea of outdoor teaching as an alternative teaching practice. This means getting students involved in real-life experiences, thus providing challenges, difficulties, the unexpected, the unusual, and instigating students to overcome their limits, which encourages creativity, imagination, inventiveness, and, above all, problem-solving skills. The Ipanema National Forest is a great place for doing all that,” she says. In order to bring the forest to light, Lima presents some proposals in her dissertation, such as the “Pedagogical Trail”, elaborated as an assistive guide to teachers and students when it comes to the execution of educational projects on site. “Social and environmental aspects of the Ipanema National Forest are significant for work both inside and outside the classroom,” she argues. Besides that, Lima presents the “Art Trail”, a result of her own experience with the forest over the


pesquisadora propôs “A Poética em uma Trilha”, que inaugura composições autorais com técnicas mistas, e que foram catalogados na própria pesquisa, pois visa mostrar a Flona por imagens. Além desses, a autora convida o público a estrear a “Trilha Criativa”, com proposições terapêuticas, e finaliza o estudo com as contribuições da Associação FlanAr. A Associação FlanAr - Arte e Meio Ambiente desenvolve projetos para disseminar o conhecimento para o público em geral, e não só o acadêmico, assessora as pessoas sobre as questões relacionadas ao meio ambiente, além de colaborar com a gestão da Unidade de Conservação Ambiental, integrando o Conselho Consultivo. “É preciso entender esse espaço como promotor de diversas atividades e usos. Por isso, desafio os professores a iniciar a reconfiguração do seu cotidiano escolar, com novas práticas. Desafio que tenham a coragem para se deslocar das cidades da Região Metropolitana de Sorocaba até a Floresta Nacional de Ipanema para uma aula inesquecível, tanto para os docentes como para os alunos”, clama Lima. Ao final da tese, a pesquisadora garante que toda proposta de reestruturação didático-pedagógica e imagética, contida em seu estudo, será organizada por ela, como roteiros, postais ou catálogos de imagens, sites ou aplicativos, que poderão ser distribuídos ou utilizados pelas Secretarias de Educação, Cultura, Turismo e Meio Ambiente dos municípios da Região Metropolitana de Sorocaba e pelo público em geral.

Com base na tese “Cartografias na Floresta Nacional de Ipanema: educação, ecologias e arte”, do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professora doutora Alda Regina Tognini Romaguera e aprovada em 18 de fevereiro de 2019.

last decade, during which she has been developing cultural productions that connect education, ecology, and art. Based on this experience, the researcher also proposed “Poetics on a Trail”, which depicts the forest through images composed through mixed techniques, cataloged as part of the research itself. In addition to these proposals, the author invites the public to take part in the “Creative Trail”, with therapeutic propositions, and concludes the study with contributions from the FlanAr Association (which develops projects to disseminate knowledge on issues related to the environment to the general audiences, not only the academic, besides integrating the Consulting Board of the Environmental Conservation Unit in charge of the forest). “One needs to understand this location as a space for different activities and uses. For this reason, I challenge teachers to start reconfiguring their school routine with new practices. I challenge them to have the courage to go to the Ipanema National Forest for an unforgettable class, both for teachers and students,” she says. The researcher guarantees that every restructuring proposal contained in her study will be organized in the form of guides, postcards, image catalogs, websites, or apps, in order to be made publicly available for proper government departments related to the promotion of Education, Culture, Tourism, and the Environment in the Metropolitan Region of Sorocaba, as well as to the general audiences.

Acesse o texto completo da pesquisa em português: Follow the link to access the full text of the original research (in Portuguese):

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: Como a Uniso transformou uma pastagem infértil num refúgio para a biodiversidade

Por/By: Guilherme Profeta Foto/Photo: Paulo Ribeiro (arquivo/archive)

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SUSTAINABLE DEVELOPMENT:

How Uniso has turned an infertile pasture into a refuge for biodiversity

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Imagem ilustrativa que representa as dimensões do câmpus a partir da delimitação aproximada das duas áreas que o compõem Illustration representing the dimensions of Uniso’s main campus, based on the approximate delimitation of the two areas that comprise it


A

inda que a Instituição em si seja mais antiga (os primeiros cursos de graduação oferecidos datam da década de 1950), a Universidade de Sorocaba (Uniso) existe oficialmente desde 15 de setembro de 1994. Foi nessa data que o Ministério da Educação aprovou a sua implantação como universidade. Naquela época, a Uniso tinha dois campi, sendo que as aulas na Cidade Universitária — o terceiro câmpus, que logo viria a ser o principal — começaram em 1999, como parte de um programa de desenvolvimento educacional que previa o oferecimento de novos cursos (atualmente, são mais de 70 programas de graduação e quatro de pós). A construção do novo câmpus aconteceu num terreno de mais de 600 mil m², que, historicamente, já havia sido utilizado como plantação de rosas e de uva, e posteriormente estava sendo utilizado como pastagem para gado. Dessa forma, como destaca o professor doutor Nobel Penteado, atual coordenador do curso de graduação em Ciências Biológicas da Uniso e também do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade, a área era fortemente antropizada, o que significa que havia sido amplamente transformada pela ação humana e que restava pouca vegetação nativa. Na época, foi ele que, na condição de biólogo, assinou o parecer ambiental para a construção do novo câmpus. “O total de área construída em relação ao terreno foi de 5% somente”, ele relembra. “Isso aconteceu numa área já degradada, assim o impacto da construção em si foi mínimo — apenas algumas poucas árvores derrubadas para viabilizar o acesso viário. Além disso, a universidade já tinha programada uma série de iniciativas ambientais para a região, como, por exemplo, o reflorestamento ciliar (ao redor dos cursos d’água), que, segundo a legislação brasileira, são consideradas Áreas de Proteção Permanente, e outro projeto que ficou conhecido como Banco de Sementes.”

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E

ven though the institution itself is older (the first undergraduate courses to be

offered date from the 1950s), the University of Sorocaba (Uniso) officially exists since September 15, 1994. It was on that date that the Brazilian Ministry of Education approved its implementation as a university. At that time, Uniso had two campuses, and classes held at the one that would soon become its main campus started in 1999, as part of an educational development program that included the offering of many new courses. Nowadays, there are more than 70 undergraduate programs, as well as four graduate programs. The construction of the new campus took place in a rural property of more than 600,000 m², which, historically, had already been used as a field for growing roses and grapes, and was later used as pasture for cattle. Therefore, as it was pointed out by professor Nobel Penteado, who is the current coordinator of Uniso’s undergraduate program in Biological Sciences, as well as the coordinator of the university’s Center for Environmental Studies, the area was heavily transformed by human activity, and little native vegetation remained. Back then, he was the one who, as a biologist, signed the environmental appraisal endorsing the construction of the new campus. “The total built area occupied only 5% of the land,” he recalls. “This took place in an area which was already pretty degraded, so the impact of the construction itself was very minimal—only a few trees were removed in order to open space for roads. In addition, the university had already programmed a series of environmental initiatives, such as the reforestation around water courses, for example, which, according to Brazilian legislation, are considered permanent protection areas, as well as another project that became known as the Seed Bank.”


Uma década depois, os professores doutores Nobel Penteado e Rogério Profeta conferem os resultados do reflorestamento A decade later, professors Nobel Penteado and Rogério Profeta check the results of the reforestation process

BANCO DE SEMENTES Ainda segundo Penteado, o Banco de Sementes foi criado em 1999, como parte de um termo de compromisso de recuperação ambiental assinado junto ao Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais. A ideia era que a chegada da Universidade significasse, também, o reflorestamento de uma área historicamente impactada pela ação humana. Um projeto de reflorestamento não se baseia simplesmente em plantar qualquer tipo de árvore, em qualquer terreno e em qualquer momento. As espécies precisam ser selecionadas de acordo

SEED BANK Also according to Penteado, the Seed Bank was created in 1999, as part of an environmental recovery commitment term signed with the State Department for the Protection of Natural Resources. Therefore, the implementation of the university would also mean the reforestation of an area that had been historically impacted by human activity.

A reforestation project does not consist in simply planting any kind of tree, on any land at any time. Species need to be selected according o the ecosystem—which, in the case of Uniso, is

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com o ecossistema — que, no caso da Uniso, é uma transição entre dois biomas, o Cerrado e a Mata Atlântica — e as sementes precisam ser devidamente preparadas e preservadas até os momentos adequados para a semeadura. Nem todas podem ser plantadas imediatamente. “As espécies florestais têm apresentado produção irregular de sementes, sendo abundante em determinado ano e escassa em outros. Portanto, o armazenamento se torna necessário para garantir a demanda anual, possibilitando o estoque para os anos de baixa produção. No caso de algumas espécies, como a

a transition between two biomes, the Brazilian

Araucaria angustifolia, por exemplo, as condições favoráveis à semeadura acontecem somente seis meses após a colheita, assim o armazenamento é fundamental”, explica Penteado.

conditions for sowing occur only six months

Região apresenta elementos do Cerrado e da Mata Atlântica O Banco de Sementes, que ainda existe hoje, engloba todas as etapas do processo de reflorestamento: da colheita à distribuição, passando pelo beneficiamento e pelo armazenamento adequado das sementes. Para tornar esse processo possível, em termos de infraestrutura, foi necessária a instalação de um galpão para beneficiamento; de um herbário (nome dado a uma coleção de plantas dissecadas para uso em pesquisas); de uma sala de armazenagem e de uma sala de germinação, ambas com temperatura e umidade controladas; 80

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tropical savanna (or Cerrado, in Portuguese), and the Atlantic Forest—, and the seeds must be properly prepared and preserved until the appropriate times for sowing. Not all of them can be planted immediately. “Forest species have shown irregular seed production, being abundant in one year and scarce in others. Therefore, storage becomes necessary in order to guarantee an annual supply, also during years when seed production drops. In the case of some species, such as the Araucaria angustifolia, for example, favorable after seeds are harvested, so storage is essential,” Penteado explains.

Region comprises elements of Brazilian tropical savannas and the Atlantic Forest The Seed Bank, which still exists to this day, comprises every stage of the reforestation process: from harvesting to the distribution, including the processing and the proper storage of seeds. To make this process possible, in terms of infrastructure, it was necessary to build a shed for processing; a herbarium (namely a collection of dissected plants to be used in research); a storage room, and a germination room, both with controlled temperature and humidity; as well as a greenhouse for the production of seedlings. These


além de uma estufa para a produção de mudas. Essas sementes e mudas vêm sendo utilizadas até hoje em projetos de reflorestamento, não só na Universidade, mas em toda a região.

seeds and seedlings have been used until today in

Inicialmente, na ocasião da construção do câmpus, foram selecionadas sementes de cerca de 30 espécies, coletadas nas poucas áreas preservadas no próprio terreno onde o câmpus estava sendo construído e também em outras localidades, não só por equipes da Uniso, mas também pela Polícia Florestal. Em maio de 2002, mais de 1.600 mudas de 23 espécies diferentes foram plantadas em diferentes pontos do câmpus, sendo que as espécies mais presentes foram a Erythrina speciosa (suinã), a Anadenantera colubrina (angico), a Colophyllum brasiliensis (guanandi), a Peltophorum dubium (canafístula) e a Coutarea hexandra (quineira).

of the campus, seeds of about 30 species were

reforestation projects, not only on campus, but all over the region. Initially, on the occasion of the construction

FLORESTAS DO FUTURO Em 2009, houve um novo plantio em massa na Cidade Universitária. Por meio de uma parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, uma organização não-governamental criada com o objetivo de defender o patrimônio natural brasileiro, mais 15 mil mudas foram plantadas em duas áreas que, juntas, compreendem 7,8 hectares (ou 78 mil m²). Nessa ocasião, foram 80 espécies diferentes, divididas em duas categorias — conforme propostas por André Gustavo Nave, em 2005, numa tese de doutorado defendida na Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) —: as espécies de preenchimento, que fornecem ampla cobertura de copa (somente 15 espécies, mas que representaram metade das mudas), e as espécies de diversidade. Dentre as espécies incluídas nessa segunda leva, as mais relevantes, segundo Penteado, são a Cedrela fissilis (cedro), a Zeyheria tuberculosa (ipêfelpudo), a Tabebuia impetiginosa (ipê-roxo), a Aspidosperma cylindrocarpon (peroba-poca), a Centrolobium tomentosum (araribá) e a Copaifera langsdorffii (óleo-de-copaíba).

selected, collected from the very few preserved areas within the property where the campus was being built, and also from other locations, not only by teams managed by Uniso, but also by forest rangers. In May 2002, more than 1,600 seedlings of 23 different species were planted at different locations on campus, the most recurrent species being Erythrina speciosa (suinã, in Portuguese), Anadenantera colubrina (angico), Colophyllum brasiliensis (guanandi), Peltophorum dubium (canafístula), and Coutarea hexandra (quineira). FORESTS OF THE FUTURE In 2009, there was another major reforestation project on campus. Through a partnership with the Fundação SOS Mata Atlântica (SOS Atlantic Forest Foundation, in English), a nongovernmental organization created with the goal of defending the Brazilian natural heritage, over 15,000 seedlings were planted in two areas that together comprise 7.8 hectares (or 78,000 m²). On that occasion, there were 80 different species, divided into two groups—categories that were proposed by researcher André Gustavo Nave, in 2005, in a dissertation defended at the School of Agriculture of the University of São Paulo (USP)—: the filling species, which provide a wide cover of treetops (only 15 species, but half of the total seedlings), and species that provide diversity. Among the species included in this second wave, the most relevant ones, according to Penteado, were Cedrela fissilis (cedro), Zeyheria tuberculosa (ipê-felpudo),

Tabebuia

impetiginosa

(ipê-

roxo), Aspidosperma cylindrocarpon (perobapoca), Centrolobium tomentosum (araribá), and Copaifera langsdorffii (óleo-de-copaíba). UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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De acordo com o projeto apresentado pela ONG na ocasião do plantio, assinado pela engenheira florestal Carolina Mathias Moreira em maio de 2009, foram duas as técnicas empregadas: a primeira, de regeneração natural, foi aplicada nas áreas em que ainda existiam estratos de vegetação nativa capazes de se autorrecuperar, enquanto a segunda, de implantação, foi empregada nas áreas que já haviam sido utilizadas como pastagens, em que já não havia qualquer possibilidade de autorrecuperação. Mais de dez anos depois, Penteado comemora que essas áreas “já se transformaram em verdadeiras florestas”, em suas palavras. CONTINUIDADE O biólogo destaca que a recuperação desses ambientes só foi possível devido a muito planejamento institucional, o qual incluiu grandes áreas de conservação e esforços de reflorestamento, que aconteceram continuamente ao longo de duas décadas — não só nos dois momentos citados anteriormente, mas em plantios diversos.

According to the project which was presented by the NGO at the time, signed by the forest engineer Carolina Mathias Moreira in May 2009, two techniques were employed: the first, oriented towards natural regeneration, was applied in areas where native vegetation still existed and was capable of self-recovery, while the second, called implantation, was applied in areas that had already been used as pastures before, and therefore were beyond any possibility of self-recovery. More than ten years later, Penteado celebrates that these areas “have already turned into real forests,” in his words. CONTINUITY The biologist points out that the recovery of these environments was only possible due to a lot of institutional planning, which included the preservation of large areas, and much effort directed towards reforestation, which happened continuously over two decades—not only during the two moments mentioned, but in different occasions.

“Hoje temos no câmpus uma verdadeira coleção de espécies arbóreas, que nos servem para fornecer sementes e para as aulas práticas”, ele conta. “A área adquirida pela Uniso teve uma expansão significativa de suas áreas florestadas. Muitas ainda estão em estágio inicial de regeneração, mas ocupam locais antes ocupados por pastagens degradadas, e isso é muito positivo. Atualmente, já se nota uma condição ambiental muito mais favorável e as principais evidências disso são as espécies animais observadas no câmpus, como a lontra e a águia cinzenta, que são espécies raras, que ocupam o topo da pirâmide alimentar. Desde 2014, com a abertura do curso de Ciências Biológicas, essas observações da fauna local são temas constantes em aulas práticas, estágios e trabalhos de conclusão de curso.”

“Nowadays we have a true collection of tree species on campus, which supply us with seeds, and can also be used in practical classes,” he says. “The property acquired by Uniso, where the campus is located, had a significant expansion when it comes to its forested areas. Many of these areas are still in the early stages of regeneration, but they occupy locations that were degraded pastures before, and this is very positive. Today, the environmental condition on site is a lot more favorable, and the main evidences we have are the animal species that can be observed on campus, such as the river otter and the gray eagle, which are rare species, that occupy the top of the food chain. Since 2014, with the launch of the Biological Sciences undergraduate program, these observations of the local fauna became quite common in practical classes, internships, and student final projects.”

Além disso, a Uniso está envolvida atualmente no processo de formação de uma Reserva

Besides that, Uniso is currently involved in the process of forming a Private Natural Heritage

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Foto/Photo: buteo (Adobe Stock) Foto/Photo: ondrejprosicky (Adobe Stock)

Presença de animais posicionados no topo da cadeia alimentar, como a águia cinzenta (acima) e a lontra (abaixo), é um ótimo sinal The occurence of animals at the top of the food chain, such as the gray eagle (above) and the river otter (below), is a great sign

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Particular do Patrimônio Natural (RPPN), a ser

Reserve (RPPN, in the Portuguese acronym),

localizada na entrada do câmpus. “Esse tipo de

to be located at the entrance to the campus area.

unidade de conservação não é governamental,

“This type of conservation unit is not maintained

e é o proprietário da área o responsável por sua

by the government, and the owner of the property

conservação”, explica Penteado. “Visto que

is responsible for its conservation,” Penteado

o estado brasileiro é carente de recursos, as

explains. “Since the Brazilian state is in need of

unidades de conservação particulares são uma boa

resources, private conservation units are a good

alternativa para a conservação da biodiversidade.

alternative for the conservation of biodiversity.

Para a Uniso, que sempre priorizou as questões

For

ambientais em suas atividades, essa é mais uma

environmental issues in its activities, this is

oportunidade de contribuir para a conservação,

another opportunity to contribute to conservation,

fomentar estudos na área ambiental e servir de

fostering environmental studies, and serving as an

exemplo a outras instituições.”

example to other institutions.”

Uniso,

which

has

always

prioritized

Para o professor doutor Rogério Augusto

According to professor Rogério Augusto

Profeta, que esteve à frente da Fundação Dom

Profeta, who was in charge of the foundation which

Aguirre, a mantenedora da Uniso, de 2008 a

maintains Uniso for ten years, from 2008 to 2018,

2018, e é o atual Reitor da Universidade, os

and is the current rector of the university, investing

investimentos em meio ambiente são diferentes

on the environment is different than other financial

de qualquer outro investimento financeiro. “Essa

investments. “This difference exists, in the first

diferença existe, em primeiro lugar, porque o

place, because the return of this kind of investment

retorno desse tipo de investimento pode ser de

can be difficult to measure,” he says. “On the other

difícil mensuração”, ele diz. “Por outro lado, pode

hand, it can provide us with a constant return, and

ser um retorno constante, podendo até mesmo durar

can even last ‘forever’, if this perspective becomes

‘para sempre’, se essa perspectiva estiver incluída

part of the organization’s vision. That is exactly

na visão da organização. E é exatamente esse o

the case with Uniso; we know that investing on

caso da Uniso; nós sabemos que os investimentos

the environment is important, not only for the

em ações de cunho ambiental são importantes,

environment itself, but also because environmental

não só pelo meio ambiente em si, mas também

education is one of our responsibilities as a university.

porque a educação ambiental é uma das nossas

It is not just a matter of complying with the law, it is a

responsabilidades como universidade. Não é uma

moral obligation above everything else.”

mera questão de cumprir com a legislação, é acima de tudo uma obrigação moral.”

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Foto/Photo: Mônica Ribeiro

Tronco da paineira-rosa (Ceiba speciosa), no Núcleo de Estudos Ambientais da Uniso The tree trunk of a paineira-rosa (Ceiba speciosa), at Uniso's Center for Environmental Studies UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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MEGAFAUNA NO CÂMPUS:

Uma viagem ao passado pré-histórico do estado de São Paulo

Por/By: Guilherme Profeta Ilustração/Illustration: Felipe A. Elias (PaleoZoo Brazil)

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MEGAFAUNA ON CAMPUS:

Fotos/photos: José Neto (arquivo/archive); edição por/edited by Daniele da Silva Coimbra

A trip to the prehistoric past of the state of São Paulo

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N

a edição passada da revista Uniso Ciência (dez./2020), você viajou ao distante período Cretáceo, o fim da grande era dos dinossauros. Nós descobrimos que, há 65 milhões de anos, o clima na região do estado de São Paulo deveria ser quente e seco, de modo que é bastante provável que a paisagem fosse árida, inadequada para sustentar uma população significativa de animais de grande porte — em vez deles, você encontraria uma variedade de crocodilos terrestres. Mas isso não quer dizer que os grandes dinossauros não marcaram presença por aqui de vez em quando; provavelmente eles passavam pela região da Uniso durante as migrações, acompanhando a variação das estações. Isso incluía bestas herbívoras monumentais, como o Austroposeidon magnificus, além de carnívoros como os abelissauros (semelhantes a tiranossauros) e os megarraptores, cujas ilustrações você pode conferir na edição anterior. O paleontólogo e paleoartista paulistano Felipe Alves Elias, membro da Divisão de Difusão Cultural do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) desde 2011 e autor das ilustrações incluídas nesta reportagem, explica que, durante os mais de 40 milhões de anos seguintes, houve a grande extinção dos dinossauros — provavelmente devido ao impacto de um grande meteoro — e o mundo passou por mudanças ambientais importantes. “Quando os ecossistemas se recuperaram”, ele conta, “o clima, que era majoritariamente árido, começou a dar lugar a um clima ainda muito quente, porém muito mais úmido. No mundo todo, houve a proliferação de formações florestais e, nessa época, a fauna passou a ser composta por animais que estavam começando a ocupar os nichos que foram deixados vazios pelos dinossauros. Houve, principalmente, uma diversificação dos mamíferos, que já existiam junto aos dinossauros, mas que ainda eram animais de pequeno porte, mais generalistas. Em vez disso, eles começaram a evoluir para ocupar o lugar que os dinossauros deixaram. O mesmo aconteceu com as aves. E, depois disso, o clima ainda continuou 88

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I

n the last issue of the Science @ Uniso magazine (Dec./2020), you embarked on a travel to the distant Cretaceous period, the end of the great era of dinosaurs. We discovered that, 65 million years ago, the climate in the region of the state of São Paulo was probably hot and dry, so it is very likely that the environment was arid, not very suitable to support a significant population of large animals—instead, you would find a variety of terrestrial crocodiles. But that does not mean that the great dinosaurs would not show up from time to time around the region where the campus is located nowadays; they probably used to wander through the area as seasons changed, during their migrations. This included monumental herbivorous beasts such as Austroposeidon magnificus, as well as carnivores such as abelisaurs (similar to the tyrannosaurs), and also megarraptors, whose depictions you can check in the previous issue of the magazine. Felipe Alves Elias is a paleontologist and paleoartist from São Paulo, who is also a member of the Division of Cultural Diffusion at the Museum of Zoology of the University of São Paulo (USP) since 2011, and the author of the illustrations included in this story. He explains that, throughout the next 40 million years that followed, there was the great extinction of the dinosaurs— probably due to the impact of a large meteor— and the world went through some important environmental changes. “When the ecosystems finally recovered,” he says, “the climate, which was mostly arid, started changing to a climate that was still very hot, but much more humid. All over the world, there was a proliferation of forests and, at that time, the fauna started to be composed of animals that were gradually occupying the niches that were left empty by the dinosaurs. There was mainly a diversification of mammals, which already existed among dinosaurs, but were still small, and more generalists. They began to evolve in order to occupy the place dinosaurs have left


predominantemente quente, mas nós começamos a ter algumas variações no nível de umidade, então nós ainda tínhamos áreas úmidas, com grandes florestas, mas também passamos a ter períodos de estiagem. A paisagem assim mudou, dando lugar aos capinzais, cobertos de gramíneas.”

vacant. The same happened with birds. And after that, the climate was still predominantly hot, but there was some variation in the humidity level, so there were humid areas, with large forests, but also periods of drought. So the environment changed again, and grasslands were formed.”

O pesquisador conta que, infelizmente, não existem muitos registros fósseis desses períodos no estado de São Paulo, então os cientistas precisam recorrer aos registros de estados vizinhos, como o Rio de Janeiro, para ter uma ideia do que existia por aqui. Num primeiro momento, tudo indica que a fauna local era rica em marsupiais (parecidos como os gambás contemporâneos), aves predadoras de pequeno porte (parecidas com as seriemas), serpentes, anfíbios, rãs, tartarugas e crocodilos terrestres. Depois, com a sazonalidade entre os períodos úmidos e secos, passaram a predominar as aves terrestres e os marsupiais, além das primeiras formas de tatus. Elias destaca que houve um período em que a América do Sul ficou isolada de qualquer outra massa continental, o que fez com que a fauna evoluísse de maneira independente, dando origem a animais como os tatus, os tamanduás e as preguiças, que são um grupo típico da América do Sul. Posteriormente, quando houve a formação de uma “ponte de terra” (ou o que chamamos de América Central), esses animais puderam migrar para o hemisfério Norte e outras espécies foram introduzidas na nossa região, como os famosos tigres-dentes-de-sabre.

The researcher says that, unfortunately, there are not many fossil records from these periods in

Nesta edição, nós continuamos o nosso passeio através do tempo, para conhecer mais alguns dos animais que possivelmente viveram na região onde hoje está localizada a Universidade de Sorocaba (Uniso). Nosso programa começa no fim do Paleogeno (65 a 23 milhões de anos atrás, aproximadamente), especialmente para conhecermos uma velha ancestral da seriema, a querida mascote da Uniso. Aperte o cinto e faça uma boa viagem — mas tome todo o cuidado; as coisas podiam ser um pouquinho mais perigosas há alguns milhões de anos.

the state of São Paulo, so scientists need to rely on the records of nearby states, such as Rio de Janeiro, in order to get an idea of what existed here. Everything indicates that the local fauna was rich in marsupials (similar to contemporary possums), small predatory birds (similar to the Brazilian seriemas), snakes, amphibians, frogs, tortoises, and terrestrial crocodiles. After that, when the weather started alternating between wet and dry periods, terrestrial birds and marsupials predominated, in addition to the first forms of armadillos. Elias points out that there was a period during which South America was isolated from any other continental mass, which caused the fauna to evolve independently, thus originating animals such as armadillos, anteaters, and sloths, which are typical of South America. Later on, a “land bridge” (or what we call Central America) was formed, so these animals were able to migrate to the Northern hemisphere, and other species were introduced in our region, such as the famous saber-toothed tigers. In this issue, we continue our trip through time, in order to discover more about the wildlife that most likely lived in the region where Uniso is located today. Our tour starts at the end of the Paleogene (65 to 23 million years ago, approximately), especially to meet an old ancestor of the seriema, the beloved mascot of Uniso. Fasten your seat belt and have a good trip—be careful though; things could have been a bit more dangerous a few million years ago.

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22 MILHÕES DE ANOS ATRÁS (TRANSIÇÃO ENTRE O PALEOGENO E O NEOGENO) Nesse período, o clima voltou a ser seco, mas não tão seco quanto na época dos grandes dinossauros, e as florestas úmidas deram lugar a pradarias abertas, como grandes savanas cobertas por gramíneas, as quais viriam a ser mais próprias para o desenvolvimento de grandes mamíferos. Elias diz que os registros fósseis mais relevantes desse período foram encontrados no Vale do Paraíba, na região de Taubaté, a cerca de 230 km de Sorocaba. “Essa região é uma grande depressão tectônica, que se formou durante a separação entre a América do Sul e a África. Após sua formação, a depressão passou a acumular sedimentos, o que explica os fósseis encontrados na região”, explica o paleontólogo. São esses fósseis que podem oferecer uma ideia de que tipos de seres vivos habitavam o interior de São Paulo. O grande destaque é a Paraphysornis brasiliensis, uma parente ancestral das seriemas, do grupo das “aves do terror”, nome dado a uma grande família de gigantescas aves carnívoras pré-históricas. Tal qual a seriema contemporânea, a Paraphysornis era uma predadora, mas você provavelmente não iria gostar de dar de cara com ela por aí; ela atingia quase 2m de altura e, com seu bico pesado, certamente poderia causar grandes danos a um mamífero desavisado. Além da Paraphysornis, Elias destaca que um viajante do tempo também poderia se deparar com animais semelhantes aos existentes hoje, como flamingos, urubus e morcegos ancestrais, incluindo o Mormopterus faustoi, o mais antigo morcego já descoberto no Brasil. Como esses são animais de constituição frágil, seus fósseis são especialmente raros.

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Paraphysornis brasiliensis (1), uma seriema predadora maior do que um ser humano médio e ancestral da mascote da Uniso 1

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Paraphysornis brasiliensis (1), a predator seriema that was larger than a typical human, and is an ancestor of the mascot of Uniso


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Agnopterus sicki (2) e Brasilogyps faustoi (3), semelhantes aos flamingos e aos urubus contemporâneos, respectivamente Agnopterus sicki (2) and Brasilogyps faustoi (3), similar to contemporary flamingos and vultures, respectively A Hoazinavis lacustris (4) é um exemplar antigo de ave cigana, um tipo de ave que hoje está restrito à região Norte da América do Sul, longe, portanto, do estado de São Paulo A Hoazinavis lacustris (4) is an ancient kind of hoatzin, a bird that is restricted to the Northern portion of South America nowadays, far away from the state of São Paulo

Mormopterus faustoi (5), o mais antigo morcego já encontrado no Brasil Mormopterus faustoi (5), the oldest bat ever found in Brazil 2

22 MILLION YEARS AGO (TRANSITION BETWEEN PALEOGENE AND NEOGENE)

During this period, the climate was dry once again, but not as dry as it was at the time of the great dinosaurs, and the humid forests turned into open prairies, or large grass-covered savannas, which were more suitable for the development of large mammals. Elias points out that the most relevant fossil records from that period were found in the Paraíba Valley, in the region of Taubaté, about 230 km away from the city of Sorocaba. “This region is a large graben (a depression with escarpments on the sides), which was formed during the separation between South America and Africa. After its formation, sediments started to accumulate, which explains the fossils found in the region,” the paleontologist says. These are the fossils that offer a general idea of what were the living beings that used to inhabit the countryside of São Paulo. The bigshot is the Paraphysornis brasiliensis, a “terror bird”, which is the name given to a large family of gigantic prehistoric carnivorous birds. It is also an ancestral of the Brazilian seriemas (Cariama cristata). Like the contemporary seriema, the Paraphysornis was a predator, but you probably would not want to run into it; it reached almost 2m (over 6 feet) in height, and, considering its heavy beak, it was most certainly able of causing great damage to wandering mammals. In addition to the Paraphysornis, Elias tells that a time traveler could also run into animals that were similar to those that exist today, such as flamingos, vultures, and ancient bats, including the Mormopterus faustoi, the oldest bat ever discovered in Brazil. Since these are very fragile animals, their fossils are especially rare.

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2,5 MILHÕES DE ANOS A 5 MIL ANOS ATRÁS (PERÍODO QUATERNÁRIO) O Período Quaternário teve início há 2,5 milhões de anos e se estende até o presente. Durante esse período, houve vários períodos glaciais — as chamadas Eras do Gelo —, mas, no Brasil (incluindo o interior de São Paulo), não houve gelo de fato, ainda que a temperatura média tenha caído. “O que aconteceu nesses períodos mais frios foi uma queda na umidade do ar, restringindo ainda mais a distribuição das florestas úmidas e fazendo com que paisagens como o cerrado proliferassem. São Paulo fazia parte desse contexto, com uma Mata Atlântica bastante tímida e a maior parte da área ocupada por cerrado. Esses ambientes eram propícios para a megafauna, nome dado aos mamíferos de grandes proporções que se adaptaram a essas condições ambientais”, explica Elias. Nesses ambientes seria possível encontrar os famosos tigres-dentes-de-sabre, felinos maiores do que os tigres e os leões, seus parentes contemporâneos. A principal característica desses animais eram os dentes caninos gigantescos, muito provavelmente usados para caçar grandes herbívoros, como as preguiças gigantes, que podiam chegar a pesar seis toneladas, e os mastodontes.

Há registros de tigres-dentes-de-sabre em todo o continente americano, do Sul ao Norte, mas o Smilodon populator (6) é exclusivo da América do Sul There are records of saber-toothed tigers all over the American continent, from North to South, but the Smilodon populator (6) is unique to South America 6

Por falar em mastodontes, os grandes elefantes das eras glaciais, é bastante provável que os exemplares brasileiros não tivessem a tradicional cobertura de pelos, como as espécies do hemisfério Norte. “O mais provável é que sua pele fosse nua, com uma pelagem rala, assim como a dos elefantes atuais, uma vez que o clima e o ambiente eram muito semelhantes aos que temos hoje”, diz Elias. Além desses animais, havia tatus gigantes do tamanho de Fuscas, que, de tão grandes, nem mesmo os tigres-dentes-de-sabre seriam capazes de predar. Havia também animais semelhantes aos atuais rinocerontes, mas sem os chifres, chamados Toxodon platensis, uma espécie exclusiva da América do Sul. “Essa foi a espécie de megamamífero mais comum por aqui e uma das que sobreviveu por mais tempo. Alguns fósseis sugerem que a espécie permaneceu no estado de São Paulo até cerca de 5 mil anos atrás, quando a maior parte da megafauna já havia desaparecido. Alguns ossos mostram, inclusive, marcas de interação humana”, destaca o palentólogo.

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Stegomastodon waringi (7), o mastodonte da América do Sul Stegomastodon waringi (7), the mastodon of South America 7

Pesando até seis toneladas, a Eremotherium laurillardi (8) foi a maior das preguiças terrestres e podia ser encontrada em quase todos os estados brasileiros, além de outras regiões das Américas, até o Sul dos Estados Unidos Weighing up to six tons, Eremotherium laurillardi (8) was the largest terrestrial sloth, and could be found in almost every Brazilian state, in addition to other regions of the Americas, even in the South of the United States 8

Havia também preguiças “menores” na região: a Iporangabradys collecti (9) (do tamanho de uma vaca) e a Nothrotherium maquinense (10) (do tamanho de uma ovelha), que provavelmente conseguia até mesmo subir em árvores There were also “smaller” sloths in the region: Iporangabradys collecti (9) (the size of a cow) and Nothrotherium maquinense (10) (about the size of a sheep), which probably could even climb trees

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2.5 MILLION YEARS TO 5,000 YEARS AGO (QUATERNARY PERIOD) The Quaternary Period began 2.5 million years ago, and extends to the present day. During this period, there were several glacial periods—the so-called Ice Ages—, but in Brazil (including the region of São Paulo), there was no actual ice, even though the average temperature dropped. “What did happen during these colder periods was a drop in air humidity, further restricting the distribution of rainforests and causing environments like the Brazilian savannas to proliferate. São Paulo was part of that context, with a very modest Atlantic Forest, and most of the area occupied by grasslands. These environments were favorable to the development of megafauna, the name given to a group of large mammals that have adapted to these environmental conditions,” Elias explains. In these environments it would be possible to find the famous saber-toothed tigers, felines that were bigger than tigers and lions, their contemporary relatives. The main feature of these animals was the giant canine teeth, most likely used to hunt large herbivores, such as giant sloths, which could weigh six tons, and mastodons. Speaking of mastodons, the great elephants of the Ice Ages, it is very likely that the Brazilian specimens did not have the traditional coat of fur, as the species of the Northern hemisphere. “Their skin was most likely bare, with a thin coat of fur, just like contemporary elephants, since the climate and environment were very similar to those we have today,” Elias says. In addition to these animals, there were giant armadillos that would grow to the size of small cars, which were so big that not even saber-toothed tigers would be able to hunt. There were also animals similar to the current rhinos, but without the horns, called Toxodon platensis, a species exclusive to South America. Some fossils suggest that this species was still in the state of São Paulo until about 5,000 years ago, when most of the megafauna had already disappeared. Some bones even show signs of human interaction,” the paleontologist highlights.

O Glyptodon clavipes (11) era um gliptodonte, um tatu tão grande quanto um Fusca, coberto por uma pesada carapaça protetora The Glyptodon clavipes (11) was a glyptodon, an armadillo as big as a Volkswagen Beetle, covered by a heavy protective shell

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O Toxodon platensis (12) habitou a região até 5 mil anos atrás, mesmo depois que a maior parte da megafauna já havia sido extinta The Toxodon platensis (12) inhabited the region until 5,000 years ago, even after most of the megafauna had already been extinct 12 94

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Desmodus draculae (13), um tipo de morcego vampiro consideravelmente maior do que as espécies contemporâneas, que provavelmente se alimentava do sangue dos megamamíferos Desmodus draculae (13), a type of vampire bat considerably larger than contemporary species, which probably fed on the blood of megamammals 13

ONDE FOI PARAR A MEGAFAUNA? O clima planetário segue padrões intercalados de frio e calor. Há 12 mil anos — quando o ser humano já habitava a América do Sul —, a última Era do Gelo chegava ao fim, o que significou um aumento considerável na temperatura média no planeta. Mais uma vez, o clima no Brasil se tornou quente e úmido, o que fez com que a Mata Atlântica voltasse a ocupar o espaço do cerrado, que era o ecossistema típico da megafauna brasileira. É bastante provável que esse tenha sido o motivo da extinção desses animais, mas não há um consenso entre os autores. Alguns defendem que os culpados, ao menos em parte, foram os nossos ancestrais. Elias explica: “Hoje, na Paleontologia, existe uma visão bastante disseminada de que o processo de extinção da megafauna se deu em momentos distintos, devido a causas distintas, diferentemente da extinção dos dinossauros. Em alguns desses casos, parece mais consolidada a hipótese da participação humana nessa extinção. O exemplo do que aconteceu na Austrália é bastante interessante, pois, quando a gente olha o registro da existência da megafauna antes e após a introdução das populações humanas naquela região, de fato percebemos uma queda muito significativa na diversidade desse registro, então

WHERE DID THE MAGAFAUNA GO? The planetary climate follows intercalated patterns of cold and heat. 12,000 years ago—when humans already inhabited South America—the last Ice Age came to an end, which means there was a considerable increase in the average temperature on the planet. Once again, the climate in Brazil became hot and humid, which made the Atlantic Forest take over the space of the grasslands, the typical ecosystem of the Brazilian megafauna. It is very likely that this was the reason for the extinction of these animals, but authors do not agree about that. Some argue that the ones to blame, at least in part, were our ancestors. Elias explains: “Nowadays, in Paleontology, there is a widespread view that the process of extinction of the megafauna took place at different times, due to different causes, differently from the extinction of the dinosaurs. In some of these cases, the hypothesis of human participation in the extinction process seems to be more consolidated. The example of what happened in Australia is quite interesting, because when we look at the records of megafauna before and after the introduction of human populations in that region, we do notice a very significant drop in the diversity of records, so

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há um forte indício de que as populações humanas contribuíram de forma bastante participativa. Mas, em outras partes do mundo, essa questão não está muito clara, até porque nós temos situações em que a megafauna ficou preservada em algumas regiões, mesmo com uma presença humana muito longa, como é o caso do continente africano, que até hoje preserva a sua megafauna.” O paleontólogo conta que, no caso da América do Sul, a questão é mais complexa. Alguns autores defendem que foi a mudança na vegetação típica da região o grande fator motivador para a extinção da megafauna. Geralmente, quando há uma mudança brusca nas condições ambientais, são as espécies mais especializadas as primeiras a desaparecer, enquanto as espécies mais generalistas (inclusive animais da nossa fauna que ainda existem hoje) têm mais chance de sobreviver nesses períodos de transição. Mas é possível que tenha havido uma combinação desses dois fatores, mudanças climáticas e ação humana, até mesmo pelo que apontam os registros fósseis no caso do Toxodon platensis. Serve de alerta, de qualquer maneira, para a necessidade de preservação das espécies contemporâneas.

there is a strong indication that human populations have contributed considerably. But, in other parts of the world, this relation is not very clear. We even have regions where the megafauna has been preserved despite a very long human presence, as is the case of the African continent, which still preserves its megafauna to this day.” When it comes to South America, the paleontologist explains that the whole issue is more complex. Some authors argue that the change in the region’s typical vegetation was the major factor for the extinction of the megafauna. Usually, when there is a sudden change in environmental conditions, the most specialized species are the first to disappear, while the most generalist species (including animals of the fauna that still exist today) are more likely to survive in these transition periods. It is possible, however, that there was a combination of these two factors, climate change and human action, as indicated by the fossil records in the case of Toxodon platensis. It does serve as an alert to the need to preserve contemporary species, after all.

O conjunto de ilustrações contido nesta reportagem é de autoria do paleoartista Felipe A. Elias e teve sua publicação autorizada como parte do projeto Uniso Ciência. A maioria dessas ilustrações pode ser apreciada no site PaleoZoo Brazil (https://www.paleozoobr.com/), o qual você pode acessar seguindo o link pelo QR code ao lado. All the illustrations included in this story were produced by the paleoartist Felipe A. Elias, who authorized their publication as part of the Science @ Uniso project. Most of these illustrations can be found on the PaleoZoo Brazil website (https://www.paleozoobr.com/), which you can visit by following the link on the QR code to your right.

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Foto/Photo: Fernando Gonçalves Rezende

Anu-Branco (Guira guira), uma das muitas espécies de pássaros presentes no câmpus Anu-Branco (Guira guira), one of the many species of birds that can be found on campus UNISO CIÊNCIA • SCIENCE @ UNISO

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Foto/Photo: Fernando Gonçalves Rezende


“Ser uma Universidade Comunitária que, por meio da integração do ensino, da pesquisa e da extensão, produza conhecimentos e forme profissionais, em Sorocaba e região, para serem agentes de mudanças sociais, à luz de princípios cristãos.” “To be a Community University that, through the integration of teaching, research, and outreach, will produce knowledge, educating and empowering professionals in Sorocaba and its region to be agents of social changes in the light of Christian principles.” 100

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