CONFLITO NO LESTE EUROPEU

Ucrânia denuncia que porões no país foram transformados em locais de tortura

Autoridades de Kiev afirmam que forças russas sequestraram cerca de 600 civis e militares da cidade de Kherson, no sul do país, e os mantêm em condições desumanas. Representante de Zelensky fala ao Correio e detalha abusos contra prisioneiros

Rodrigo Craveiro
postado em 08/06/2022 06:00
 (crédito: Aris Messinis/AFP)
(crédito: Aris Messinis/AFP)

Prédios e escolas da cidade de Kherson, no sul da Ucrânia, foram transformados em locais de tortura. Ali dentro, pelo menos 600 ucranianos são mantidos em condições desumanas pelas tropas da Rússia e submetidos a castigos com "equipamentos". 

"Essas pessoas estão detidas em muitos locais, como nos porões do centro de detenção provisória nº 90, do Serviço de Seguraça da Ucrânia, do prédio da Administração Estadual Regional de Kherson, na cidade de Nova Khakhova, e do departamento da polícia, na mesma cidade. O mesmo ocorre em Kalanchak e em centros recreativos às margens do Rio Dnipro, onde o Exército russo montou base", afirmou ao Correio Tamila Tasheva, representante permanente do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na República Autônoma da Crimeia. Até 24 de fevereiro, início da invasão russa à Ucrânia, ela visitava Kherson pelo menos uma vez por mês. 

De acordo com Tasheva, autoridades da ocupação russa transformaram salas da Escola nº 17 — em Henichesk, a 208km de Kherson — para a realização de tortura e para abrigar reféns. "Algumas pessoas estão sendo forçosamente transportadas para a Crimeia. Também obtivemos a informação de que um dos blocos do Sizo, o centro de detenção de Simferopol (capital da Crimeia), foi desativado e fechado ao público. Lá dentro, os russos mantêm civis e prisioneiros de guerra", comentou.

Tasheva explicou que alguns cidadãos são colocados em portões por até dois dias para "fins profiláticos". "É um prazo durante o qual eles recebem certas informações sobre outros prisioneiros torturados ali. Essa 'divulgação controlada' é exercida pelas autoridades da ocupação para intimidar outros ativistas pró-Ucrânia que, sob detenção, concordariam imediatamente em cooperar", acrescentou Tamila. Ela assegurou que as informações são "verificadas", apesar da dificuldade para obtê-las, mesmo por parte de advogados independentes. 

"Nós recebemos denúncias sobre a existência de 600 pessoas nesses porões. Os dados nos foram fornecidos por familiares ou por representantes de associações públicas, mas os números podem ser bem maiores", disse a representante de Zelensky na Crimeia.

"São civis e militares, mantidos sob condições terríveis, em salas não adaptadas para abrigo. Também sofrem torturas frequentes. Ninguém tem a permissão para vê-los e eles são impedidos de revelar aos familiares o seu paradeiro. Além disso, não têm acesso a cuidados médicos", acrescentou. 

Ainda segundo Tasheva, nos territórios recém-ocupados pela Rússia, as tropas usam os mesmos métodos empregados durante a anexação da Crimeia, porém, em um ritmo mais acelerado. "Entre os 600 prisioneiros, há ativistas que organizaram ou participaram de manifestações contra a ocupação nas últimas semanas, mas também representantes do povo tártado da Crimeia e ex-soldados que combaterem no leste da Ucrânia, autoridades de governos locais e familiares que se se recusaram a colaborar com as forças de ocupação", comentou.

Ela citou o caso dos irmãos Edem e Refat Asanov, sequestrados há 36 dias pelos soldados no vilarejo de Schastlyvtseve, na região de Kherson. "Em 13 de maio, também em Kherson, Iryna Gorobtsova sumiu de casa, depois de usar as redes sociais para condenar a invasão. Foi sequestrada no dia do aniversário. Desde então, a família não teve contato com Iryna. O Exército russo alegou falsamente que ela confessou ter ajudado as Forças Armadas da Ucrânia a atacarem russos no campo de pouso de Chernobayivka", relatou Tasheva. 

Diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Peter Zalmayev afirmou à reportagem que a notícia sobre câmaras de tortura em Kherson não lhe causou surpresa. "No início da guerra, em 2014, quando a Crimeia foi anexada, a Rússia torturou cidadãos em minha terra natal, Donetsk, na região do Donbass (leste). "Eu conheço várias pessoas que sofreram tortura, algumas delas são artistas bem conhecidos. Era uma forma de castigo por criarem arte de protesto contra a ocupação." 

Severodonetsk

A Rússia anunciou que controla todas as áreas residenciais de Severodonetsk, cidade estratégica no leste do Donbass. "As zonas residenciais de Severodonetsk foram libertadas por completo", afirmou Serguei Shoigu, ministro da Defesa russo, em pronunciamento na televisão. Ele explicou que as tropas tentam controlar "a zona industrial e as localidades vizinhas".

Por sua vez, Zelensky admitiu que soldados ucranianos estavam em "menor número" e que os russos eram "mais fortes". O presidente classificou Severodonetsk e Lysychansk como "cidades mortas", devastadas pelos bombardeios, e não descartou a retirada de tropas da região. 

 


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Duas perguntas para...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Tamila Tasheva, representante permanente do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na República Autônoma da Crimeia

Que tipos de equipamentos associados à tortura foram reportados nos porões de prédios da região de Kherson?

Em primeiro lugar, as condições de detenção, por si mesmas, podem ser equiparadas à tortura. Ao mesmo tempo, o Exército russo e as forças de segurança de Moscou usam corrente elétrica, passada através do corpo das vítimas, a fim de causar-lhes uma dor insuportável. Elas também são espancadas com crueldade. Sacos plásticos são colocados sobre a cabeça dos prisioneiros, a fim de fazer com que sufoquem. Isso é repetido de modo regular. Não podemos chamar isso de outra coisa que não seja tortura. 

De que maneira os soldados russos preparam essas "câmaras de tortura"?

Para a privação de liberdade e a tortura, as autoridades de ocupação separam prédios inteiros e alocam equipes que se engajam nisso. Todos os locais onde as pessoas estão presas são geograficamente distantes uns dos outros. Isso para que tal atitude não seja interpretada como "excesso militar". Trata-se de uma política planejada da Federação Russa, a qual visa ao genocídio do povo ucraniano. Por meio da tortura e da intimidação, tentam suprimir quaisquer protestos, e sistematicamente "russificam" a população local, transformando os cidadãos em "russos". (RC)

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