• Kellen Rodrigues
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Irmã Isolene, diretora geral do Hospital São José (Foto: Divulgação)

Irmã Isolene, diretora geral do Hospital São José (Foto: Katia Farias / Divulgação)

Quando o relógio marca seis e meia da manhã Irmã Isolene Lofi já está pronta para sua primeira atividade do dia - a oração em conjunto com suas companheiras da Congregação das Irmãs Escolares de Nossa Senhora. Após a missa, é hora do café da manhã, também coletivo. Às oito, já com crachá a postos, a religiosa inicia sua jornada de trabalho. Ela dirige o Hospital São José, em Criciúma, o maior da região sul de Santa Catarina.

A rotina delas e das outras 12 irmãs que atuam na instituição, mudou de março para cá com a pandemia de coronavírus no Brasil. O primeiro desafio, ela conta, foi garantir os equipamentos de proteção individual (EPIs) para os cerca de 1400 funcionários e 250 médicos, e organizar a estrutura para receber os pacientes de Covid-19, sem deixar de dar suporte aos que procuram atendimento com outras demandas.

“A rotina mudou bastante, as reuniões são todas voltadas para essa situação. Mudou a forma de contato, agora falo com a equipe diretiva e com os gerentes por videoconferência ou email”, diz ela à Marie Claire. 

Aos 60 anos, integrante do grupo de risco, Irmã Isolene não deixou de caminhar pelos corredores da instituição. “Eu vou nos setores, procuro trazer presente o cuidado, eles precisam cuidar e serem cuidados”, pontua, referindo-se aos colaboradores. “Não tenho medo disso, mas a gente tem que ser prudente. É importante seguir as orientações, usar todos os EPIs disponíveis e garantir que ninguém deixe de usar”.

Em meio à pandemia de coronavírus, no entanto, algumas irmãs mais idosas precisaram se afastar do hospital. “Ficamos em sete, até por orientação médica. Tem irmã que é enfermeira e, como às vezes a doença é assintomática, podia trazer para elas. Estou tranquila aqui junto com as que ficaram”, afirma a diretora.

“No início o que a gente percebeu um pouco de insegurança, quando estávamos nos preparando para começar o atendimento, até dos próprios funcionários, o quanto poderia ser grave para cada um, como poderiam ser afetados. Com o passar do tempo o pessoal foi vendo com mais tranquilidade as situações”, conta Irmã Ana Helena Rockembach,
coordenadora do pronto-atendimento.

A pandemia também trouxe mudanças em seu setor e no pronto-socorro, coordenado com a enfermeira Camila Inácio Padilha. “A entrada de pacientes mudou um pouco, o fluxo era bastante intenso e diminuiu. Temos uma salinha de isolamento no pronto-socorro onde a pessoa passa por enfermeiros e técnicos e o médico avalia e pede exames. A gente adaptou para atender os casos de corona sem afetar os outros pacientes”, conta a religiosa, de 57 anos.

Nesta quinta-feira, 14, o hospital tem seis pacientes na UTI Covid-19, sendo cinco casos confirmados. Outras 16 pessoas com sintomas da doença estão internados na instituição, duas deles já com testes positivos. Segundo dados da prefeitura de Criciúma, a cidade tinha até o dia 12 de maio 236 casos confirmados.

Irmãs Ana Helena, Terezinha e Isolene (Foto: Katia Farias / Divulgação)

Irmãs Ana Helena, Terezinha e Isolene (Foto: Katia Farias / Divulgação)

Equilibrar as finanças é desafio

Para a Irmã Terezinha Buss, vice-diretora do hospital, equilibrar as finanças têm sido um desafio. Sem a realização de cirurgias e com a queda nos atendimentos, sobretudo por convênios particulares, o hospital tem hoje menos de 50% de ocupação. Uma queda também em metade da receita. Os custos fixos, porém, seguem os mesmos, enquanto os variáveis cresceram com a compra de aparatos para o combate à doença.

"A pandemia mudou tudo em 360 graus. O hospital está basicamente voltado ao corona, com bem menos atendimentos. Antes era uma rotina normal, hoje tem que se preocupar com EPIs, com a pessoa se ela está bem, com o doente que chega, e uma grande preocupação com a sustentabilidade econômica financeira do hospital”, desabafa.

"O mais difícil é quando tem que demitir alguém por não ter condição financeira de manter essa pessoa no teu quadro. Anos atrás, com uma dor muito grande, isso aconteceu. Eu só peço a Deus que a gente consiga dar a voltar por cima sem ter que tomar uma atitude drástica e dolorosa como essa”, diz a Irmã.

A entidade tem feito campanhas para arrecadar doações e tem contado com a solidariedade da população e de empresas. “Várias pessoas doam EPIs, outras doam em recursos. Isso tem nos animado. A gente não está sozinha nessa missão”.

Sem abandonar o barco

Apesar dos desafios e de também fazer parte do grupo de risco - com seus 66 anos - Irmã Terezinha não pensa em abandonar o posto. "Não passou pela minha cabeça. Senti que era o momento que o hospital mais precisava de mim", explica. "Nossa casa é dentro do hospital, venho da minha casa para o meu setor de trabalho. Neste momento não andado pelo hospital, como gosto de fazer, por estar ciente que faço parte do grupo de risco, mas tenho plena confiança que nada vai acontecer, Deus vai me proteger".

O mesmo pensamento compartilha Irmã Isolene. A diretora havia acabado de viajar de férias para a casa da família no município de Palhoça, também em Santa Catarina, quando o governo anunciou medidas de isolamento. "Fiquei muito preocupada. 'Meu Deus, por que eu não estou lá para ajudar?' Mas em nenhum momento pensei em sair, o contrário, é o momento de estar empenhada ajudando, ouvindo, motivando os colaboradores também. Não vamos abandonar o barco", afirma.

"Muitas pessoas questionaram por causa da minha idade, mas nunca pensei em me retirar do hospital nessa situação. Faço todos os cuidados possíveis, às vezes a gente fica até meio neurótica na residência (risos). Tiro o calçado antes de entrar, troco toda a minha roupa, tomo banho, faço a limpeza com álcool em todos os meus materiais, no crachá, na chave, em tudo", conta Irmã Ana Helena.

Assim como milhões de pessoas mundo afora, poder abraçar é algo que as Irmãs mais sentem falta. "Sou uma pessoa bastante afetiva, tenho muito esse contato próximo com as pessoas, sinto necessidade de uma forma de demonstrar carinho", conta Ana Helena. "Mas gente sabe que é um tempo de bastante cuidado. Quando passar a pandemia vamos dar um abraço bem gostoso. É uma necessidade, a gente trabalha com humanos", avalia.

"Agora é tudo de longe, a gente sente o quanto faz falta essa aproximação. Todo mundo vivia preocupado com uma bomba atômica, não precisou, um vírus deu conta de nos colocar pra dentro valorizarmos nossa vida em termos de relacionamento", avalia Isolene.

Irmã Terezinha Buss, vice-diretora do hospital (Foto: Divulgação)

Irmã Terezinha Buss, vice-diretora do hospital (Foto: Katia Farias / Divulgação)

Futuro

Para Irmã Isolene, a pandemia está provocando uma transformação nas pessoas. "Acredito que os próximos meses ainda vão ser de medo, de insegurança, mas por outro lado vamos ser humanos diferentes. Acredito muito nisso, a humanidade, se deu conta de que nada substitui ter saúde", avalia. "Chegou uma pandemia para nos dar conta que somos iguais. Duas coisas que são comuns: nascemos iguais e morremos iguais. Acho que esse momento fez tomar consciência disso e que existem outros. Despertou muito para enxergar o outro".

O sentimento para Irmã Terezinha é gratidão. "A todas as pessoas que estão na linha de frente da saúde: médicos, enfermeiros, técnicos, pessoal lavandeira, quem faz comida e os demais que atendem. Esses serviços já exigem muita dedicação, mas nesse momento tem a preocupação com eles mesmo e com as famílias também,o que torna o serviço ainda mais exigente. Todo dia peço a Deus que os proteja", diz Terezinha.

Irmã Ana Helena Rockembach, coordenadora do pronto-atendimento, com equipe do hospital (Foto: Divulgação)

Irmã Ana Helena Rockembach, coordenadora do pronto-atendimento, com equipe do hospital (Foto: Divulgação)